O artista brasileiro Cildo Meireles expõe “Cruzeiro do Sul” na Orangerie do Senado, em Paris, de 3 a 17 de Julho. Trata-se de uma peça de 9 milímetros capaz de “incendiar consciências” devido a todo o significado que carrega, explica a comissária Sívia Guerra. A RFI leva-o até à exposição para ouvir Cildo Meireles, Sílvia Guerra e o realizador Tiago Hespanha.
Um cubo de 9 milímetros num espaço mínimo de 200 metros quadrados. Uma obra de arte no chão a desafiar a atenção do visitante que pisa milhares de pedrinhas até chegar ao Cruzeiro do Sul. Assim se chama a peça, concebida em 1969-1970 e apresentada pela primeira vez em França, no espaço Orangerie do Senado, em Paris. “Cruzeiro do Sul” está patente de 3 a 17 de Julho. O autor é um dos mais importantes artistas brasileiros contemporâneos, Cildo Meireles, que nos deu algumas pistas sobre a obra.
“A peça partiu de uma premissa que era uma relação com o espaço onde ela está, mas foi acrescentada uma espécie de simbolismo que era uma negação daquilo que você vê. Então, ela se funda numa história, numa cosmogonia dos índios brasileiros, cuja divindade era Tupã, deus do fogo e do trovão, e que os jesuítas, quando chegaram, reduziram. A peça faz referência ao atrito entre uma madeira pouco densa como i pinho e uma muito densa como carvalho, porque era friccionando uma haste de pinho numa peça de carvalho que você obtinha um fogo que era uma espécie de materialização dessa entidade central na cosmogonia tupi”, explica Cildo Meireles.
A fragilidade de uma peça de tão pequena escala deixa-a ainda mais exposta ao público e carrega simbolicamente o peso de todo o processo de colonização e da resiliência dos saberes e mitos indígenas brasileiros. O pequeno cubo é feito de pinho e de carvalho, uma combinação que convoca imagens ancestrais da descoberta do fogo e que comporta a promessa de “incendiar consciências”, conta Sílvia Guerra, co-comissária da exposição.
“O espaço de 200 metros quadrados não está vazio. Está repleto de lendas e de histórias de um dos povos originários do Brasil, que é o povo tupi que esfregava o pinho e o carvalho para fazer o fogo (...) É uma peça que nos fala da História, fala-nos de invasões, fala-nos de relação ao espaço, fala de pessoas mais humildes, fala daqueles que não tinham um nome próprio (...) Esta peça, além do fogo, fala da preservação e que o fogo pode ser benigno ou maligno. De uma certa forma é um incêndio, como diz o meu colega Laurent Fiévet, nas nossas consciências também”, explica a comissária.
A obra é acompanhada pela projeção do documentário “Cruzeiro do Sul” de Tiago Hespanha, criado para a exposição.
“Cruzeiro do Sul”, de Cildo Meireles, está patente de 3 a 17 de Julho na Orangerie do Senado, em Paris, no âmbito da temporada cultural Brasil-França 2025.