
O actor franco-português Lionel Cecílio regressa pelo segundo ano consecutivo ao festiva Off de Avignon com o espectáculo "La Fleur au fusil". Entre sala cheia, a distribuição de panfletos na rua e convicções firmes, Lionel Cecílio fala-nos dos desafios do teatro independente e da sua adesão à Declaração de Avignon II pelo fim da guerra em Gaza.
Entre os cartazes que invadem as ruas de Avignon, onde o Festival Off reúne este ano um número recorde de 1734 espectáculos, fomos ver "La Fleur au fusil", A flor no cano da espingarda. É a flor do cravo, símbolo de Abril, que o actor franco-português Lionel Cecílio leva de novo ao palco, num monólogo sobre a Revolução dos Cravos. Sozinho, sim, mas com ele, sobem à cena mais de uma dezena de personagens com memórias e sonhos.
“Este espectáculo viveu durante um ano e transformou-se”, diz-nos Lionel Cecílio. A decisão de regressar a Avignon foi imediata. A experiência do ano anterior deixou-lhe a certeza de que o tema era uma urgência. “Compreendemos que este assunto, que é a revolução dos cravos, vai mais além do povo português. É um espectáculo que é universal, de liberdade e de união do povo”. Foi essa universalidade que o público francês soube reconhecer, acolhendo a peça com aplausos e empatia.
A peça, criada com o encenador Jean-Philippe Daguerre, estreou-se numa pequena sala de 100 lugares, em 2024. Rapidamente se encheu e impôs o seu lugar entre tantos. “Foi um sucesso imenso”, recorda o actor. E assim se fez o caminho de regresso, agora com mais estrutura, mais convicção e uma agenda que se prolonga para além do verão: “Temos agora a sensação certa que este espectáculo tem que viver muitos anos ainda”.
Ser programado no Festival Off não é tarefa simples. Lionel Cecílio explica o processo: “As companhias têm que ter contacto com directores daqui de teatro… são teatros todos privados… depois temos que alugar a sala”, conta, sublinhando o risco que as produtoras assumem. Mas quando o encontro com o público acontece, “fica tudo óptimo”. Foi o seu caso, os directores da sala onde actua, no Théâtre des Gémeaux, viram o espectáculo no ano anterior e acreditaram: “Assinámos muito rapidamente”.
Num mar de propostas, o desafio é destacar-se. Não basta ter talento, “temos que ter muito mais coisas para se destacar e para sobreviver aqui nesta linda guerra do espectáculo vivo”, diz. A primeira arma é o nome do teatro. A segunda, o nome da companhia. A terceira, a mais poderosa, é o bouche-à-oreille: o passa-palavra. “É o público que quando vê uma coisa que gosta vai dizer a outros: ‘Tem que ver isso, tem que ver isso’". E isso, para o actor é mágico.
Magia é também é o que se vive nas ruas de Avignon. A partilha de panfletos, os encontros fortuitos, os convites sincero: “Eu digo sempre que é assim como se a gente convidasse alguém a comer a casa”, compara. Um gesto simples, íntimo e humano. Em Avignon, os actores estão na rua, de igual para igual, frente-a-frente com quem os poderá vir a ver em palco. “Eu vi-te ontem, eu vou-te ver amanhã”, ouve-se. E nasce aí uma cumplicidade rara entre quem dá e quem recebe o teatro.
Mas o Festival Off não é só palco, é também montra: “É assim como se fosse um grande salão do teatro”, descreve Lionel Cecílio. Por ali passam programadores de toda a Europa. Foi graças a essa exposição que "La Fleur au fusil" vai circular, nos próximos tempos, por palcos da Bélgica, da Suíça e de Portugal. “É um grande orgulho para mim”, confessa.
À pergunta sobre a Declaração de Avignon II, assinada por mais de uma centena de artistas no festival, apelando ao fim da guerra em Gaza, Lionel Cecílio não hesita: “A minha percepção do mundo de artista é de ter uma visão. E essa visão eu tenho que assumir até à vida real”. Não há neutralidade possível quando a arte fala de liberdade, quando o palco revive Abril e as bombas caem sobre inocentes.
“Eu não posso ir ao palco com o espectáculo sobre a revolução dos cravos, para dizer que a unidade, paz e liberdade foram possíveis há 50 anos e deixar uma guerra injusta aqui mesmo ao pé de mim”, afirma. Para Lionel Cecílio, o compromisso artístico não pode estar dissociado do compromisso humano. Por isso, vai assinar a petição. Por isso, apela à consciência: “Acho que temos todos que assinar”.