Até ao final do mês de Junho, o espaço POUSH, em Aubervilliers, arredores de Paris, acolhe o trabalho da artista moçambicana Lizette Chirrime, que desenvolveu a instalação “Lost Identity”. O feminino é um eixo central no trabalho de Lizette Chirrime que vê a mulher como a “magia do mundo”, mas acredita que lhe falta espaço para se expressar e para libertar essa força.
Até ao final do mês de Junho, o espaço POUSH, acolhe o trabalho da artista moçambicana Lizette Chirrime. Uma residência artística em Paris, no âmbito da iniciativa Gulbenkian & Thanks for Nothing – Criação e Compromisso, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela associação francesa Thanks for Nothing e que conta com a parceria do Centre Pompidou e da KADIST (organização dedicada à arte contemporânea). A iniciativa distingue artistas cujas práticas abordam temáticas sociais e ambientais, incentivando ainda a inclusão de públicos afastados da cultura.
Na capital francesa, a artista moçambicana desenvolveu a instalação “Lost Identity” (“Identidade Perdida”) criada a partir de materiais reutilizados dos workshops que conduziu no Centre Pompidou com mulheres em situação de vulnerabilidade – vítimas de violência doméstica, com doenças crónicas –, jovens com síndrome de Down e estudantes. O exercício consistia em criar dois corações: um para depositar tudo o que é negativo, outro para encher de energia positiva.
“Havia mensagens muito assustadoras”, contou à RFI Lizette Chirrime, que decidiu reaproveitar todo esse material e transformá-lo numa instalação agora patente no POUSH, onde se podem ver os tubos que contêm todas as mensagens recolhidas, formando casulos, numa alusão ao processo de transformação das larvas em borboletas, como “uma forma de começo da cura”.
Embora nascida de um processo colectivo, a obra é também autobiográfica: “É minha, é das senhoras, é de muita gente. É um problema global: a perda da identidade. O facto de permitirmos que nos abusem ou nos maltratem é porque, em algum momento, nos esquecemos de quem somos”, afirma. A instalação é, assim, uma espécie de espelho partilhado, onde a dor, a cura e a transformação coexistem.
Sobre a residência artística em Paris, Lizette Chirrime acredita que “foi o universo que conspirou a meu favor e mandou esta luz para o meu túnel.”
Para pagar as contas, Chirrime tem de conciliar o lado artístico com o design de moda: “Sou mãe solteira e vivo num país onde a arte não é reconhecida. Faço muito esforço para continuar. Mal consigo pagar as contas. Já estive muito doente, mas recuperei.”
O feminino é um eixo central no trabalho de Lizette Chirrime que vê a mulher como a “magia do mundo”, mas acredita que lhe falta espaço para se expressar e para libertar essa força. “Uso a minha voz para dar voz a essas mulheres sem voz”, explica. Mas não é só na questão social que se centra: o seu trabalho também incorpora uma forte consciência ambiental. “Nós sujamos o planeta com o nosso consumismo. Eu decidi fazer a minha parte.”
Ser artista e mulher em Moçambique continua a ser um desafio imenso. Apesar de avanços, as condições continuam precárias: “Muitas desistem porque é muito doloroso. Às vezes considero-me uma maluca em continuar, mas não tenho escolha, porque a arte me escolheu.”