
Esgotos de Paris: um sistema visitável, gravitacional, únitário e único do Mundo
Vida em França
Invisível para quem passeia na cidade de Paris, os esgotos da capital francesa são uma parte essencial e única do funcionamento desta metrópole. Emmanuel, que trabalha há 31 anos nos esgotos de Paris, levou a RFI a fazer uma visita guiada ao Museus dos Esgotos, no 7º bairro, falando sobre as características únicas deste sistema e da sua profissão.
Paris, a cidade Luz, a cidade da Torre Eiffel, a cidade da moda, a cidade do luxo e também, a cidade com uma das redes de esgotos mais complexa e interessante do Mundo. Alguns metros abaixo da superfície, há 2.600 quilómetros de esgotos que criam uma cidade subterrânea, com 30 mil pontos de acesso espalhados por toda a capital.
Desde a Idade Média, que os parisienses se deparam com o problema do que fazer aos seus dejectos, tendo sido criadas entre os séculos XIII e XV as primeiras fossas sépticas abertas. Mais tarde, já no período do Renascimento até ao século XVIII, com mais consciência sobre o efeito das doenças e das pragas que assolavam de tempos a tempos, foram construídos os primeiros esgotos subterrâneos, mas ainda a uma escala muito limitada.
Foi sob as ordens de Napoleão III, já no século XIX, e após uma epidemia de cólera que matou milhares de pessoas, que o Barão de Haussman, um homem que mudou a face de Paris para sempre modernizando a cidade, decidiu criar uma verdadeira rede de esgotos, aliando-se ao engenheiro Eugène Belgrand, que imagina uma rede de esgotos que duplicaria a cidade em profundidade e que seria facilmente acessível aos trabalhadores dos esgotos.
Assim, desde a segunda metade do século XIX, Paris tem um sistema de esgotos muitos próprios, e quem visita actualmente Paris pode ir ao Museu dos Esgotos, onde para além de saber mais sobre a história desta infra-estrutura megalómana, pode ver como funciona já que se trata de uma verdadeira estação de triagem dsa águas, como nos explicou Emmanuel, que trabalha há 31 anos nos esgotos da capital francesa e que comandou uma visita guiada em que a RFI participou.
“O Museu dos Esgotos de Paris é interessante exactamente porque se trata, em parte, de uma estrutura a que chamamos uma galeria húmida ligada aos esgotos. Logo, se chover, por exemplo, muitas vezes temos de tirar as pessoas do museu porque ele está construído de forma a ser inundado cumprindo a sua função principal que é retenção das águas, ou seja, que a água não vá toda directamente para o rio Sena e possa causar inundações. Portanto, aqui, vemos, ouvimos e cheiramos as águas dos esgotos e, que eu saiba, este é um museu único no Mundo”
E também estes esgotos são únicos, com características muito próprias.
“Os esgotos de Paris são visitáveis, funcionam através da gravidade e são unitários. Isto faz do nosso sistema de esgotos algo único no Mundo, mesmo os esgotos de Nova Iorque ou até de Londres não têm estas três características. Graças a isso, recebemos aqui muitas delegações estrangeiras que vêm estudar o nosso sistema, no entanto, este é um sistema atípico, já que é muito antigo. Hoje, por exemplo, quando se quer construir um novo sistema, faz-se a separação entre as águas residuais e as águas limpas e o nosso é um único sistema”
A capital francesa conta com cerca de 300 trabalhadores apenas dedicados a este sistema intrincado, entre homens e mulheres, muitos deles com longas carreiras como é o caso de Emmanuel.
“Eu sou chefe de saneamento nos esgotos, actualmente trabalho no Museu e sou bastante polivalente. Tanto posso estar a vender bilhetes na entrada do museu, como posso fazer as visitas guiadas, como acabámos de fazer, posso também estar na loja do museu. Até faço segurança às vezes. E, claro, caso haja uma subida do nível das águas, limpo os esgotos que passam no museu. Faço tudo que há para fazer aqui”
A cidade de Paris contava em 2022 com uma população de mais de 2 milhões e 100 mil pessoas, logo, os esgotos são uma parte essencial, mas invisível da cidade. Vemos, às vezes, os seus trabalhadores descerem numa das 30 mil bocas de esgotos espalhadas pela capital, mas só raramente é que os parisienses se questionam o que fazem verdadeiramente as pessoas que trabalham nos esgotos.
“Nós temos o hábito de sermos discretos, quando eu comecei a trabalhar nos esgotos, há 31 anos, comecei nos esgotos domésticos, mais pequenos, na limpeza. A seguir passei para as colectas de esgotos e há quase 20 anos que trabalho aqui no museu. Adoro o facto de falar com as pessoas sobre a minha profissão. No entanto, é verdade que apesar de ser uma profissão indispensável, não é muito visível. E exactamente dar visibilidade a este trabalho é o âmbito do nosso museu. Mostrar que quem trabalha nos esgotos é indispensável”
Esta é uma profissão com mais de um século de existência, tradição e inovação. Tal como Paris, também os trabalhadores dos esgotos já passaram vários momentos-chave, nomeadamente na Segunda Guerra Mundial.
“Durante a guerra tivemos muitos agentes do saneamento de Paris que participaram na Resistência. Nós temos aqui placas comemorativas dessas pessoas que arriscaram a vida e muitas delas que acabaram mesmo por perder a vida. Nós falamos disso a quem nos visita. E, claro, gostamos sempre de dizer que fazemos parte da história, já que os trabalhadores dos esgotos existem desde Napoleão III, com as grandes avenidas de Paris e os prédios haussamanianos. O esquema dos esgotos faz parte dessas inovações e tornou-se um exemplo no Mundo”
Ainda hoje, esta é uma profissão que passa de pai para filho e que continua a atrair jovens, apesar de ser um trabalho muitas vezes meticuloso e pesado fisicamente.
“A nossa profissão ainda é atraente e interessante. Acabámos de recrutar cerca de 30 jovens entre 22 e 27 anos, que fizeram todo o processo de recrutamento e que percebem que temos uma profissão indispensável. Convido todos os jovens a olharem para esta carreira como uma opção porque é verdade que é uma profissão difícil, muito exigente fisicamente, mas também muito interessante”
Encontrámos Emmanuel no âmbito do evento anual da cidade de Paris sobre as diferentes profissões necessárias e essenciais para o bom funcionamento da capital francesa. A cidade Paris tem mais de 53 mil funcionários que exercem 300 profissões diferentes.