Diretores brasileiros na Berlinale apontam para retomada de cinema nacional após desmonte da cultura

Diretores brasileiros na Berlinale apontam para retomada de cinema nacional após desmonte da cultura

RFI Brasil
00:09:32
Link

About this episode

Quatro filmes e duas co-produções representam o Brasil na 74ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, que acontece até domingo (25) na capital alemã. A presença de cineastas brasileiros e brasileiras neste prestigiado evento baixou desde 2020, quando o Brasil levou 19 produções à Berlinale, um recorde para o país. 
 

Daniella Franco, enviada especial da RFI a Berlim

Para profissionais presentes no festival neste ano, não há dúvidas: o desmonte do setor cultural durante os governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro é responsável pela queda da representação brasileira em eventos de cinema pelo mundo. O cineasta paulista Marcelo Botta, que compete com o longa "Betânia", na mostra Panorama da Berlinale, explicou o fenômeno à RFI.  

"Os filmes têm um ciclo de vida longo. Quando um roteiro nasce, até ele ir para a tela, demora quatro, seis, sete, às vezes até dez anos. Em 2020, apesar de já ser governo Bolsonaro, a gente teve 19 filmes aqui porque era reflexo da política do governo Dilma. E agora, apesar de estarmos no governo Lula, estamos vivendo os reflexos do governo Bolsonaro", avalia.  

No entanto, para o diretor, a presença neste que um dos maiores festivais de cinema do mundo é uma prova da força do cinema brasileiro. "Esses poucos filmes que estão aqui agora representam essa resistência do cinema brasileiro que, mesmo nos momentos mais difíceis, não deixou de existir. Estamos aqui firmes e fortes. São poucos, porém filmes muito potentes que eu acredito que vão fazer a diferença aqui na Berlinale", ressalta. 

A Cinemascópio Produções, do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho e da produtora francesa Emilie Lesclaux, coproduziu o longa "Dormir de Olhos Abertos", da alemã Nele Wohlatz, que concorre na mostra Encounters da Berlinale. Kleber acredita que, depois desses anos de desligamento da cultura no Brasil, a situação está melhorando. 

"Eu acho que aos poucos a máquina de apoio à cultura está sendo religada, porque ela foi sabotada nos anos Temer e Bolsonaro, e isso teve um impacto muito negativo na nossa produção", diz. "Nesse filme que estamos apresentando em Berlim, uma coprodução com Taiwan, Argentina e Alemanha, tivemos dificuldades de acessar os fundos porque a máquina estava entravada. Finalmente com a volta de um governo democrático, a máquina volta a funcionar", observa. 

A cineasta paulista Juliana Rojas concorre com o longa "Cidade Campo" na mostra Encounters do festival de Berlim. Ela falou à RFI sobre sua esperança de uma melhora do setor após o restabelecimento do Ministério da Cultura no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. 

"Espero também que haja uma preocupação com diversidade, tanto de região, para que esses recursos não fiquem somente em São Paulo ou no Rio de Janeiro, mas que se expanda para vários Estados, e também como uma diversidade de olhares, de ter realizadores de diferentes raças e gêneros, além de produtoras de vários tamanhos", afirma. Segundo ela, é apenas com "o aumento de incentivos que o Brasil terá uma produção maior de cinema e aí com certeza vai ter uma presença maior nos festivais".

Promoção e valorização da diversidade

O instituto Nicho 54 é uma organização sem fins lucrativos, criado em 2019 e liderado por profissionais negros e negras pela promoção e valorização da comunidade preta na indústria audiovisual. A fundadora e diretora executiva da organização, Fernanda Lomba, participa do European Film Market (EFM), pelo quinto ano consecutivo. O evento promovido pela Berlinale incentiva encontros entre cineastas e profissionais da indústria do cinema para o financiamento e a coprodução de novos projetos.

Em entrevista à RFI, ela ressaltou as consequências do desmonte da cultura no Brasil também à formação de profissionais da produção cinematográfica, "sobretudo para que tenham a capacidade de atrair negócios para a nossa coprodução". "Para estar presente no mercado de produção internacional do calibre de Berlim, só um filme brasileiro sem uma trajetória planejada de atração internacional não é suficiente. Então, a gente precisa qualificar as nossas produções e qualificar a coprodução que a gente consegue atrair para ter competitividade nesses festivais internacionais", salienta. 

Participe do canal WhatsApp da RFI Brasil

Fernanda classifica o mercado do cinema brasileiro atual como "uma colcha de retalhos", devido ao impacto dos governos Temer e Bolsonaro, mas devido a outros fatores, como a chegada dos streamings no Brasil, "num cenário sem regulação que afetou a lógica e a ordem da produção nacional". Outra característica, segundo ela, é a força da diversidade e como ela impacta a cadeia produtiva. "A minha avaliação é de que nós estamos passando por uma grande revolução", diz. 

No entanto, a diretora executiva da Nicho 54 refuta o termo "retomada" para falar sobre essa fase de recuperação do cinema brasileiro. "Eu acho que a gente coloca luz ou retira luz de alguns fenômenos que acontecem. E nesse momento eu gostaria de colocar luz no fenômeno da diversidade, especificamente liderada por profissionais da própria diversidade", reitera. 

Segundo ela, as diferentes comunidades minoritárias dão outras perspectivas à produção de conteúdo cinematográfico. "Nós estamos passando por uma nova cara de Brasil, muito mais diversa. Isso tem afetado toda a cadeia. E estamos nos adaptando neste momento para recuperar ou mesmo de criar uma capacidade de maior fôlego para atrair negociações e lançar novos talentos", conclui Fernanda Lomba.