Exposição no sudoeste da França propõe diálogo imaginário entre rios brasileiros e franceses
29 May 2025

Exposição no sudoeste da França propõe diálogo imaginário entre rios brasileiros e franceses

Rendez-vous cultural

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A exposição "Águas Subterrâneas: Narrativas de Confluências" está em cartaz no Fundo Regional de Arte Contemporânea (Frac) Poitou-Charentes, em Angoulême, no sudoeste da França. O evento é realizado em parceria com o Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo, como parte da programação da Temporada França-Brasil 2025. 

Daniella Franco, enviada especial da RFI a Angoulême

A mostra coletiva exibe obras de 12 artistas franceses e brasileiros - entre instalações, vídeos, fotografias e ilustrações - com a proposta de um diálogo imaginário entre rios dos dois países e seus relatos culturais, históricos e ambientais. O objetivo é abordar a escassez de água potável, denunciando as histórias coloniais e extrativistas e refletindo sobre a busca de soluções. 

Uma das curadoras do evento, Ana Roman, superintendente artística do Instituto Tomie Ohtake, destaca uma questão em comum entre as duas instituições que organizam o evento: a relação com "os corpos d'água". "Tanto o Frac de Angoulême quanto o Instituto Tomie Ohtake têm territórios muito próximos a rios. Apesar de muito distantes, a gente começou a discutir e a pensar que a gente têm problemas e questões similares relacionadas à domesticação desses corpos, a não compreensão deles como seres vivos e a falta de direitos histórica", ressalta.

Caatinga e Deserto de Sonora

Entre os artistas que fazem parte da mostra estão Vitor Cesar e Enrico Rocha, do Ceará. A dupla apresenta na mostra um conjunto formado por uma instalação, uma ilustração e um vídeo - obra que nasceu de uma pesquisa sobre a caatinga.

O trabalho evoca a escassez da água neste bioma próprio do nordeste brasileiro. "A gente sentiu a necessidade se aproximar mais da caatinga, começamos a fazer visitas, a promover encontros e inclusive a convidar aristas de outras regiões para nos ajudar a olhar para aquele lugar, entendendo e intuindo que ele poderia nos apresentar questões e nos fazer outras possibilidades de vida", explica Enrico. 

A reflexão sobre territórios, povos e os impactos das mudanças climáticas também é abordada por outra artista na exposição, a paraibana Rastros de Diógenes, que apresenta a obra "Zona de Imaginação Climática". Por meio de uma série de colagens fotográficas, ela mistura paisagens reais e personagens autobiográficas, que entrelaça em um diagrama distópico e futurista.

Em entrevista à RFI, Rastros de Diógenes conta que o trabalho surgiu durante uma residência artística que realizou no deserto de Sonora, no México. "A partir daí surge um mapa de imaginação climática, pensando a partir de três figuras - a mensageira, a curandeira e a agricultora. É como se elas habitassem em um mundo pós-apocalíptico, na tentativa de reconstruir a Terra e dar continuidade à vida", diz. 

Crítica infraestrutural

O artista e pesquisador Daniel de Paula contesta a visão otimista em torno da energia gerada pelas hidrelétricas no Brasil e levou para a mostra uma instalação que compara vídeos de propaganda governamental a imagens feitas por moradores nos entornos da usina de Belo Monte, no Pará. 

"Pensar a infraestrutura de uma maneira crítica é entender que existe uma relação entre o indivíduo, a instituição e a infraestrutura, e que não há uma neutralidade no nosso uso da energia elétrica", defende. 

Com sua obra, o artista espera incitar a conscientização do público sobre o que há por trás de gestos que passam despercebidos no cotidiano. "A partir do momento que a gente está conectando o nosso celular para carregar a bateria dele, ele está vinculado a algum contexto que gera essa energia", saliente. "E qual é esse contexto? É uma hidrelétrica? Como essa hidrelétrica foi parar lá? Houve pessoas e populações que foram expulsas, lugares que foram expropriados, flora e fauna extintas", observa. 

O Coletivo Coletores, formado por Flávio Camargo e Toni Baptiste, de São Paulo, também trabalha na perspectiva da crítica por meio de seus trabalhos. Eles exibem em Angoulême três peças que fazem parte da série "Anamnesis - Palafitas e Refluxos", pensando nas similaridades entre o rio Tietê e o rio Charente. Assim, a dupla propõe uma reflexão sobre a dualidade de fatos positivos e negativos sobre as histórias desses cursos d'água e suas memórias. 

"A gente pega emprestado esse conceito de anamnese da Medicina, que é basicamente um processo em que o médico faz algumas perguntas ao paciente para criar um diagnóstico sobre aquilo que ele está sentindo. Mas, no nosso trabalho, a gente faz essas perguntas para a cidade, e usamos a memória como ferramenta para captar essas histórias", diz Toni. 

Flávio destaca a imensa palafita construída especialmente para a exposição: uma forma de abordar a questão de "estruturas que nascem como moradias precárias para lidar com as mudanças climáticas", observa. Segundo ele, a instalação também incita a reflexão sobre questões econômicas e especulações imobiliárias, sobre as quais tanto o público francês quanto o brasileiro facilmente reconhecem. 

Exposição viaja para São Paulo

A exposição coletiva "Águas Subterrâneas: Narrativas de Confluências" fica em cartaz no Fundo Regional de Arte Contemporânea Poitou Charentes, em Angoulême até 28 de setembro. Depois, segue para São Paulo, onde será exibida no Instituto Tomie Ohtake, de 13 de novembro de 2025 até 1° de março de 2026.