Carla Di Pierro: A peça que falta na seleção brasileira

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Psicóloga do Comitê Olímpico discute importância do cuidado da mente, os perigos do esporte de alta performance e da superexposição

Com 60 membros, apenas duas mulheres e nenhum especialista em saúde mental, é possível argumentar que a peça que falta para a delegação do Brasil na Copa do Catar seja Carla Di Pierro, a psicóloga esportiva do Comitê Olímpico Brasileiro, o COB, e também da seleção masculina de vôlei. Uma das maiores autoridades da sua área no país ela argumenta: “É uma pena para os atletas e para a comissão. O Ronaldo colapsou em 1998 e foi uma questão emocional. Neste quesito o esporte olímpico está muito a frente, pois os atletas procuram orientação e o próprio comitê está interessado em divulgar esse cuidado”.
Parte também da equipe da maratonista aquática e campeã olímpica Ana Marcela, do nadador Bruno Fratus e do surfista Gabriel Medina, Carla se formou em psicologia na PUC de São Paulo e ganhou o respeito da comunidade esportiva por misturar a sabedoria do esporte - é triatleta e surfista - que diz ter herdado da mãe com o rigor científico que puxou do pai, o famoso matemático Scipione Di Pierro Netto.
Em um papo com o Trip FM, ela fala ainda dos perigos do esporte de alta performance, do espaço da mulher nos bastidores, da superexposição dos atletas e mais. Confira um trecho abaixo, escute o programa no play ou procure a conversa completa no Spotify.
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Trip. Como faz para encontrar um ponto de equilíbrio entre a pressão que é motivadora para o atleta e a pressão que é destruidora?
Carla Di Pierro. A gente tem visto não só as pessoas comuns, mas também os atletas colapsando: é uma mistura do estresse físico e emocional em busca da excelência. O que estamos descobrindo é que a psicologia do esporte existe não só para o atleta render mais e se concentrar melhor. Nós estamos ali para cuidar da saúde emocional dele também. Se esse atleta não estiver bem, ele não vai entregar resultado e se entregar vai ser uma vez só, pois o custo desse esforço vai ser muito alto para a sua saúde. É preciso organizar todo o ambiente, o que inclui família, treinador e toda a equipe. Quebrar a cabeça é muito pior do que quebrar o joelho. O joelho a gente arruma através de um protocolo com começo, meio e fim. A nossa cabeça, se entra em um burnout, vai depender muito mais de como cada um reage. Atleta que passou por situações de abuso ou que foram muito pressionados vão ter limitações futuras. A gente quer trabalhar com o atleta mantendo, apesar da pressão, uma rotina saudável. A gente precisa entender que a maioria dos atletas olímpicos são jovens e não tem todos os repertórios desenvolvidos para dar conta de tudo; por isso que a psicologia é tão importante.
Existe alguma explicação para a seleção brasileira não ter levado nenhum psicólogo do esporte para o Catar? Tinha que ter um psicólogo do esporte com a seleção. É uma pena para os atletas e para a comissão. O Ronaldo colapsou em 1998 e foi uma questão emocional. Neste quesito o esporte olímpico está muito a frente. Os atletas pedem orientação e o próprio comitê está interessado em divulgar esse cuidado, porque houveram, inclusive, casos de suicídio. Ao mesmo tempo é difícil ser um profissional da seleção, porque diferente dos meus atletas que eu vejo diariamente, na seleção você só consegue atender em um determinado período de tempo, que e quando eles se reúnem. E nesse tempo é preciso estabelecer vínculo, entender a história de cada um, conhecer e ser bem-vinda pela comissão técnica… Mas a gente precisa começar a criar uma história de um trabalho de saúde mental dentro das seleções. Na seleção de vôlei isso já está sendo feito.
Já se fala que o esporte de alta performance é nocivo à saúde. O que acha disso? Está ultrapassada a ideia do sem dor, sem ganho. A gente tem uma ciência hoje que mostra que a recuperação é tão ou mais importante do que o treino. A gente tem métodos para controlar carga, estresse físico e emocional. Não existe mais essa de quebrar o atleta para ele ter o resultado. O atleta hoje tem noção de que ele pode e deve tomar decisões que tem a ver com o autocuidado dele. Quando a Simone Biles diz que não vai competir, ela sabia desse direito. Foi o que o Gabriel Medina fez também. O que poderia acontecer se ele entrasse em uma onda perigosa não estando bem emocionalmente?
O que é mais perigoso para o atleta: o excesso de dinheiro ou a superexposição? A superexposição é mais nociva para o atleta do que o excesso de dinheiro, sem dúvida. Eles são vigiados e muito acessados via redes sociais, onde recebem muitas críticas e se sentem na obrigação de corresponder a expectativa de todo mundo. A internet provoca muita ansiedade em todos os atletas e ao mesmo tempo eles não podem abrir mão disso porque é ali que divulgam os patrocinadores. Sabemos também que o celular cria dependência e tem impactado muito o sono do atleta, que é essencial. É preciso estabelecer autocontrole.