Especialistas na França explicam como abordar a sexualidade com crianças e adolescentes
04 June 2024

Especialistas na França explicam como abordar a sexualidade com crianças e adolescentes

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O Ministério da Educação francês publicou em março deste ano um projeto de educação à vida afetiva e sexual. O programa poderá ser implantado de forma gradual nas escolas francesas, da pré-escola ao ensino médio, a partir de setembro de 2024, que marca o início do ano letivo no país.

 

A representante do Ministério da Educação francês, Caroline Moreau-Fauvarque, integra o grupo de elaboração do novo projeto. O objetivo do documento de 60 páginas, que ela e sua equipe concluíram em março, é fornecer aos alunos informações científicas sobre a reprodução e a sexualidade humana, ajudá-los a construir a própria personalidade, com relações baseadas no respeito mútuo, e dar um panorama sobre os aspectos sociais e legais envolvendo a sexualidade.

Com a oficialização desse programa, diz, será mais menos trabalhoso para os professores colocarem em prática suas aulas, já que tema será abordado de maneira multidisciplinar. 

Na prática, a educação sexual é obrigatória na França. Mas, em muitos estabelecimentos as três aulas anuais previstas no currículo por lei (artigo L312-16), desde 2001, da Educação Infantil ao Ensino Médio, acabam sendo deixadas de lado. 

“Propomos, por exemplo, que a comunidade educativa, antes do início do ano letivo, organize e planeje essas sessões para conseguir abordar o conjunto desses objetivos nas aulas de educação à sexualidade”. Mas, antes de ser colocado em prática, o projeto deverá passar por uma fase de consulta, ressalta.

Acesso a conteúdo pornô explode entre menores

Dados divulgados pela Arcom, autoridade francesa que regula a comunicação audiovisual e digital, mostram que mais de 2,3 milhões de crianças consultam sites pornográficos pelo menos uma vez por mês.

Segundo a especialista em saúde sexual francesa Charline Vermont, autora do livro “Corps, amour, sexualité” ("Corpo, amor e Sexualidade", em tradução livre), esse assunto é dificilmente compartilhado entre pais e filhos.

Seu livro, destinado ao público infantil e adolescente, foi escrito sob a supervisão de psicólogos e pedopsiquiatras, visa promover essa transmissão familiar. De acordo com Charline, os adultos de hoje, de maneira geral, são herdeiros da “geração do silêncio”, ainda que alguns países sejam mais avançados na questão do que outros.

“O Canadá e os países nórdicos, além dos países anglo-saxões, são um pouco mais avançados do que nós, que ainda seguimos uma tradição latina”, compara.

Ginecologista "influencer"

A ginecologista francesa Judith Abric virou influencer no Instagram com a conta "Dr Juju", que tem mais de 65 mil fãs. Em seus posts, ela busca ajudar crianças e adolescentes a respeitar o próprio corpo e entender a noção do consentimento e da sexualidade solitária e compartilhada.

“Na escola de Medicina, e eu espero que isso mude, aprendemos muitos conceitos científicos, mas não aprendemos a falar sobre esses assuntos com crianças ou adultos no fim", diz.

"É surpreendente como as pessoas não conhecem o próprio corpo, independentemente do gênero. Sem conhecer o próprio corpo, não é possível ter uma sexualidade compartilhada e satisfatória, porque essa é a base. Não somos nós, os ginecologistas, que vamos ensinar isso. Deve começar muito antes", ressalta.

Para ela, os meninos devem ser aliados das mulheres. "É importante termos parceiros no futuro que não repitam mais frases do tipo: “ela está irritada, deve estar menstruada." Ninguém mais suporta ouvir isso", diz. "Meu livro aborda essas questões. Se minha colega de classe está menstruada, por exemplo, o que eu posso fazer? Carregar a mochila dela, por exemplo. Às vezes ela pode sentir dores que irradiam até as costas”, diz.

Protegendo as crianças

O aprendizado da sexualidade também protege as crianças mais jovens contra os predadores sexuais. Sem falar obviamente de sexo propriamente dito, os pais devem ensiná-las a reconhecer suas partes íntimas e lembrar que ninguém tem o direito de tocá-las. Se isso acontece, é preciso contar imediatamente para um adulto, lembra a ginecologista.

“O medo dos adultos é que a criança seja vítima de uma agressão. Se ela sabe que ninguém pode tocar em seu corpo, ele será capaz de se defender ou de falar a respeito”, defende. As perguntas das crianças sobre esse assunto, diz, não podem ficar sem resposta", conclui a especialista.