" A França está num estado ingovernável"
04 September 2025

" A França está num estado ingovernável"

Vida em França

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A quatro dias da votação da moção de confiança ao Governo do primeiro-ministro francês, François Bayrou continua a reunir os partidos e declara-se disponível para fazer concessões, nomeadamente quanto à supressão de dois dias de feriado. Em entrevista à RFI, Victor Ramon Fernandes, professor de Relações Internacionais na Universidade Lusíada, em Lisboa, e em Sciences Po Aix-en-Provence, afirma que o país “está num estado ingovernável” e que o cenário mais provável será a queda do executivo.

François Bayrou continua a reunir os partidos e diz-se disponível a fazer concessões, nomeadamente quanto à supressão de dois dias de feriado. Esta abertura de François Bayrou ao diálogo ainda chega a tempo?

É capaz de ser um pouco tardio por duas razões. A primeira é que, do ponto de vista estratégico, o que François Bayrou fez foi pedir, logo de início, a confiança - no sentido da aprovação da moção de confiança, que será submetida a 8 de Setembro -, ficando para depois um espaço de negociação sobre uma série de questões. Porém, a maioria dos partidos, bem ou mal, considerou isso inaceitável e prefere derrubar o Governo.

A segunda razão tem que ver com um certo oportunismo, digamos assim, no sentido de vários partidos considerarem que, eventualmente, poderão melhorar a sua posição no Parlamento e, quem sabe, até apresentar um candidato a primeiro-ministro. Refiro-me, por exemplo, ao caso da União Nacional, com Jordan Bardella, mas talvez também a outros partidos. E depois há ainda a França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon - a meu ver, os profissionais da desorganização, especialistas em lançar o caos.

Tendo em conta que defende um plano de austeridade superior a 44 mil milhões de euros, não deveria o primeiro-ministro ter promovido negociações mais cedo? Ou estará François Bayrou a preparar o terreno para o próximo chefe de Governo francês?

Pode estar. Todavia, as negociações que ele poderia ter feito seriam sempre muito complicadas. O nível de dívida, a situação económica da França, é de facto muito complicada, acima de 100% do PIB. Os mercados estão a penalizar imenso o país com o aumento dos juros e a redução de notação da qualidade de crédito por parte das agências. A situação é complicada do ponto de vista económico e do ponto de vista político. Por outro lado, existe um certo sentimento da parte dos franceses, de que pagam demasiados impostos e que são sempre os mesmos a fazer os esforços. Alguns partidos também pensam dessa forma.

É que, de facto, são aqueles mais afortunados, digamos assim, que deveriam fazer um esforço maior, o que, na realidade, nunca acontece. Porque a base, digamos assim, não é suficiente para resolver estes problemas. Tem sempre que se ir, digamos, tributar mais a classe média, a menos que haja reduções de despesa pública, que é, no meu entender, aquilo que a França deveria fazer. Mas isso é muito difícil.

Na verdade, são os mais afortunados, por assim dizer, que deveriam suportar o maior esforço - o que, na prática, quase nunca acontece, acabando-se sempre por aumentar a carga fiscal sobre a classe média. A meu ver, a França deveria reduzir a despesa pública, mas trata-se de uma medida muito difícil de implementar.

O antigo Presidente da República, Nicolas Sarkozy, veio defender que a dissolução do Governo é a opção mais sensata. A França está ingovernável?

Já há bastante tempo que a França está ingovernável. A França tem um regime semipresidencialista, com os poderes muito concentrados no Presidente da República, mas, neste momento - nem da parte do Parlamento nem do Governo se consegue obter maiorias e consensos. A situação torna-se insustentável porque há uma radicalização das forças políticas - França Insubmissa, União Nacional e até mesmo no partido Republicanos, com o PS ainda muito colado à França Insubmissa.

Se não houver a demissão do primeiro-ministro, o cenário servirá, porventura, para se ganhar mais tempo, mas é um adiar de uma dissolução. Por outro lado, também se houver uma dissolução, não há, no meu entender, garantias nenhumas de que possa haver uma maioria estável. E, nesse sentido, podemos, de facto, argumentar com algum suporte que a França está um pouco num estado ingovernável.

Face a uma nova crise política, o chefe de Estado, Emmanuel Macron, vira-se para o Partido Socialista. Esta decisão pode impedir a queda do Governo?

Eu tenho dúvidas, porque o Partido Socialista, maioritariamente, está muito próximo da França Insubmissa e penso que aí há um erro político da parte de Emmanuel Macron, com essa postura de apoio ao Partido Socialista.

O Partido Socialista, de facto, não quer manter a situação e já houve manifestação de disponibilidade de Olivier Faure - secretário-geral do Partido Socialista - para assumir o cargo de primeiro-ministro, mas, ainda assim, também não haveria uma maioria absoluta. Não havendo essa maioria absoluta, a situação torna-se complicada. A escolha da esquerda é uma aposta arriscada, numa altura em que a Nova Frente Popular [coligação que reúne os partidos mais à esquerda] também está, de alguma forma, muito dividida. A situação em França está extremamente complexa.

Quem sai fragilizado desta situação, o Presidente Emmanuel Macron ou o primeiro- ministro François Bayrou?

Emmanuel Macron fica fragilizado a partir do momento em que opta pela dissolução do Parlamento, precipitando o país para a instabilidade política a nível de governação.

Quanto a François Bayrou, o primeiro-ministro francês está naquela posição de fazer aquilo que sente que deve fazer. Ele forçou -se assim podemos dizer - a sua entrada como primeiro-ministro e agora faz esta aposta arriscada que pode até passar. Ainda não tivemos a votação, mas, se passar, é no limite e se houver um milagre.

Há muitos [franceses] que consideram que, na realidade, o culpado de tudo isto é Emmanuel Macron (...) Mas enfim, com uma situação muito instável, como nós sabemos, há várias forças, quer à esquerda quer também à direita, que gostariam de ver Emmanuel Macron demitir-se, o que não deverá acontecer, certamente