A violência contra os árbitros tem marcado os últimos meses do futebol em França, com um episódio protagonizado pelo treinador português do Lyon, Paulo Fonseca, a ter tido grandes repercussões mediáticas e ser punida com uma forte sanção. Duarte Gomes, árbitro português que já arbitrou vários jogos internacionais, considera que o comportamento foi excessivo, mas considera a sanção "pesadíssima".
No início de Março, quase no final de um jogo entre o Olympique de Lyon e Brest a contar para a Ligue 1, após consultar o árbitro assistente de vídeo ou VAR, o árbitro principal Benoit Millot, decidiu não dar um penalty ao Brest. No entanto, o treinador Paulo Fonseca, que orienta o Lyon, visivelmente irritado com a arbitragem reagiu de forma violenta quando o árbitro lhe mostra o cartão vermelho, colando a sua testa à testa do árbitro, num momento de grande tensão.
Mais tarde, Paulo Fonseca desculpou-se publicamente, mas acabou por ser sancionado com nove meses de interdição de entrar nos relvados e mesmo de acompanhar a sua equipa no intervalo dos jogos. Este caso não é o único a acentuar a violência contra os árbitros no futebol francês, com, por exemplo, a direcção do clube Olympique de Marselha a criticar fortemente as arbitragens.
À RFI, o árbitro internacional Duarte Gomes falou sobre este episódio. Duarte Gomes conhece Paulo Fonseca e já arbitrou jogos em que o treinador português tinha uma equipa em campo, indicando que este foi um episódio isolado, nunca tendo assistido a excessos por parte do treinador português.
Para o árbitro, a decisão de Benoit Millot foi acertada em relação à expulsão de Paulo Fonseca, já que qualquer violência contra os árbitros deve ser punida de forma a dar o exemplo aos jogadores, mas também aos adeptos.
"A decisão do árbitro foi, parece-me óbvio, foi absolutamente correcta. Um treinador tem a responsabilidade adicional de ser uma referência para os seus jogadores que estão em campo, para os seus jogadores que estão também no banco dos suplentes, para os seus colegas da equipa técnica e também para os próprios adeptos, que muitas vezes são motivados pelos seus comportamentos para também terem comportamentos menos correctos e portanto, há ali uma responsabilidade adicional que um treinador de topo sabe que carrega quando está em campo. Não é fácil. A pressão é muito forte. Os resultados muitas vezes não aparecem. Há muitas contingências que levam a uma alteração de condutas, decisões mais emocionais, mas a este nível é obrigatório manter a serenidade e trabalhar a questão da inteligência emocional. E neste aspecto, como o próprio Paulo saberá, a coisa não correu bem e, portanto, a decisão do cartão vermelho foi acertadíssima", explicou o árbitro.
Quanto à sanção aplicada, a ministra francesa do Desporto, Marie Barsacq, disse que foi "lógica" face à "gravidade extrema" e que servia como mensagem de "tolerância zero" em relação aos ataques aos árbritros. Duarte Gomes considera que se trata de uma sanção pesadíssima e inédita.
"A sanção é pesadíssima e inesperada. Não sei se houve aqui alguma questão de pendor político. Eu penso que a própria ministra do Desporto se pronunciou se sobre o tema. O que poderá, de uma forma indirecta, ter exercido alguma pressão obviamente inconsciente em relação aos decisores. Independentemente de eu achar, porque isso parece-me importante até para defesa da arbitragem e do próprio espetáculo, que teria que haver uma sanção pesada, um castigo que fosse exemplar, não apenas para punir o Paulo, porque esse é o menor dos objectivos, mas mesmo para passar a mensagem de que este tipo de condutas em alta competição não é admissível, porque muitas vezes o que acontece a este nível é replicado nos escalões de formação. É importante que as pessoas percebam que as suas condutas são uma referência para os mais jovens. E, por esse aspecto, eu compreendo uma sanção pesada. Acho sinceramente, que nove meses é muitíssimo pesado. É excessivo. Já vimos casos noutras ligas, eventualmente na francesa, de agressões físicas consumadas, deliberadas, intencionais, com sanções muito mais leves", declarou Duarte Gomes.
A violência contra os árbitros não é, infelizmente, algo novo, mas a multiplicações de meios, incluindo de redes sociais, onde estes são escrutinados e criticados tem multiplicado nos últimos anos as agressões aos árbitros dentro e fora das quatro linhas.
"A violência contra os árbitros é um fenómeno que existe desde sempre. Obviamente que agora há um pormenor importante, há maior visibilidade, há sempre um telemóvel que grava, há sempre alguém que mostra uma fotografia numa rede social. Há muito mais meios de informação e as pessoas hoje têm mais conhecimento daquilo que acontece e obviamente que também dá o ódio que se vai gerando em termos de redes sociais, que é de facto um bar aberto à impunidade de uma forma inexplicável. O próprio ódio que se vai gerando em alguns órgãos de informação social, não todos. Tudo isso vai acicatar os ânimos e faz com que as pessoas, as menos preparadas, as menos formadas, vão para os campos destilar muito ódio, muita raiva, muita frustração, o que, infelizmente, redunda em agressões a árbitros sob várias formas", concluiu o árbitro português.