Cogumelos "mágicos" podem tratar alcoolismo e reduzir consumo pela metade, revela estudo francês
18 June 2024

Cogumelos "mágicos" podem tratar alcoolismo e reduzir consumo pela metade, revela estudo francês

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Uma pesquisa feita pela equipe do neurocientista francês Mickael Naassila, presidente da Sociedade Francesa de Estudos sobre o Alcoolismo e professor da Universidade da Picardia, no norte da França, mostrou que o uso de cogumelos que contêm a psilocibina, uma substância alucinógena, pode tratar o alcoolismo.

Taíssa Stivanin, da RFI

Os resultados do estudo, feito com camundongos, foram publicados no mês passado na revista científica britânica Brain. O neurocientista francês e sua equipe observaram que a molécula inibe um dos receptores cerebrais envolvidos no alcoolismo. A descoberta, que agora deverá ser testada em humanos, poderá viabilizar rapidamente novos tratamentos, disse Mickael Naassila em entrevista à RFI Brasil. 

Nosso cérebro tem dois hemisférios e, na base de cada um deles, existe uma estrutura chamada núcleo accumbens - um conjunto de neurônios que têm um papel central no chamado circuito da recompensa. 

Esse sistema é ativado quando sentimos prazer, liberando a dopamina, um neurotransmissor que emite e recebe sinais das células nervosas. Elas se comunicam através de reações químicas complexas. No caso do abuso de drogas, como o álcool, o circuito da recompensa é ativado com frequência, o que leva à busca incessante pelo produto. 

“Na dependência química do humano ao álcool, à maconha ou à cocaína, sabemos que há uma diminuição de um receptor da dopamina chamado D2. Isso também é observado nos animais. Quando usamos a psilocibina em um tratamento, restauramos a atividade, ou o nível de expressão, do receptor D2 da dopamina”, explica o neurocientista. 

Outros estudos já haviam mostrado como a substância pode ajudar a evitar as recaídas. Durante a pesquisa, o cientista francês e sua equipe também constataram que o cogumelo agia de maneira diferente nos dois hemisférios cerebrais. O neurocientista então descobriu que se a psilocibina fosse injetada diretamente no núcleo accumbens do lado esquerdo, o consumo de álcool diminuiria pela metade, o que não ocorria do lado direito. 

Essa “lateralização” do efeito do cogumelo no cérebro pegou os cientistas de surpresa. “Testamos a psilocibina alucinógena em camundongos que não eram alcóolatras. A conclusão é que o consumo do alucinógeno, mesmo por alguém que não é dependente do álcool, vai provocar modificações no funcionamento cerebral e alterar a expressão nos genes no cérebro. E notamos diferenças à esquerda ou à direita.”

Testes com humanos

As próximas etapas agora serão analisar a ação da substância em testes clínicos com humanos e realizar uma cartografia da ação da psilocibina no lado esquerdo do cérebro, utilizando  técnicas de imagem cerebral, como a ressonância magnética.

O objetivo é propor novos tratamentos contra o alcoolismo, que ainda geram cerca de três milhões de mortes por ano no mundo, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde.

Segundo o neurocientista, a psilocibina e o LSD, as duas moléculas mais estudadas no contexto da dependência química, recriam uma série de novas conexões entre diferentes estruturas cerebrais, atuando na sua plasticidade ao modificar estados de consciência. Estudos mostram que, por essa razão, as moléculas poderiam ser aliadas pontuais no tratamento contras as dependências químicas, associadas a uma psicoterapia.

“Temos efeitos positivos a longo prazo. Entre nove e doze meses depois do início do tratamento constatamos uma diminuição do consumo de álcool, depois dessas sessões que incluíram a psilocibina e o LSD. Isso é mágico!”, ressalta Naassila.

No entanto, a obtenção das autorizações para o uso científico das moléculas pode levar tempo, antes do início dos testes clínicos com humanos. “Para esses testes precisamos de moléculas certificadas, que possam ser administradas nos humanos. Essas moléculas custam caro.”

Ele lembra que a sensibilidade aos efeitos da substância também pode influenciar o tratamento – os fatores individuais serão determinantes para sua eficácia. Hoje, de acordo com o neurocientista francês, a dependência química é tratada em função da sua gravidade, que é variável. Existem fatores genéticos e ambientais que podem desencadeá-la e influenciar a resposta aos tratamentos e às recaídas.