Crianças superdotadas também podem ter dificuldades de aprendizado, dizem especialistas

Crianças superdotadas também podem ter dificuldades de aprendizado, dizem especialistas

RFI Brasil
00:08:25
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Quantos mitos você já ouviu sobre as crianças superdotadas? A imagem do bom aluno, que tira 10 em tudo, ou que tem um talento extraordinário em algumas áreas, é apenas um dos muitos clichês que cercam as chamadas pessoas com altas habilidades ou inteligência considerada superior – ou seja, acima de cerca de 98% da população mundial.

Na vida real, a situação é bem diferente. Os superdotados que passaram por testes elaborados e validados cientificamente, de fato se destacam pelas suas capacidades cognitivas excepcionais. Uma delas é a memória de trabalho, que permite o armazenamento temporário de informações a curto prazo.

Mas essa diferença também pode, em alguns casos, ser acompanhada de outras patologias, como o Distúrbio do Déficit de Atenção, por exemplo, com ou sem hiperatividade, além de outros problemas. Essa combinação "explosiva" pode gerar diversas dificuldades, inclusive na escola.

Este é o caso do francês Gelis, 12 anos, que apesar das suas capacidades intelectuais brilhantes, também sofre de dislexia e de um distúrbio neurovisual - um desequilíbrio na capacidade de adaptação à luz pelo cérebro que pode provocar distorções na hora de ler um texto, por exemplo. Ele conta que, aos seis anos, consultou uma psicóloga porque “não conseguia ficar parado na carteira." 

Diante das queixas dos professores, que reclamavam da falta de concentração de Gelis e do fato que ele “nunca terminava o que começava”, os pais chegaram à conclusão de que era necessária uma avaliação médica. Ele então fez um teste de inteligência e a família do garoto descobriu que Gelis, na verdade, tinha altas habilidades, termo que na França é traduzido literalmente como “alto potencial intelectual”.

“É uma inteligência diferente da dos outros e não pensamos da mesma maneira que todo mundo. Não sabia o que isso queria dizer e achava simplesmente que eu é que não era normal”, diz o adolescente. Ele tem consciência da sua facilidade de aprendizado, mas isso nunca foi exatamente uma vantagem na escola, onde os dias pareciam longos demais. “A gente aprende devagar e repete sempre a mesma coisa”, reclama.

Na quinta série do Ensino Fundamental, Gelis começou a ter sintomas depressivos e começou a se recusar a ir para a escola. Até mesmo a Matemática, que até então era sua matéria preferida, não despertava mais seu interesse. A fobia escolar levou o menino a abandonar os estudos e ele e sua família agora estão em busca de outras soluções.

Cérebro diferente

A neurobiologista francesa Béatrice Millêtre é autora do livro “A criança precoce no dia a dia: conselhos para simplificar a vida na escola e no cotidiano”, em tradução livre. Ela lembra que, em geral, a superdotação não está necessariamente associada a outras patologias. Pelo contrário: a maioria dos estudos científicos mostra que os distúrbios mentais são mais comuns na população que tem uma capacidade cognitiva normal.

“As pessoas com altas capacidades cognitivas integram aquilo que hoje qualificamos de neurodiversidade. Ou seja, eles utilizam um raciocínio diferente para chegar ao mesmo resultado, utilizando um outro caminho”, explica.

Segundo a especialista, uma característica comum a praticamente todos os superdotados é a memória privilegiada. “Sabemos que, em média, uma criança precisa de oito a dez repetições para memorizar um conceito – esse é um exemplo que utilizo com frequência porque ele ilustra bem a situação. Já uma criança superdotada, quando ela ouve, e se a questão interessa, uma ou duas repetições são suficientes”, exemplifica.

Essa comparação demonstra como pode ser difícil para uma criança com capacidades cognitivas brilhantes se adequar ao ritmo da escola. Mas, para a neurobiologista, o segredo para facilitar a adaptação está em “usar” a empatia acima da média, que é comum a esse perfil. 

Explicar, por exemplo, que, para que todos os alunos possam entender o que foi dito, são necessárias muitas repetições sobre um mesmo conteúdo. Esse é um argumento que pode bastar para que os jovens superinteligentes aceitem o "tédio" da situação com mais facilidade.

Para o pedopsiquiatra francês Olivier Revol, especialista no tratamento dos Distúrbios de Déficit de Atenção e em superdotação, é importante explicar a essas crianças que elas não são melhores ou piores do que ninguém, apenas diferentes.

“É uma criança que tem certas habilidades, que muitas vezes não são homogêneas, com pontos fortes e fracos. Vamos poder ajudá-la, se houver dificuldades, corrigindo um problema de atenção ou de coordenação motora. É comum um superdotado ter problemas para escrever, por exemplo. Nosso objetivo é então fazer com que suas competências sejam mais homogêneas”, explica o especialista.

A inteligência é genética, acrescenta Béatrice Millêtre, mas a expressão desse gene, lembra, também dependerá, em parte do meio-ambiente. Uma criança com uma inteligência normal que é estimulada pode ter resultados até melhores do que um superdotado.

“Sabemos, de maneira simplista, que o gene da inteligência será inibido em torno de 60% por aquilo que acontece no meio ambiente. Isso significa que uma criança superdotada que cresce num meio onde essa especificidade não é levada em conta, não vai brilhar, não parecerá tão inteligente assim. Ele precisa de um meio favorável para que esse gene possa se expressar”, conclui.