A França celebra nesta quinta-feira (23) a Jornada Mundial da Solidão. Segundo dados publicados em 2022 pelo instituto de pesquisa Ifop, 19% dos franceses se sentem sozinhos. O fenômeno atinge todas as faixas etárias e categorias sociais, mas a preocupação é ainda maior em relação aos mais idosos.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
De acordo com um estudo do Insee (Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos da França), publicado em 2021, cerca de um milhão e meio de franceses com mais de 75 anos sofrem de isolamento social severo ou moderado. Este número corresponde a 12% da população nessa faixa etária.
O avanço da idade leva à diminuição dos vínculos sociais, principalmente após a aposentadoria. Com o tempo, o círculo de amigos também tende a ficar mais restrito e a família nem sempre está por perto. Além disso, os problemas de saúde são mais comuns e podem afetar a autonomia em graus diferentes.
Como prevenir a solidão que de uma forma ou outra caracteriza a terceira idade? Nos últimos anos, o governo francês e a iniciativa privada vêm se mobilizando para propor soluções subsidiadas que visam melhorar a saúde emocional dos idosos.
Um exemplo é o “Anjos da Guarda", projeto gerenciado pelo psicogeriatra francês François Santo. O serviço é proposto pela empresa francesa de teleassistência Tunstall Vitaris, gigante do setor no país.
A equipe do psicólogo é responsável pela gestão de cerca de 2,5 milhões telefonemas por ano. O objetivo diz, é "levar conforto aos idosos" e ajudá-los a lidar com a solidão e as emoções negativas que decorrem do isolamento.
“Como podemos prevenir a solidão? Na minha opinião, a solidão vivida pelos idosos não é uma questão apenas de envelhecimento, mas também de juventude. É preciso aprender a envelhecer e isso começa cedo: cuidando de si mesmo, aprendendo a viver com suas neuroses e trabalhando suas próprias questões de dependência afetiva”, resume.
De acordo com ele, é importante "aceitar sua própria vulnerabilidade" para, na terceira idade, “lidar mais facilmente com as perdas”. Esse preparo deve ser feito com antecedência, frisa o especialista francês, citando uma frase do general francês Charles de Gaulle.
“De Gaulle dizia: o envelhecimento é um naufrágio. Com frequência associamos o envelhecimento a essa noção, mas isso não é verdade, na minha opinião. Há, de fato, situações envolvendo pessoas idosas que são muito tristes, mas na maior parte do tempo, isso não é uma fatalidade", defende.
"A velhice é algo que se prepara. Envelhecer é bonito, amadurecer também, e aceitar sua própria vulnerabilidade faz parte. Muitas pessoas vivem bem o envelhecimento e a questão da solidão”.
Para o psicólogo francês, “a problemática do envelhecimento envolve uma sucessão de perdas. Aos 40 anos, se você perde um trabalho, pode achar outro. Mas se você está aposentado e não tem mais vida profissional, isso é uma verdadeira perda. Quando você está casado há décadas e de repente se torna viúvo ou viúva, isso também é uma perda irremediável”.
Superando limitaçõesEssa “sucessão de perdas”, diz o psicólogo francês, afeta a autoestima. Os telefonemas da equipe, uma vez por semana, buscam então "levar um pouco de conforto" para os idosos que se sentem isolados. O objetivo é criar um vínculo social e antecipar possíveis problemas, como a perda total de autonomia.
Ele lembra que os atendentes do "Anjos da Guarda" são formados para antecipar situações de risco. Há idosos, por exemplo, que desenvolveram problemas cognitivos, como o Mal de Alzheimer, mas ainda continuam sozinhos em casa. Eles correspondem a 40% dos telefonemas tratados pela equipe.
Essa situação pode durar vários anos até a obtenção de uma vaga nos chamados Epahds, os centros para idosos franceses, que podem ser públicos ou privados.
A escolha de manter os mais velhos em casa ou não também dependerá das famílias e do custo envolvido. A mensalidade dos centros custa em média € 2000, o equivalente a cerca de R$ 12.500, mas esse valor pode ser bem mais alto. A qualidade do atendimento também é questionada em vários deles e muitos centros já foram até mesmo alvo de denúncias de maus-tratos.
Inteligência ArtificialHoje as empresas de teleassistência francesas utilizam vários dispositivos tecnológicos para monitorar riscos, como uma eventual queda, por exemplo. Para tratar o problema sem intervenção humana direta, a assistência inclui detectores de movimento inteligentes.
“A inteligência artificial vai se conectar a um serviço de emergência, que ficará à disposição de pessoas com problemas cognitivos, por exemplo”, explica o especialista francês. Esta é uma alternativa a mais para remediar, na prática, o isolamento, diz o psicólogo. “Mas a dimensão humana é importante e nunca poderá ser substituída”.