Mulheres dominam entre concorrentes do Brasil na 37ª edição do festival Cinélatino, em Toulouse
25 March 2025

Mulheres dominam entre concorrentes do Brasil na 37ª edição do festival Cinélatino, em Toulouse

Rendez-vous cultural

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Três cineastas mulheres, com histórias sobre mulheres. Na competição da 37ª edição do festival Cinélatino, em Toulouse, o Brasil tem representação 100% feminina.

Daniella Franco, enviada especial da RFI a Toulouse

"A Melhor Mãe do Mundo", de Ana Muylaert, concorre na categoria longa-metragem de ficção. O filme conta a saga de Maria da Graça, ou Gal, uma mãe de família que trabalha como catadora de materiais recicláveis em São Paulo. Vítima de violência doméstica, ela se vê obrigada a fugir de casa para proteger suas crianças, Rihanna e Benin.

Gal é interpretada pela atriz carioca Shirley Cruz, que conversou com a RFI no Cinélatino sobre a construção da sua personagem. Segundo ela, para encarnar o papel, conviveu com catadoras de recicláveis e entrou em cena logo depois de dar à luz sua primeira bebê. Outra conexão com Gal foi ter sido vítima de uma tentativa de feminicídio, uma agressão da qual afirma ter se curado.

“A Gal tem muito de mim: mulher, preta, mãe de menina. Eu falo que fiz a Gal com útero aberto. Isso fez uma grande diferença”, explica. “Além disso, eu acho que tenho muita força e quando você assiste a esse filme, a força da Gal salta aos olhos”, salienta.

Shirley classifica o trabalho de Anna Muylaert, uma amiga de longa data, como “um cinema de fé”. “Ela de fato acredita que histórias mudam comportamentos, tocam pessoas. A partir daí, a gente tem esperanças de recuperar essa dignidade humana, mas emergencialmente, a vida da mulher”, reitera.

“Nilo”: um parto de despedida

Na competição dos curtas-metragens, o documentario "Nilo", dirigido por Isadora Carneiro, também aborda a maternidade, mas sob um outro ângulo, o da morte gestacional. A produção mostra a historia verídica de Daniella Dantas e Flavio Donasci, mãe e pai do bebê Nilo, que morreu antes do parto.

“A mensagem que eu queria passar com o filme era trazer à tona esse assunto que é muito tabu”, conta Daniella. “A gestação é vida, alegria, movimento de transformação, potência. Então, quando vai contra o que é natural, a gente não fala”, reitera a atriz.

Além disso, Daniella aponta para a invisibilização do sofrimento das mães que enfrentam a morte gestacional. “Como o bebê está lá dentro, e às vezes a gente nem conta sobre a gravidez até chegar ao terceiro mês, é como se ele nunca tivesse existido. E aí as mulheres não têm nem o direito de viver o luto”, observa.

Neste complexo exercício de organizar imagens e emoções extremamente íntimas, Isadora consegue mostrar com delicadeza a experiência de um casal no acolhimento de um filho tão esperado, mas de presença efêmera. Segundo a diretora, seu grande desafio foi “transformar a dor em poesia”.

“Muitos elementos me ajudaram, como a natureza”, afirma referindo-se ao local da gravação, uma casa à beira de um rio em Visconde de Mauá (RJ). “E principalmente o papel da ‘Sous-titres’, que é a personagem da palhaça encarnada pela Dani e que também viveu esse luto, como mostramos no filme”, observa.

 

Afrofuturismo e etarismo em foco

Na competição dos curtas-metragens, "Bela LX-404", de Luiza Botelho, aborda a objetificação dos corpos das mulheres e o etarismo por meio de uma trama afrofuturista bem-humorada. O filme se passa em um futuro distante, quando um aposentado compra por engano uma esposa-robô octogenária e tenta devolvê-la a todo custo por fantasiar com uma humanoide de aparência mais jovem.

Luiza Botelho, conversou com a RFI em Toulouse sobre a mensagem que pretende transmitir com o filme. “É uma história divertida, mas que fala sobre etarismo e a desconexão humana, através da tecnologia. Tem uma mensagem muito profunda sobre o quanto estamos tornando as pessoas e as relações cada vez mais descartáveis”, explica.  

O papel principal, da robô Bela LX-404, é interpretado pela atriz Léa Garcia, um dos maiores nomes da dramaturgia do Brasil, falecida em 2023. O curta foi o último trabalho dela, que não chegou a vê-lo finalizado. 

“Foi uma honra poder tê-la neste filme", conta Luiza, emocionada. "Ela interpreta uma personagem completamente diferente do que vinha fazendo ou do que se espera de uma senhora de 89 anos”, observa.

“A Léa adorou usar decote e se reconectar com o lado sexy dela. No último dia de filmagem, em uma das últimas cenas que a gente estava fazendo, ela disse que eu teria que filmar tudo de novo porque estava tudo muito bom e ela não queria que acabasse”, relembra.

Oportunidade e poder

Além dos três filmes brasileiros em competição, esta edição do Cinélatino ainda conta com duas outras produções brasileiras dirigidas por mulheres: “Manas”, de Marianna Brennand – um dos filmes de abertura do festival – que trata sobre a exploração sexual de meninas na ilha do Marajó, e a animação “Absorta”, de Luiza Pugliesi.

Antes da projeção de seu longa em Toulouse, Marianna conversou com a RFI e saudou o protagonismo das brasileiras no evento. “Como mulheres, diretoras, cineastas, escritoras, atrizes, nós temos essa oportunidade e esse poder nas nossas mãos de nos posicionar e contar nossas histórias com o nosso olhar”, afirmou.  

A 37ª edição do Cinélatino se encerra neste domingo (30), após a cerimônia de entrega dos prêmios, no sábado (29).