Exposição de fotografias em Madri evidencia identidade afro-brasileira

Exposição de fotografias em Madri evidencia identidade afro-brasileira

RFI Brasil
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A mostra “Ébano: Contrastes de Luz e Beleza”, em cartaz no Museu Africano de Madri, é composta por fotografias de três artistas que se dedicam a retratar o universo afro-brasileiro.

Ana Beatriz Farias, correspondente da RFI na Espanha

Entrar no salão onde estão as obras da exposição “Ébano: Contrastes de Luz e Beleza” é como fazer várias viagens: a países africanos, como o Benim, e também a diferentes estados do Brasil.

À esquerda de quem adentra o ambiente, estão retratos em preto e branco, feitos no Quênia e na Tanzânia. As peças, que exaltam a identidade cultural das pessoas fotografadas, fazem parte da série “Luz Negra”, de Robério Braga. O projeto tem mais de dez anos de estrada e de exposições pelo mundo e acumula prêmios internacionais.

O autor das fotos conta que a escolha temática, de algum modo, tem a ver com sua própria história. “Eu sou da Bahia, tenho um contato muito próximo com a comunidade afrodescendente e decidi investigar na África qual a origem do povo afrodescendente do Brasil. Lá eu encontrei essa beleza, essa maravilha, que até hoje encanta”, explica Robério.

Durante a realização do projeto, o baiano manteve seu olhar “procurando sempre o belo”. E, como ele mesmo ressalta, o título “Luz Negra” não é por acaso: “[Reflete] o respeito que eu tenho pelo povo afrodescendente e a luz que esse povo carrega consigo em todas as partes do mundo”.

Raízes compartilhadas

Seguindo o percurso proposto pela exposição, é possível encontrar, no espaço central do salão, fotografias de Enrique Ambrosio. O espanhol é um apaixonado pelo Brasil, onde viveu por 11 anos – entre Recife e Salvador.

De alma nordestina, como gosta de dizer, ele se dedicou a estudar e registrar semelhanças entre as culturas brasileira (especialmente a baiana) e africana (principalmente no que diz respeito ao Benim). Nas suas expedições fotográficas, Enrique Ambrosio diz adotar uma postura de observação e contemplação da cultura do outro.

“Você tem que ficar olhando o que acontece, não tem que dizer ‘a gente faz uma coisa melhor’. Tem que ficar sentado, olhando e amando eles. Nada mais”, explica Enrique, que tem como uma das suas grandes inspirações o fotógrafo e antropólogo francês Pierre Verger.

O espanhol, que também está em cartaz com a exposição “Retornados: Uma história dos baianos na África”, revela que pretende expressar, nas duas mostras, que “o Brasil e a África são como os dois lados do ‘rio atlântico’, e ali se pode encontrar mais ou menos a mesma cultura. A mesma culinária, as mesmas religiões, a mesma arquitetura”.

Valorizar o belo

O terceiro eixo curatorial da exposição “Ébano” tem a assinatura de Paulo Henrique Cruz.

Nos registros, feitos em estúdio, o fotógrafo apresenta mulheres, homens e crianças que posaram para as suas lentes como parte de um projeto que vem desenvolvendo há anos. "Beleza afro" é o nome da iniciativa que tem como objetivo valorizar a autoestima e fazer aflorar nas pessoas fotografadas “o amor e a luz que existem dentro delas”.

“E elas usam o projeto para vida”, para além do momento da foto, pontua Paulo Henrique. “A fotografia me traz tanta coisa boa que eu acho que é o mínimo que eu posso fazer pelas pessoas: tentar retornar esses benefícios para elas”.

Os frutos do trabalho realizado são vistos nos depoimentos que chegam ao autor das fotos: “Semana passada eu recebi no Instagram uma mensagem lindíssima, espontânea, de uma beleza enorme, indescritível. Eu já recebi de outras pessoas o mesmo tipo de feedback. Agradecendo a participação, a minha tentativa de buscar o interior das pessoas. Essa beleza, essa forma de viver que estava muitas vezes adormecida, mas que o projeto aflora”, comenta com um sorriso no rosto.

Mundo Negro

A exposição “Ébano” está em cartaz até o dia 12 de abril, em uma das salas do Museu Africano de Madri, espaço mantido por Missionários Combonianos do Coração de Jesus. O lugar existe com o propósito de “revalorizar um continente que foi degradado e espoliado” e que, ao mesmo tempo, é o “berço da humanidade”, como explica o diretor do museu, Ramón Eguiluz.

Ele, que viveu 25 anos no continente africano, conta também que faz parte da essência do museu estar de portas abertas. “Nossa casa é missionária. E como missionários que somos, temos o dever de que ela seja um lugar de acolhida. Todos os que querem expôr aqui – dentro de certas condições, sobretudo de tempo – podem”, explica.

A ideia de condensar tantos trabalhos relacionados ao universo afro-brasileiro nasceu do setor cultural da Revista Estampa Brasil, dirigida pelo baiano Ronald Muzzangue, que vive em Madri. Ele explica como foi o contato com os representantes do museu, espaço que considera especialmente apropriado para receber a exposição.

“Vim aqui, conversei com os responsáveis, mostrei o trabalho dos três fotógrafos. Eles gostaram e falaram que estavam muito felizes de receber a mostra”, lembra Muzzangue, que, além de diretor da Estampa Brasil, é antropólogo social e cultural. “O museu tem também uma parte com peças muito antigas e é um espaço que está aberto para todos”, ressalta.