Vida em França
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Partindo da actualidade, tentamos explorar os aspectos da multifacetada "alma" francesa nos domínios social, político, económico e cultural.
França: “François Bayrou não pode suprimir a reforma das pensões”
15 January 2025
França: “François Bayrou não pode suprimir a reforma das pensões”

O primeiro-ministro francês apresentou esta terça-feira, na Assembleia Nacional, a sua declaração política geral. O chefe do Executivo ressalvou a dívida da França, o Orçamento de 2025 e a Reforma das Pensões. Rafael Lucas, professor catedrático em Bordéus refere que “François Bayrou não pode suprimir a reforma das pensões”, "que vai ter que ser aplicada de uma maneira ou de outra”.

O primeiro-ministro francês apresentou esta terça-feira, 14 de Janeiro, na Assembleia Nacional, a sua declaração política geral. Um discurso de 01h30 em que o chefe do Executivo insistiu na importância da dívida da França, na aprovação do Orçamento de 2025, assim como no caráter essencial da Reforma das Pensões.

François Bayrou anunciou retomar o projecto da Reforma das Pensões, em conjunto com os parceiros sociais. Todavia, não se comprometeu tanto como pretendiam os socialistas que defendem um retorno ao debate sobre a controversa lei adoptada em 2023, por Élisabeth Borne, actual número dois do executivo, na altura primeira-ministra, com o recurso a alínea três do artigo 49 da Constituição, ou seja, aprovação por decreto sem passar pelo voto dos deputados. 

Bayrou optou por um discurso generalista, acusado de ser impreciso e vago, mas que visa essencialmente evitar a censura. O partido de esquerda França Insubmissa (LFI) apresentou imediatamente uma moção de censura que será debatida esta quinta-feira, 16 de Janeiro, mas que o partido da extrema-direita União Nacional, não deve apoiar, reduzindo assim as hipóteses de sucesso. 

Rafael Lucas, professor catedrático em Bordéus, no sudoeste de França, sublinha que o primeiro-ministro optou por “evitar a linguagem dura de Michel Barnier [ex-primeiro-ministro, antecessor de Bayrou]”, numa “manobra de equilibrista e perícia de farmacêutico para evitar radicalizar os movimentos e, sobretudo, não descontentar a União Nacional e não melindrar os socialistas.”

Questionado sobre a solução apresentada pelo chefe de Governo para o delicado dossier da Reforma das Pensões, Rafael Lucas refere que “François Bayrou não pode suprimir a reforma das pensões”, por isso escolheu encaminhar este debate para um conclave composto por sindicatos e grupos patronais. A opção apresentada surge assim como uma via “democrática, baseado num debate aberto que deverá ser arbitrado pelo Tribunal das Contas”. 

O professor catedrático acrescenta que o primeiro-ministro francês “não pode recuar, anular ou cancelar esta reforma, que vai ter que ser aplicada de uma maneira ou de outra”. Ressalva ainda que tendo em conta os panoramas económico e demográfico franceses a reforma é irreversível.

Imediatamente após a apresentação do programa de Governo, a LFI apresentou uma moção de censura ao executivo. O documento vai ser debatido na Assembleia Nacional esta quinta-feira, 16 de Janeiro, e que, sem o apoio da extrema-direita, não será aprovado. 

 

 

 

 

Charlie Hebdo: Os limites dos cartoons “são os da própria consciência"
08 January 2025
Charlie Hebdo: Os limites dos cartoons “são os da própria consciência"

A França prestou homenagem nesta terça-feira, 07 de Janeiro, às vítimas do atentado perpetrado contra o jornal satírico Charlie Hebdo. Um ataque que tirou a vida a 12 pessoas, destas oito eram elementos da redacção do semanário. Rodrigo de Matos, cartoonista do Expresso, sublinha que os desenhos são “sempre alvo de críticas”, por vezes, “exageradas”. Questionado sobre os limites dos cartoons, Rodrigo de Matos, responde que “são os da própria consciência".

Dez anos após este que foi o primeiro de vários ataques de um ano sangrento para França, as autoridades francesas actuais e da altura deslocaram-se às antigas instalações do Charlie Hebdo para depositar uma coroa de flores e prestar homenagem aos que ali foram barbaramente assassinados. 

Dos oito elementos mortos da redacção do Charlie Hebdo, cinco eram cartoonistas: Cabu, Charb, Honoré, Tignous e Wolinski. Em causa, caricaturas publicadas, em 2006, consideradas ofensivas no mundo árabe-muçulmano.

A propósito desta data redonda que agora se assinala sob o ataque ao Charlie Hebdo, a RFI ouviu Rodrigo de Matos, cartoonista do Expresso, que sublinhou que os desenhos são “sempre alvo de críticas”, por vezes, “um pouco exageradas”. Todavia, nunca esperaria como reacção “uma tragédia daquelas”.

Questionado sobre os limites dos cartoons, as linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas, Rodrigo de Matos, radicado em Macau, responde que “os limites que há são os da nossa própria consciência. Como cartoonista, os limites de mim para mim estão onde eu acho que a coisa deixa de ter graça. Certamente que os cartoonistas que desenharam aqueles desenhos não achavam isso. E têm o direito de não achar”. 

Rodrigo de Matos defende que “tudo tem o seu lugar” e à pergunta “se isto deve ou não ser feito ou se isto pode ou não ser feito? A resposta é sempre e deve ser sempre que sim, que pode”. E acrescenta que “a liberdade de expressão, em última instância, na nossa maneira de ver ocidental, é também a liberdade que eu tenho de ofender e de ser ofendido”.

O cartoonista, que tem quase 2.000 desenhos publicados ao longo de 18 anos de carreira, diz que “há sempre alguém que se sente ofendido”. Rodrigo de Matos pensa que nesta “sociedade de imediatismo, por um lado, e de cancelamento de opiniões diversas, por outro, estamos a perder a noção da importância do confronto de ideias opostas, do diálogo e do debate entre ideias divergentes”.

O ataque de 07 de Janeiro de 2015 contra o jornal satírico Charlie Hebdo, foi o primeiro de vários que ensanguentou a França e que deu origem ao slogan “Je suis Charlie”, na defesa dos valores da liberdade de imprensa e liberdade de expressão.

Dez anos após, o Charlie Hebdo "continua" numa edição especial intitulada "Indestrutível", com uma capa com um leitor que ri às gargalhadas sentado sobre uma kalashnikov, a arma dos irmãos Kouachi (autores dos atentados).

No editorial desta edição, o director de redacção da revista, Riss, sublinhou que “o riso, a ironia, a caricatura são manifestações de optimismo. Aconteça o que acontecer, seja trágico ou feliz, a vontade de rir nunca desaparecerá".

Para François Hollande, antigo Presidente de França, chefe de Estado em 2015, continua a ser necessário preservar o bem precioso que é a liberdade de expressão, numa era das redes sociais. Hollande que alerta que “ela está ameaçada, por vezes restringida por uma forma de medo que se instalou”, lembrando que “há uma forma de autocensura que se apoderou” das pessoas.

Paris dá nome de Agustina Bessa-Luís a biblioteca
01 January 2025
Paris dá nome de Agustina Bessa-Luís a biblioteca

Desde o passado mês de Dezembro que a cidade de Paris tem uma biblioteca com o nome de Agustina Bessa-Luís. A escritora portuguesa foi homenageada pela câmara da capital francesa, numa iniciativa para promover a literatura portuguesa contemporânea e a obra da autora com uma forte ligação a Paris. 

A antiga biblioteca de Courcelles, no 8.º bairro de Paris, perto da Rue de Lisbonne e do Consulado português, passa agora a chamar-se Biblioteca Agustina Bessa-Luís.

Hermano Sanches Ruivo, vereador da Câmara de Paris, sublinha que “fazia todo o sentido dar o nome de Agustina Bessa-Luís a este espaço”. Na sequência da decisão municipal, o Instituto Camões e a embaixada de Portugal em Paris ofereceram à biblioteca uma série de livros para crianças. Todavia, não é por ter o nome de Agustina Bessa-Luís que podemos encontrar nesta biblioteca toda a obra da autora traduzida para francês. 

A ideia é de o nome dela ultrapassar a obra dela. Por exemplo, tem uma série de citações de Agustina Bessa-Luís que estão nas paredes da biblioteca.

A simbologia não é apenas de ter acesso ao trabalho, à obra de Agustina Bessa-Luís, é de claramente inscrever Agustina Bessa-Luís dentro da literatura mundial e dentro do reconhecimento.

Portanto, aqui vamos mais longe do que “simplesmente” dar a possibilidade de mostrar a obra.

Agustina Bessa-Luís foi uma importante escritora contemporânea portuguesa. Escreveu dezenas de romances, entre os mais conhecidos está “A Sibila”. Foi membro da Academia Europeia das Ciências, das Artes e das Letras em Paris. Faleceu em 2019, tinha 96 anos de idade.

Falta de verbas ameaça Santa Casa da Misericórdia de Paris
18 December 2024
Falta de verbas ameaça Santa Casa da Misericórdia de Paris

A Santa Casa da Misericórdia de Paris lançou no início do mês de Dezembro uma campanha de Natal para angariar produtos alimentícios para as famílias portuguesas mais necessitadas em França. Ilda Nunes, presidente da instituição, faz um balanço positivo da iniciativa, sublinhando que em 2024 ajudaram mais de 4500 pessoas, contudo alerta para a situação financeira da Santa Casa da Misericórdia que corre o risco de fechar as portas se as pessoas deixarem de ajudar a instituição.

Qual é o objectivo desta campanha de Natal realizada pela Santa Casa da Misericórdia de Paris?

O objectivo da Santa Casa da Misericórdia de Paris é ajudar as pessoas que têm dificuldades, ou seja, dar de comer a quem tem fome.

Quem são os parceiros desta campanha de Natal?

São as grandes superfícies comerciais que permitem aos voluntários - da Santa Casa da Misericórdia - estarem presentes durante o fins-de- semana para recolherem os produtos [doados]. Contudo, a instituição espera, no próximo ano, conseguir mais voluntários de forma a poder angariar mais produtos em alguns dias da semana, alargando assim o período de recolha.

É difícil encontrar voluntários para este tipo de campanhas?

É difícil encontrar voluntários para qualquer tipo de acções. Eu compreendo que estejamos todos muito ocupados com o trabalho, com a família, mas se dedicarmos duas ou três horas às actividades da Santa Casa, já seria muito bom para ajudar as pessoas que mais precisam.

Esta campanha de Natal é feita em todo o território francês?

Por enquanto, a campanha é feita apenas na região parisiense. Porém, o trabalho da Santa Casa da Misericórdia abrange qualquer pessoa que esteja em dificuldade no território francês. A nossa ideia é tentar criar delegações em vários pontos da França. Por exemplo, já estamos a fazer progressos em Bordéus, Lyon e também nas diversas zonas ou regiões onde existam consulados de Portugal em França.

Quem são as pessoas que precisam de ajuda?

São as famílias numerosas, mães solteiras, pessoas idosas -que não descontaram o suficiente para a reforma e que se encontram em com dificuldades - casais recém - chegados à França e que têm crianças pequenas. Em 2024, a Santa Casa da Misericórdia ajudou, no mínimo, 4500 pessoas e temos consciência de um aumento consequente dos pedidos de ajuda.

Nestes pedidos não estamos só a falar de bens alimentares. Há pessoas que nos pedem apoio psicológico e nós temos uma equipa de psicólogos que os podem receber sem pagarem, como é óbvio. Também ajudamos as pessoas a constituir dossiês, processos de pedidos de reforma, e acompanhamos aqueles que se sentem mais sozinhos. Estamos a falar de todo o tipo de apoio.

Nesta altura do Natal, quais são as principais necessidades?

Nesta altura do ano, todos gostariam de ter uma refeição idêntica à que tinham em Portugal. Uma ceia de Natal com os produtos portugueses.

O bacalhau, o azeite, a batata e o bolo rei…

Sim. Mas depois, durante o ano, as necessidades vão desde o arroz até às conservas.

Há também pedidos para os produtos de higiene…

Exactamente.  Muitas vezes nós temos de os comprar, porque as pessoas não pensam em doar os produtos de higiene. Depois, há pedidos para o leite e fraldas para as crianças.

O nosso grande problema é que dentro de dois meses, três meses no máximo, vamos ter de comprar mais produtos e para o fazer necessitamos de mais verbas.

Como é feita esta redistribuição destes bens?

Temos listas das pessoas que ajudamos durante todo o ano e que já estão habituadas a receber um cabaz de Natal. Todavia, as pessoas que precisam de ajuda podem-nos contactar através da nossa linha telefónica que funciona 24 horas por dia e sete dias por semana.

Considera que as pessoas são mais solidárias nesta altura do ano? Ou a crise que se vive actualmente, também aqui em França, está a ter um impacto neste tipo de acções?

É evidente que tem impacto para qualquer um de nós. Sinceramente, este ano, tendo em conta a situação económica do país, pensei que íamos recolher menos bens, porém os retornos que tive é que - em vários sítios - as pessoas doaram ainda mais. Estou felicíssima porque isto quer dizer que nós continuamos a preocupar-nos com o próximo.

Quem quiser contribuir, onde é que se pode dirigir?

Pode ligar para o número de telefone da Santa Casa da Misericórdia de Paris e perguntar qual é o sítio mais próximo para fazer as doações. Também temos um local, 7 Av. de la Porte de Vanves, no 14º bairro de Paris, onde as pessoas se podem dirigir e deixar os produtos.

Quais são as dificuldades com as quais se depara a Santa Casa da Misericórdia, uma estrutura que depende muito da solidariedade?

É complicado e difícil ao mesmo tempo. Mas quem se lança nesta aventura não teme as complicações, nem as dificuldades. Tem que estar sempre em alerta, pronta para melhorar a situação.

A falta de financiamento poderá, de certa forma, penalizar alguma actividade?

A falta de verbas pode levar mesmo a que a Santa Casa da Misericórdia de Paris encerre as portas.

E há esse risco?

Há pouco falei-lhe do local que nós sub-alugamos no 14º bairro de Paris, em 7 Av. de la Prte de Vanves, um contrato que chega ao fim a 31 de Março de 2025. Neste momento, temos duas opções: ou encontramos outro local ou arranjamos uma solução. A nossa grande dificuldade é sempre a falta de verbas, mas estamos a tentar resolver esse problema. Seria dramático se a Santa Casa da Misericórdia de Paris, a única em França, fechasse portas por falta de verbas.

Quer deixar aqui um apelo?

Deixo um apelo para que as pessoas [nos continuem a apoiar]. Sinceramente, espero que possamos encontrar uma solução para que a Santa Casa da Misericórdia de Paris possa continuar a desenvolver o trabalho - que faz há 30 anos - e que tem sido positivo. Claro que é muitas vezes insuficiente por falta de meios, mas acredito que vamos encontrar uma solução, antes de 31 de Março.

“França evita "shutdown”
11 December 2024
“França evita "shutdown”

O Conselho de Ministros aprovou nesta quarta-feira, 11 de Dezembro, o projecto de lei especial que permite a cobrança de impostos a partir de 1 de Janeiro. O economista Carlos Vinhas Pereira explica que esta lei temporária renova o orçamento de 2024 para o ano de 2025, até que seja aprovado um novo orçamento, evitando “o famoso shutdown americano”.

O projecto de lei especial, que prevê a cobrança de impostos a partir de 1 de Janeiro, foi aprovado em Conselho de Ministros, todavia o Governo insistiu na necessidade de se adoptar “o mais rápido possível” um orçamento para 2025.

Esta lei temporária permite “a continuidade dos serviços públicos e da vida do país”, e pode ser utilizada quando o Estado fica sem orçamento no dia 1º de Janeiro. O economista Carlos Vinhas Pereira explica que esta lei temporária renova o orçamento de 2024 para o ano de 2025, até que seja aprovado um novo orçamento, evitando “o famoso shutdown americano”.

“[Esta lei] está prevista na Constituição francesa, artigo 47, vai permitir simplesmente assegurar a continuidade orçamental do Estado francês para evitar o famoso shutdown americano. Esta lei tem que ser adoptada antes do dia 31 de Dezembro, evitando que a França fique bloqueada”, disse.

A demissão do Governo de Michel Barnier deixou pendente a apreciação de um projecto de orçamento para 2025 - no Parlamento - cuja aprovação antes do final do ano se torna improvável na ausência de um novo Governo.

Carlos Vinhas Pereira refere a que este texto - que inclui apenas dois artigos - autoriza o Governo a continuar a cobrar os impostos existentes, até que seja votado um orçamento formal.

Este dispositivo permite ainda a renovação das despesas do Estado ao nível de 2024, através de “decretos de abertura dos créditos aplicáveis”. As outras disposições devem permitir ao Estado e à Segurança Social contrair empréstimos nos mercados financeiros, através das agências específicas (AFT e Acoss), a fim de evitar a suspensão dos pagamentos.

“É uma lei muito simples e feita para ser adoptada rapidamente, tanto pelo Conselho de Ministros, como pelo Parlamento. O mais importante é que o Governo continua a poder cobrar o imposto, havendo ainda uma recondução da despesa e das receitas do Estado idêntica à que foi prevista no orçamento de 2024”, refere.

A maioria das forças políticas representadas no Parlamento veio dizer que não se vai opor a este projecto de “lei especial”. Todavia, alguns deputados da Nova Frente Popular, nomeadamente da França Insubçissa, e da União Nacional pretendem apresentar uma alteração a esta "lei especial", permitindo a indexação da tabela do imposto sobre o rendimento.

O economista lembra que esta alteração evitaria que 18 milhões de franceses pagassem mais impostos, sublinhando que “como não houve indexação da grelha dos impostos e as pessoas tiveram um aumento do salário ligado à inflacção, vão pagar mais impostos do que estava previsto no Orçamento de 2025”.

No entanto, o Conselho Constitucional emitiu um parecer sobre a interpretação deste ponto específico da lei, bem como sobre a constitucionalidade desta medida específica no âmbito de uma lei especial e considerou que “as novas medidas fiscais”, não sendo consideradas “necessárias para assegurar a continuidade da vida nacional, não se enquadram no domínio da lei especial”.

O Conselho Constitucional estima que a indexação não faz parte das medidas “que tenham lugar em lei especial”, porque ultrapassa “a autorização para continuar a cobrar estes impostos”.

 De fora desta “lei especial” do orçamento fica o aumento das pensões, aplicando-se as regras do Código da Segurança Social. A partir de Janeiro de 2025, todas as pensões dos trabalhadores do sector privado e dos funcionários públicos vão aumentar de acordo com a inflação, 2,2%, ou seja, um valor acima do que estava previsto no orçamento de Michel Barnier, que previa congelar as pensões no próximo ano durante seis meses.

Carlos Vinhas Pereira considera que esta medida vai ter um impacto negativo nos cofres do Estado francês, numa altura em que o país precisa de fazer economias.

“O Governo ou o Estado francês vão ter que assumir mais 4 milhões, o valor a pagar pelo aumento das pensões, quando é público que o país precisa de fazer poupanças na ordem dos 60 mil milhões de euros. É uma situação grave e se não houver um sinal do novo Governo, haverá, com certeza, uma reacção dos investidores, sobretudo, das [agências] de notação e dos bancos que vão aumentar a taxa de juro da França. A França está a pagar taxas de juro ao nível da Grécia”, nota.

Face ao impasse político que se vive no país, o economista avança que este ano fica marcado “por um recorde do número de falências das empresas” e antecipa um 2025 complicado para o sector económico, sem grandes reformas estruturais,

“Não vejo como é que não pode ser complicado. A falta de maioria no Parlamento, mesmo no caso de haver um Governo, não vai permitir grandes reformas. Não há possibilidade de dissolver a Assembleia, portanto haverá uma continuidade. Não se poderão tomar grandes decisões no sentido de melhorar a situação financeira de França. Tinha que haver um consenso, tanto de esquerda como de direita, e neste momento uma parte quer mais despesas públicas para melhorar a saúde, aumentar os salários - o que se compreende- e do outro lado há uma vontade de cortar neste tipo de despesa para poder resolver o problema do défice francês”, admite.

“Paésine” de Francisco Tropa no Novo Museu Nacional do Mónaco
05 December 2024
“Paésine” de Francisco Tropa no Novo Museu Nacional do Mónaco

De 06 de Dezembro de 2024 e até 21 de Abril de 2025, o Novo Museu Nacional do Mónaco acolhe a exposição “Paésine” de Francisco Tropa. Uma mostra que é feita em colaboração com a Fundação Serralves, no Porto, Portugal, que acolhe neste momento a exposição “ⒶMO-TE” do  artista plástico português. A curadoria da exposição monegasca ficou a cargo de Célia Bernasconi.

A partir de amanhã e até 21 de Abril de 2025, o Novo Museu Nacional do Mónaco acolhe a exposição “Paésine” de Francisco Tropa. Uma mostra que é feita em colaboração com a Fundação Serralves, no Porto, Portugal, que acolhe neste momento a exposição “ⒶMO-TE” do  artista plástico português. A curadoria da exposição monegasca ficou a cargo de Célia Bernasconi.

Em declarações à RFI, Francisco Tropa explicou que o nome da exposição “Paésine” vem das pedras-paisagem, originárias da região de Florença: “são pedras que criam uma paisagem, que imitam paisagens, que parecem naturais”. Este jogo entre o real e a representação é marca constante do trabalho de Tropa.

Esta exposição em duas vertentes constitui a maior exposição monográfica de Francisco Tropa alguma vez apresentada. Em Portugal, um percurso mais longo dos últimos 30 anos do artista e no Monaco uma mostra mais centrada nos últimos 12 anos de carreira de Francisco Tropa.

O percurso pensado por Francisco Tropa para a Villa Paloma começa no exterior, com “Penélope” no terraço, a olhar o mar. A figura do feminino está muito presente na obra aqui exposta, “sobretudo na escultura. É a Vénus da gruta e na escultura é o corpo na gruta. É esta ideia de feminino que nasce no interior da caverna, que me interessa bastante”.

A exposição foi pensada a partir da arquitetura do museu, que é uma arquitetura em três andares. Uma casa art déco em três andares e cada andar com duas salas.

De certa forma, a arquitetura do espaço deu-me a métrica para poder começar a pensar a estrutura de uma exposição.

Criei uma espécie de estrutura que se sobrepõe e que vai dividir - sobretudo os dois andares de cima - em quatro.

As salas são divididas por uma diagonal com uma projecção, portanto modifiquei a arquitectura de forma a conseguir construir um outro género de narrativa”. 

80 anos de existência e de sucessos para o Lille com sotaque português
28 November 2024
80 anos de existência e de sucessos para o Lille com sotaque português

A equipa francesa do Lille festejou os seus 80 anos de existência no passado fim-de-semana durante o triunfo da equipa do Norte da França por 1-0 frente ao Rennes.

Em 80 anos, o Lille alcançou quatro títulos de campeão de França da primeira divisão de futebol masculino, bem como seis Taças, uma Supertaça e uma competição europeia, a extinta Taça Intertoto.

Ao longo destes anos todos, a presença lusófona foi-se intensificando. O primeiro lusófono acabou por ser o português Figueiredo que vestiu a camisola da equipa francesa de 1986 a 1989.

A partir daí vários foram os portugueses, os brasileiros, ou ainda angolanos, um cabo-verdiano, um moçambicano e um guineense a terem vestido a camisola dos ‘Dogues, alcunha da equipa gaulesa.

De notar as estreias: O primeiro brasileiro foi o avançado Walquir Mota em 1992, depois seguiram-se Capita, avançado angolano em 2020, Ryan Mendes, internacional cabo-verdiano em 2012, Reinildo, defesa moçambicano em 2018, e Edgar Ié, internacional guineense em 2017.

No total cerca de 40 jogadores lusófonos passaram pelo clube gaulês, isto sem esquecer dirigentes e treinadores. Luís Campos foi o director desportivo, Paulo Fonseca passou como treinador pelo clube, ou ainda Jorge Maciel que foi treinador-adjunto de vários técnicos que estiveram no banco do Lille.

Com sucesso ou com maiores dificuldades, a presença lusófona marcou um clube do Norte da França que durante metade da sua existência não teve qualquer jogador que falasse português.

Os dois primeiros títulos de Campeão de França, em 1946 e em 1954 não contaram com a presença de comunidades lusófonas nos plantéis.

No entanto, em 2011, na conquista do terceiro título, eram dois: os brasileiros Émerson Conceição e Túlio de Melo.

Em 2021, a ajuda das comunidades lusófonas foi preponderante, na conquista do título, com os portugueses Tiago Djaló, José Fonte, Xeka e Renato Sanches, o brasileiro Luiz Araújo e o moçambicano Reinildo, bem como os treinadores-adjuntos Jorge Maciel e Carlos Pires, e sem esquecer o conselheiro do presidente do Lille, Luís Campos, e o coordenador de formação, Luís Norton de Matos, este último foi aliás selecionador da Guiné-Bissau durante a carreira.

A RFI teve a oportunidade de abordar este momento histórico com José Fonte, capitão da equipa do Lille quando foi Campeão em 2021, aliás foi o único capitão estrangeiro a conquistar o título pelos ‘Dogues’.

José Fonte, agora defesa do Casa Pia em Portugal, vestiu a camisola do Lille entre 2018 e 2023. Em declarações à RFI, para além de falar do seu regresso ao território português onde ainda joga aos 40 anos, José Fonte admitiu que foi um momento emocionante regressar para os 80 anos do LOSC.

José Fonte, defesa central português, para além de se ter sagrado campeão de França, também conquistou o Campeonato da Europa em 2016 e a Liga das Nações europeias em 2019 com a selecção portuguesa.

Recuando no tempo, a RFI também teve a oportunidade de falar com o defesa brasileiro Rafael Schmitz, hoje com 43 anos, que envergou a camisola do Lille entre 2001 e 2007.

O antigo futebolista brasileiro assegurou ser um momento único regressar a Lille, ele que também abordou a sua actual vida profissional.

De notar que Rafael Schmitz, antigo jogador do Lille, conquistou a Taça Intertoto com o clube francês, prova da UEFA que já foi extinta.

Por fim, a RFI falou com o lateral brasileiro de 34 anos, Ismaily, que iniciou a sua terceira temporada com a camisola do Lille.

Ele, que chegou recentemente ao clube, afirmou que é uma equipa e uma região que merece êxitos em França.

Ismaily, defesa brasileiro, ingressou no Lille em 2022, isto após nove temporadas nos ucranianos do Shakhtar Donetsk, tendo saído após o início da invasão russa à Ucrânia.

De referir que o Lille festejou os seus 80 anos de existência a 25 de Novembro de 2024, sendo o clube do Norte da França com o maior número de títulos de Campeão conquistados, quatro, num historial dominado pelo Paris Saint-Germain com doze troféus.

De notar por último que a história do Lille também foi marcada pela passagem de Éder, internacional português que representou a equipa francesa entre 2016 e 2017, numa altura em que Portugal venceu o Euro 2016 com o único tento luso a ser apontado na final por Éder que deu o primeiro troféu à selecção das Quinas derrotando a França por 1-0 após prolongamento.

A história do Lille foi contada por Maxime Pousset no livro "LOSC, 80 anos de história e de orgulho".

O Magazine Vida em França regressa na próxima semana, e, entretanto, podem ouvir ou voltar a ouvir o programa desta semana em rfi.fr/pt.

 

Festival Olá Paris! quer mostrar em França "uma nova página" do cinema português
13 November 2024
Festival Olá Paris! quer mostrar em França "uma nova página" do cinema português

Olá Paris! quer ser o primeiro festival de cinema português em Paris a mostrar a nova geração de actores e realizadores lusos, preenchendo um vazio até agora existente em França. Tiago Guedes, Marco Martins ou Claúdia Varejão vão estar na capital francesa para discutir com os cinéfilos que venham até ao Club de l'Étoile, onde vai decorrer este evento.

O festival Olá Paris! vai trazer à capital francesa filmes, realizadores e actores portugueses, criando um evento da 7ª arte que quer fazer perdurar no tempo. A primeira edição deste festival decorre já de 29 de Novembro a 01 de Dezembro e Wilson Ladeiro, co-organizador e programador deste festival, explicou em entrevista à RFI as suas motivações para a criação deste certame.

"Eu gosto muito de cinema em geral, mas gosto particularmente do cinema português. Eu achava que aqui em França, em Paris, o cinema português não é que seja invisível, mas é passa pouco. Passa. E eu achava que o cinema português merecia muito mais, porque tem uma óptima qualidade. E não havia nenhum festival português de cinema em França. Pronto, então decidi que vamos íamos um festival de cinema português em França. E assim foi", indicou.

Juntamente como o irmão, Fernando Ladeiro-Marques, criaram o Olá Paris! com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Caixa Geral de Depósitos, que vai decorrer durante três dias no Club de l'Étoile, no 17º bairro de Paris. Para a escolha dos filmes, Wilson Ladeiro, que é luso-descendente e trabalha no meio do audiovisual, viu centenas de filmes e acabou por escolher destacar quatro realizadores.

"O tema do festival é o cinema actual e da geração actual que o realiza, realizadores que estão a trabalhar agora. Está-se a escrever uma nova página página da história do cinema português, portanto, queria apresentar esta geração actual, os cineastas, os actores e as actrizes. Vamos ter "Alma Viva", da Cristèle Alves Meira, o documentário "Ama-San" de Cláudia Varejão, o filme "Restos do Vento" de Tiago Guedes e ainda “Great Yarmouth: Provisional Figures” de Marco Martins", descreveu.

Muitos destes realizadores vão estar em Paris, assim como os actores que os protagonizam como Isabel Abreu, Albano Jerónimo ou Beatriz Batarda. O festival mostrará ainda em ante-estreia o filme "Banzo" de Margarida Cardoso.

Este festival terá ainda uma mostra dedicada ao 25 de Abril, onde serão mostrados os o documentário "La Nuit du coup d'État - Lisbonne, avril 1974" de Ginette Lavigne e os "Capitães de Abril" de Maria de Medeiros. A lendária actriz portuguesa é ainda a madrinha deste evento e no quadro do festival estará com os alunos do Liceu Montaigne, também na capital francesa, para um debate sobre o 25 de abril e o cinema português.

O Olá Paris! conta ainda com outros eventos ligados às artes, como sessões de autógrafos do ilustrador Nuno Saraiva - que fez o cartaz do festival -  e também de Madeleine Pereira, autora da banda desenhada "Borboleta". O street artist Glaçon vai ainda mostrar algumas das suas obras durante o festival.

Manifestantes em Paris pedem "povo no poder" em Moçambique
07 November 2024
Manifestantes em Paris pedem "povo no poder" em Moçambique

Paris foi palco de uma manifestação da diáspora moçambicana, em frente à Praça da Bastilha, esta tarde. Tal como em Maputo e em outras partes do mundo, os manifestantes juntaram-se para contestar os resultados das eleições gerais de 9 de Outubro e para denunciar a repressão policial nas manifestações em Moçambique.

Nas ruas de Paris ouviram-se coros de “povo no poder”. A mensagem dos moçambicanos em protesto chegou à capital francesa, junto à simbólica Praça da Bastilha. Um grupo de mais de 20 pessoas empunhou cartazes com palavras de ordem e exibiu bandeiras de Moçambique, mas também cantou o hino moçambicano a “Pátria Amada”.

Laura Chirrime pertence ao grupo Indignados – Sociedade Civil dos Moçambicanos da Diáspora, um movimento que organizou em Paris e em várias outras cidades manifestações, esta quinta-feira, para pedir justiça eleitoral e para denunciar a violência policial nos protestos em Moçambique.

Pretendemos mostrar ao mundo o que está a acontecer em Moçambique. O mundo não sabe o que se passa. Sabemos que muitas organizações estão aqui em Paris, muita gente vai-nos ver. Estamos a gritar ao mundo ‘Socorro, por favor, ajudem-nos, Moçambique não está nada bem.

Nos cartazes dos manifestantes podia-se ler, em português e francês, "Povo no poder", “Liberdade para o povo”, “Moçambique igual para todos" e “Voto não é atestado de óbito”, mas também se liam críticas à Frelimo, partido no poder desde 1975.

Entre os manifestantes, a cantora Assa Matusse destacou que os artistas também têm o dever de se mobilizar.

É a primeira vez, na verdade, que me envolvo desta forma, sempre disse para mim mesma que jamais me iria posicionar politicamente porque a minha missão nesta terra é fazer música, mas chegam situações em que se ultrapassa a arte, ultrapassa todos os limites.

Outro artista presente era o músico Samito Tembe que empunhava o cartaz com a frase popularizada pelo rapper Azagaia, “Povo no poder”.

Eu não tenho medo. Povo no poder. Povo no poder. Povo no poder todos os dias. Eu não percebo como é tu votas, os dirigentes vivem à custa dos nossos impostos e não podemos reclamar se alguma coisa está mal. Não compreendo. Não vejo porque é que nos estão a atirar gás lacrimogéneo em Moçambique, estão a matar pessoas, não percebo...

“Alô mundo, alô Paris, alô França!”, gritou o investigador Anésio Manhiça, de passagem por Paris, que também agarrou no megafone para lembrar que os moçambicanos se reuniram nesta manifestação “por uma questão de direitos humanos e de justiça em Moçambique”.

Podemos falar e manifestar em Paris. Aqui, não corremos nenhum perigo, ao contrário dos nossos irmãos que estão em Moçambique. Estamos aqui para lançar esta voz contra a injustiça social em Moçambique, a injustiça eleitoral, os direitos humanos que estão a ser feridos em Moçambique, incluindo direito de liberdade até digital. Estamos aqui para lançar esta voz, ver se somos ouvidos e para poder ver alguma mudança política e social em Moçambique.

Entre os manifestantes havia também angolanos, como Lucas dos Santos, movido pela solidariedade com o povo moçambicano e pela luta pela justiça.

Somos todos africanos. Temos muitos laços que nos unem, começando pela língua portuguesa porque fomos colónia portuguesa. Somos a favor da liberdade. É injusto aquilo que se vive em Moçambique numa fase como esta. O poder é do povo e o povo é que deve escolher as pessoas que devem governar. Estamos aqui para dizer abaixo os assassinatos, abaixo a ditadura. Como angolanos temos que estar solidários, como sempre estivemos, com o povo moçambicano.

Além de Paris, os pedidos de justiça eleitoral e respeito pelos direitos humanos em Moçambique foram repetidos em várias outras cidades onde há diáspora moçambicana e em Maputo, o epicentro das manifestações.

Foi o candidato presidencial Venâncio Mondlane, principal rosto da oposição, que convocou, pelas redes sociais, a paralisação geral de sete dias que culminou, esta quinta-feira, com uma manifestação nacional em Maputo e acções na diáspora, naquela que ele descreveu como a “terceira etapa” da contestação aos resultados das eleições gerais de 09 de Outubro. Estes resultados, que ainda devem ser validados pelo Conselho Constitucional, dão a vitória a Daniel Chapo, candidato presidencial da Frelimo, partido no poder, com 70,67% dos votos, enquanto Venâncio Mondlane aparece em segundo lugar, com 20,32%. O candidato apoiado pelo Podemos rejeita os resultados, assim como os outros candidatos na corrida à presidência Ossufo Momade e Lutero Simango.

“A situação actual em Moçambique faz parte da minha vida artística”
07 November 2024
“A situação actual em Moçambique faz parte da minha vida artística”

Dimas Tivane é um malabarista moçambicano que vive em França e as suas criações são inspiradas no quotidiano de Moçambique. É com “muita dor e com muita frustração” que tem acompanhado a espiral de violência pós-eleitoral no país e sente que esta “quase guerra interna” vai ser representada nos seus próximos espectáculos. Esta quinta-feira, ele vai estar numa manifestação em Paris, no dia em que várias cidades serão palco de acções da diáspora, em solidariedade com a mega-concentração convocada para Maputo.

Numa altura em que Moçambique vive protestos e muita violência pós-eleitoral, fomos conhecer Dimas Tivane, um artista moçambicano a viver em França. O jovem é um malabarista confirmado e tem dado espectáculos em várias cidades em França e noutras partes do mundo, com uma arte que Moçambique ainda pouco reconhece e da qual não se pode viver no país. Fomos espreitar um dos seus ensaios no Centquatre, um espaço parisiense onde tantos artistas amadores e profissionais treinam diariamente. O encontro aconteceu na véspera de uma manifestação em Paris da diáspora moçambicana.

RFI: A arte é, por ventura, geneticamente política, no sentido de imaginar utopias de um mundo melhor e de denunciar com formas poéticas os males que se vão vivendo. Por isso queria-lhe perguntar como é que tem acompanhado os protestos e a repressão das manifestações em Moçambique?

Dimas Tivane, Malabarista: Com muita dor e com muita frustração. O povo moçambicano está a sofrer consequências directas desta opressão e deste assassinato ao povo moçambicano e às pessoas que batalham no dia-a-dia. É uma marca enorme. Moçambique está a atravessar um período único, enorme e extremamente doloroso porque já há mortes. Tudo isto nós sabemos que é por conta da opressão e da não liberdade e da não democracia de que o nosso país é vítima.

A diáspora moçambicana também está a organizar manifestações. Vai participar em alguma coisa?

Claro que vou participar. É uma tristeza enorme não poder estar em Moçambique agora e, por isso, juntámo-nos entre nós, moçambicanos residentes em França, não só em Paris, e fomos fazendo uma campanha antes do dia 7, que é o grande dia em que as pessoas se vão concentrar em Maputo, a capital. Juntámo-nos entre artistas, estudantes, pessoas civis que estão residentes em França e que queriam, na verdade, manifestar a sua frustração e o seu repúdio à situação actual em Moçambique. Então, esta quinta-feira, dia 7, às 14h, na Praça da Bastilha, nós vamos estar lá a gritar o nome de Moçambique para podermos conseguir fazer chegar as nossas reclamações e a nossa voz a quem de direito.

O que é que espera para os próximos tempos em Moçambique?

Eu espero que o governo actual perceba que o povo moçambicano é um povo batalhador, mas que agora há uma espécie de cansaço e de fadiga diante das experiências últimas que nós tivemos com as fraudes eleitorais. Eu acho que é altura que o governo oiça mais o povo. Na verdade, o governo deve trabalhar para o povo, não é o caso actual. Eu espero mesmo que esta mensagem chegue às pessoas que têm o poder de mudar a situação actual e que se sintam comprometidas com o povo moçambicano, que é um povo extremamente batalhador. Moçambique é um belo país, então é muito triste estarmos a atravessar isso entre nós mesmos, estarmos quase a viver uma guerra interna, é muito doloroso.

Até que ponto é que tudo o que está a acontecer em Moçambique pode, de certa forma, ter eco naquilo que você cria, produz e apresenta em palco?

Há sensivelmente dez anos que eu trabalho focado no quotidiano, no dia-a-dia, nas minhas experiências, nas experiências das pessoas que me rodeiam, então a situação actual em Moçambique é nada mais, nada menos que um elemento que já faz parte da minha vida artística. Então, nas minhas criações, de certeza que haverá uma chamada de atenção a esta situação actual que se está a viver em Moçambique. Na minha maneira de escrever, na minha maneira de criar e não só, sendo um artista moçambicano residente em França, tenho também este dever e sinto esta responsabilidade de poder falar de Moçambique, não só das dificuldades, mas também de como é que nós podemos superar este tipo de situações.

 

Pode fazer-nos uma curta apresentação, contar-nos o que leva a palco e que projectos tem em curso?

Eu sou malabarista profissional há sensivelmente dez anos. A minha arte consiste em manipular objectos. Eu lanço objectos e tento não os deixar cair, o que não acontece sempre!.. Então, esta é a minha arte. A minha especialidade é o malabarismo musical: eu misturo a música, a dança e o malabarismo. Eu canto, faço malabarismo e danço ao mesmo tempo. Esta é a minha especialidade há sensivelmente 10 anos.

Quanto a projectos, eu acabo de estrear um solo que se chama “Nkama”, que significa “Tempo”. Escrevi “Nkama” numa altura extremamente complicada e perturbada da minha vida. Então foi um tempo difícil para mim. Este espectáculo é uma celebração. A vida é o que eu decidi fazer com o meu tempo, o que nós decidimos fazer, apesar das coisas que acontecem em Moçambique, no Afeganistão, no Líbano, na França, em Israel. Eu decidi fazer malabarismo. Por isso é que eu chamo ao espectáculo Tempo.

Tenho muitos projectos. Estou agora num enorme projecto em Moçambique de construção de uma escola, de um centro cultural em Moçambique, em Maputo. É um projecto auto financiado. Sempre foi meu sonho fazer este projecto, então acredito que em 2026, se tudo correr bem, teremos a inauguração deste projecto que é, para mim, a culminar destes dez anos de experiência.

O projecto é uma escola de artes de circo?

Na verdade, nós vamos estar meio divididos entre um projecto de pedagogia e um projecto de criação. Nós não temos ainda em Moçambique estruturas capacitadas para acompanhar uma formação circense. No entanto, vamos tentar instalar, no início, uma prática quotidiana em Moçambique e, claro, dando espaço aos artistas que queiram criar, tanto da dança, do teatro, da música, das marionetas e tentar, com o tempo, conseguir este distintivo de escola de circo e tornar-se na primeira escola de circo de Moçambique. Se tudo correr bem.

Se não há escola de circo em Moçambique, como é que você descobriu e desenvolveu a sua vocação?

Eu beneficiei de uma formação oferecida pelo Centro Cultural Franco-Moçambicano em 2011. Fiz parte de um grupo de 80 artistas que foram lá batalhar, bater-se para ter um lugar neste estágio que durou quatro semanas. Depois do estágio, os formadores foram-se embora, dois artistas franceses, malabaristas. E depois de eles terem ido embora, eu fiquei tão apaixonado pela prática que decidi continuar, na verdade, a praticar no meu canto.

Veio parar a Paris pouco tempo depois. Quanto tempo depois?

Eu participei num espectáculo, num espectáculo que se chama “Maputo-Moçambique”, um espectáculo que estreou em 2013. Nós fizemos várias digressões com este espectáculo.

Um espectáculo do Thomas Guérinaud...

Exacto. Participei neste espectáculo e foi este espectáculo que constituiu uma porta de entrada para a indústria criativa em França. Feito isso, continuei a ter contratos com outras companhias na Inglaterra, na Finlândia, no Brasil e em Portugal. Então, a necessidade de me instalar num lugar onde eu pudesse praticar todos os dias era mesmo urgente e decidi vir a França. Porquê? Porque tinha muitos contratos cá na altura e depois de sete anos a fazer idas e voltas entre Moçambique e França, instalei-me em Janeiro de 2020.

Quando estava a ensaiar, contou-me que também está, neste momento, a preparar projectos com o Japão e com outros países.

Eu tornei-me artista independente, criei a minha companhia actual, que se chama Companhia Nkama. Esta companhia é uma semente que eu quero lançar para poder chamar os jovens criadores e autores a poderem lutar pela sua autonomia, sendo a minha primeira obra “Nkama”, da qual eu falo com muito orgulho porque é uma obra que engloba música, dança, malabarismo, em changana, que é a minha língua materna...

Do sul de Moçambique...

Língua do sul de Moçambique, de onde eu venho, onde eu nasci e cresci. Graças a este espectáculo, eu fui actuando em alguns sítios em França. A estreia do espectáculo foi na Guadalupe, em Point-à-Pitre, e com algumas parcerias que eu tive na Suécia, em Guadalupe, em Goiânia e na França, o espectáculo ganhou tanta visibilidade que eu fui convidado a fazer alguns projectos colaborativos em Taiwan, com uma equipa de 15 artistas que vão estar lá a criar e fui convidado a fazer a direcção artística deste projecto. Recentemente, recebi um convite para fazer uma digressão de 15 espectáculos em oito cidades no Japão. É o culminar também de todo este trabalho que venho fazendo de malabarismo, música e dança. Então, abriu-me portas para poder conhecer outros universos, ir à América, à Ásia, África, à Europa e por aí adiante.

E tudo começou quase como um acaso... Tinha quantos anos quando descobriu o malabarismo nessa formação em Maputo?

Eu comecei o malabarismo muito tarde. Na altura eu tinha 19 anos.

Até que ponto acredita que a arte - seja teatro de rua, malabarismo, artes circenses, dança - consegue sacudir as mentalidades e mudar alguma coisa?

A arte tem este poder de passar não só pelos textos, mas por suportes visuais que chamam as pessoas a uma reflexão bem ousada, mas, no final das contas, acaba sendo uma porta de saída do que os livros não conseguem dizer, do que os espectáculos não conseguem dizer. Então, a arte, que é, na verdade esta mistura de música, gastronomia, maneira de vestir, pode ser bem forte para poder influenciar mentes, para poder deixar passar mensagens.