Saiba como agentes da comunidade promovem a saúde no departamento mais pobre da França
RFI Brasil
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Saúde
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O departamento de Seine-Saint-Denis, localizado ao norte de Paris, acumula vários títulos: o mais pobre, o mais jovem, o que tem a população mais vulnerável, com os piores índices de saúde, nutrição e moradia de toda a França. Além disso, faltam profissionais de saúde. Para debelar a falta de acesso à informação e aos cuidados médicos, que se agravou durante a crise da Covid-19, o departamento criou a Academia Popular de Saúde.
Paloma Varón, com entrevistas de Caroline Paré, da RFI
A Academia Popular de Saúde oferece aos residentes a oportunidade de se tornarem retransmissores de informação e prevenção em sua comunidade e de apoiar pessoas distantes dos cuidados de saúde. A academia aposta na proximidade que os agentes comunitários têm com a população, pois eles também são locais e experimentam os mesmos problemas de acesso que os seus vizinhos.
"A densidade de médicos no departamento de Seine-Saint-Denis é muito mais baixa do que no resto da França. Por exemplo, se pegarmos o número de clínicos gerais por 100 mil habitantes, em 2020, havia 41 aqui contra 78 no resto da França", explica Jean-Marie Blanchoz, chefe da divisão de Educação e Promoção da Saúde do Conselho Departamental de Seine-Saint-Denis. Além disso, ele diz, até 20% dos habitantes de Seine-Saint-Denis não têm um médico de família, enquanto em nível nacional esse índice não chega a 10%.
"No caso da saúde da mulher também há um déficit enorme. A proporção de mulheres de 20 a 64 anos que não fizeram uma consulta ginecológica nos últimos dois anos é cinco vezes superior ao do restante do país. Houve uma constatação de que as informações sobre saúde e prevenção não estavam chegando à maioria da população. Por isso, tivemos a ideia de criar a Academia Popular de Saúde, para que a mensagem seja transmitida da forma mais acessível possível", completa Jean-Marie Blanchoz.
Informação em linguagem simples e acessível
Aurore Margat, enfermeira e docente do Laboratório de Educação e Promoção da Saúde da Universidade Sorbonne do Norte de Paris, frisa a importância de se levar a informação aonde o povo está: "Este curso de formação de agentes populares de saúde é uma forma de letramento em saúde, quer dizer, a capacidade das pessoas de acessarem as informações e também de entender, utilizar e avaliar essas informações para tomar decisões e ter autonomia na gestão da sua saúde no dia a dia". "Muita gente não vai ao médico quando tem um problema porque simplesmente não sabe que profissional procurar, onde achar", acrescenta.
"Como profissional de saúde, eu sei que a gente nem sempre fala com clareza, a gente tem um discurso muitas vezes ininteligível. Por isso, é preciso usar palavras simples, acessíveis, que permitam que as pessoas realmente entendam essas informações", aponta a enfermeira.
Combate às fake news em saúde
Para Rabiatou Camara, moradora de Saint-Denis e embaixadora formada na primeira turma da Academia Popular de Saúde, seu papel é também o de combater a desinformação.
"Durante a crise da Covid-19, nos lockdowns, eu trabalhava à distância, com minhas quatro filhas em casa, para a Agência de Empregos. Ao fazer entrevistas com os candidadtos em busca de reposiocionamento no mercado de trabalho, eu sentia que eles tinham muito medo. Eu percebi também que as pessoas vinham com um discurso permeado de informações falsas sobre a Covid-19 e sobre a saúde em geral. Eles não tinham filtro e acreditavam em todas as fake news que vinham da família e dos amigos", relata.
Rabiatou explicou o seu trabalho.
"Eu me considero como uma intermediária. Nós estamos no meio, entre os profissionais de saúde e os habitantes. Nosso objetivo é identificar as informações que chegam destes profissionais e comunicá-las, por diferentes meios, à população local. Lembrando que temos habitantes que são analfabetos, que não conseguem ler em francês, que falam línguas diversas. Eu, por exemplo, falo também wolof, do Senegal, e sussu, da Guiné."
Siregbe Oularé é formada em Medicina na Guiné. Em Seine Saint-Denis, ela é embaixadora de saúde popular. Ela fala, além do francês, o duala, o malinké e o sussu, outros idiomaas africanos.
"A gente tem um papel de facilitadora. Nós estamos no lugar ideal para difundir a mensagem. As pessoas em Seine-Saint-Denis não têm acesso direto aos cuidados e aos profissionais, então estamos aqui para orientá-las. Além disso, fazemos um acompanhamento. Eu diria, como embaixadora de saúde popular, que nosso principal papel é o de facilitar o acesso à informação e aos profissionais", sublinha.
Formação de adolescentes
Jean-Marie Blanchoz explica o que é preciso para se tornar embaixador de saúde.
"Temos duas condições para que as pessoas integrem o curso que prepara os embaixadores da Academia Popular de Saúde: ser maior de idade e morar em Seine-Saint-Denis. Queremos que a diversidade dos nossos alunos espelhe a diversidade da nossa população, tanto de origem, idade e gênero quanto de percurso profissional."
Mas, neste ano, haverá uma novidade, conta ele: "Diante do sucesso da Academia Popular, criamos uma Academia para os adolescentes, a partir de 12 anos, com um foco específico na nutrição".
Ele explica que o foco em nutrição para os jovens se dá porque os índices de obesidade e de diabetes são muito altos no departamento e por que considera que a educação alimentar precisa começar mais cedo, antes que os maus hábitos se cristalizem. E também porque um dos principais pilares da Academia popular é o de promover a saúde.