Um estudo do Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos indica que o salário médio das mulheres francesas que trabalham no sector privado era, em 2023, 22% inferior ao dos homens. O estudo explica que o salário relativamente baixo das mulheres se deve, em parte, a um volume anual de trabalho 9,3% inferior ao dos homens, uma vez que as mulheres trabalham mais em tempo parcial. Cristina Semblano, economista, afirma que as desigualdades se devem a um problema estrutural que continua a prejudicar as mulheres no mercado de trabalho.
Desde 1972 que o princípio da igualdade de remuneração entre mulheres e homens está consagrado na lei francesa. Como é que se explicam estas desigualdades?
As desigualdades têm várias explicações. Poderei começar por dizer que elas são gritantes, sabendo, nomeadamente, que a comunidade internacional tinha, há uns anos, dado 2030 como meta para eliminar as diferenças salariais entre homens e mulheres. Todavia, esta desigualdade explica-se por várias razões. Uma delas está ligada ao tempo de trabalho e ao volume de trabalho fornecido pelas mulheres, que é menor, uma vez que estas não estão em plena actividade durante todo o ano. As mulheres trabalham muito mais em tempo parcial do que os homens, um trabalho que lhes é muitas vezes imposto.
O estudo diz que são as mulheres que ocupam cargos executivos que são as mais afectadas e que essas desigualdades aumentam à medida que a carreira avança...
Esta realidade deve-se a um problema de mentalidade ou a um problema estrutural da diferença de género. E não é só em França que isto acontece. Em Portugal, verificamos exactamente a mesma coisa. Ou seja, à medida que as qualificações das mulheres aumentam -não forçosamente as qualificações, mas o lugar que elas ocupam na hierarquia é mais importante -maior é a disparidade em relação aos homens.
Porém, mesmo com horários de trabalho idênticos, o salário médio das mulheres é 14,2% inferior ao dos homens. Porque é que o trabalho dos homens é mais valorizado?
É uma boa pergunta, que gostaria de poder responder. Vivemos num país onde o lema do primeiro mandato de Emmanuel Macron era a igualdade de género. Efectivamente, isso não se está a verificar. Basta olhar para as finanças públicas francesas, que não têm nada de feministas.
O orçamento do Ministério da Igualdade de Género representa 0,02% do orçamento, deixando claro que não há vontade de diminuir as desigualdades entre homens e mulheres. Trata-se de um sistema que precisa dessa desigualdade entre homens e mulheres, nacionais e imigrantes. É um sistema baseado na exploração e, portanto, a mulher é um produto que vale a pena empregar para explorar.
Um outro factor, que é muito importante, está associado ao facto de as mulheres ocuparem cargos em sectores menos valorizados e mesmo precários. A saúde, a educação, os cuidados, a protecção infantil, etc. São os sectores que mais empregam mulheres e são aqueles que lhes pagam menos.
É fundamental uma mudança de mentalidade?
É fundamental que aqueles que nos governam não desvalorizem estes sectores. São sectores que têm de ser altamente valorizados. São sectores fundamentais do ponto de vista humano, do ponto de vista da coesão social, indispensáveis à vida.
Há ainda a questão da maternidade. De que forma é que a maternidade ainda continua a lesar as mulheres no mercado de trabalho?
A maternidade continua a agravar a situação das mulheres e a situação tende a piorar. A maternidade é algo incoerente, porque tem a ver com a sociedade inteira. São as mulheres que engravidam, que suportam o tempo da gravidez e o parto... Mas deveria competir à sociedade a resolução dos problemas ligados à maternidade. Ora, não é esse o caso. A mulher tem de ser individualmente menorizada, tem de ser vítima pela sua situação de maternidade.
Quando as mulheres denunciam as desigualdades salariais, são muitas vezes acusadas de estar a criar mau ambiente, podendo até ser vítimas de retaliação por parte dos superiores hierárquicos...
Exactamente. As mulheres estão abandonadas a elas próprias. Elas lutam, integram colectivos, fazem greve, mas estamos num tempo em que não estar de acordo com o pensamento mainstream ou com as regras vigentes é ser polémico. E não é só no caso das mulheres. Quando exprimo uma opinião que não é a opinião global, quando não somos consensuais, somos acusados de ser polémicos.
A seu ver, o que precisa de ser feito? Que regras devem ser alteradas para combater esta desigualdade?
Os poderes públicos devem começar por consagrar orçamentos maiores para lutar contra as desigualdades entre homens e mulheres. No caso das empresas, por exemplo, devem ser divulgados os salários.
Que tipo de medidas, na sua opinião, devem ser adoptadas nas empresas para acabar com estas desigualdades?
Em França, há um grande segredo em relação aos salários. Eu sou a favor da divulgação dos salários nas empresas. Nas empresas, estamos aqui numa relação de dominação. Tanto os homens como as mulheres estão numa situação de submissão e, por conseguinte, é evidente que é muito mais fácil reinar, tendo em conta que as relações de dominação existem.
Nesta política de silêncio à volta dos salários, é mais fácil para as empresas terem este poder sobre os assalariados?
As empresas têm poder sobre os assalariados. A relação entre o patronato e o assalariado é uma relação assimétrica. É evidente que, em relação à mulher, ela é ainda mais assimétrica.