O smart pod é um modelo tecnológico de cigarro eletrônico que toca música, manda mensagens, propõe jogos e tem um design feito para atrair jovens consumidores. Em alguns casos, o dispositivo tem a forma de um animal de estimação virtual, no estilo tamagotchi, que morre se usuário decide parar de fumar. A invenção gera revolta entre os pneumologistas brasileiros, que já constatam um aumento do aparecimento precoce de doenças respiratórias entre os jovens adeptos do vape.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
A pneumologista Fernanda Aguiar, coordenadora da Medicina Respiratória do Hospital Mater Dei, em Salvador, não esconde sua indignação após o aparecimento dos smart pods, ou smart vapes. Ela denuncia a invenção de um dispositivo elaborado com o único intuito de viciar os adolescentes cada vez mais cedo, expondo sua saúde a inúmeros riscos.
“Que gênio do mal cria coisas assim para que as pessoas fiquem mais e mais dependentes?", questiona a especialista. "São estratégias do mal com um fim meramente comercial, às custas da dependência de uma droga: a nicotina”, afirma.
Os novos formatos preocupam ainda mais os profissionais da saúde no Brasil, que já constatam o aumento de casos de doenças respiratórias entre jovens usuários do vape, que se popularizou entre os adolescentes muito antes do aparecimento do smart pod.
“É impossível monitorar quais substâncias estão sendo inaladas. Existem várias misturas que não estão no nosso radar. O cigarro eletrônico não é algo que veio para minimizar danos. Pelo contrário: na visão dos pneumologistas, estamos potencializando esses danos. Se o cigarro eletrônico não for coibido, teremos muitas doenças respiratórias, em muita gente jovem, em pouco tempo”, avalia.
O cigarro eletrônico é proibido no Brasil desde 2009 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas seu consumo continua crescendo entre os jovens. De cada cinco adolescentes, pelo menos um já utilizou algum tipo de vape no país, segundo dados recentes do Cetab (Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz), da Fiocruz.
Com o aumento da fiscalização, o produto deixou de ser encontrado com facilidade nas grandes plataformas de e-commerce, mas ainda é acessível e achado até mesmo nas ruas.
O projeto de lei que regulamenta a produção e a comercialização dos cigarros eletrônicos no Brasil deve ser analisado pelo Senado ainda neste ano. “Existe uma discussão grande no Congresso e, de certa forma, um lobby da indústria do tabaco, que se reinventou para a aprovação e liberação desses produtos no país. Os pneumologistas e a Sociedade Brasileira de Pneumologia estão atuando para proteger nossos pacientes, principalmente crianças e adolescentes”, diz.
“O cigarro eletrônico vem com uma pegada, um desenho, um jeito, para atrair um público muito jovem, trazendo aí um malefício muito maior do que o relacionado ao cigarro convencional”, completa.
O produto surgiu com a promessa de ajudar os usuários a deixar de fumar. O dispositivo não traz os produtos de combustão do cigarro convencional, como o alcatrão. Em contrapartida, têm na composição nicotina em doses mais altas, além de outras substâncias usadas para dar sabor e cheiro agradáveis, que nem sempre correspondem ao que está descrito no rótulo.
“Tudo isso vai aquecido para o pulmão, gerando lesões agudas e crônicas em um público muito mais jovem. O resultado é que as pessoas começam a ter doenças respiratórias mais cedo do que usando um cigarro convencional.”
Dependência rápida e intensaSegundo a especialista, como a dose de nicotina no cigarro eletrônico em geral é mais alta, “a dependência é mais rápida e intensa”, lembra. “Consterna a gente ver adolescentes que chegam tão fissurados. Nesta faixa etária, eles têm um sistema nervoso central que ainda é imaturo, sendo alvo de uma carga alta de nicotina. Existem muitos casos de transtorno de ansiedade, depressão, além de outros problemas de doença mental. É uma dependência mais difícil de tratar.”
Além do câncer, há uma lista de riscos para a saúde gerados pelo uso do cigarro eletrônico, como o agravamento de doenças como a asma ou bronquite. Mas também existem patologias próprias ao vape, como a Evali, uma doença pulmonar grave, que pode gerar insuficiência respiratória com necessidade de intubação e ventilação mecânica, explica Fernanda.
Estudos mostram que a Evali é desencadeada por diluentes como o acetato de vitamina E, aromatizantes tóxicos e metais pesados, que, quando são aquecidos e inalados, causam danos ao tecido pulmonar.
Outra doença é o chamado pulmão de pipoca, descoberta inicialmente em trabalhadores de fábricas de pipoca de micro-ondas. Os sabores amanteigados usados no produto também são usados em cigarros eletrônicos e podem gerar o que a pneumologista brasileira descreve como uma bronquiolite.
Há também casos de enfisema em pacientes jovens, fibrose e outras lesões pulmonares. Dados também mostram que há um aumento do risco de neoplasias malignas, ou seja, cânceres de pulmão, em função do tempo e da intensidade do uso do vape.
Fernanda Aguiar ainda lembra dos efeitos que a nicotina provoca no sistema cardiovascular, que incluem o aumento da hipertensão e do risco de infarto e AVC. A intoxicação aguda por nicotina, lembra, também é um fenômeno comum em festas. “Os adolescentes usam a noite toda, intensamente. É uma intoxicação mesmo, que em alguns casos gera até convulsões”, alerta.