Câncer: técnicas inéditas de diagnóstico e tratamento inauguram nova era na luta contra a doença
RFI Brasil
00:06:19
LinkPodcast
Saúde
About this episode
A RFI conversou com o pesquisador francês Fabrice André, diretor de pesquisa do Instituto Gustave Roussy, em Villejuif, perto de Paris, um dos maiores centros de combate ao câncer do mundo. Ele é considerado um dos cientistas da área mais influentes do planeta, e um dos mais citados em artigos científicos.
Taíssa Stivanin, da RFI
O Instituto francês Gustave Roussy ocupa praticamente um quarteirão inteiro em Villejuif, cidade situada nos arredores da capital francesa. No local são atendidos, todos os anos, cerca de 46 mil pacientes que sofrem de câncer. O maior centro de luta contra a doença da Europa, e um dos maiores do mundo, é a esperança para muitos doentes: cerca de 22% deles participam de testes clínicos e recebem tratamentos inovadores.
Na primeira parte da entrevista à RFI, Fabrice André fez um resumo dos assuntos em destaque, neste ano, no congresso da ESMO (European Society for Medical Oncology), a Sociedade Europeia de Oncologia Médica, que apresenta os últimos avanços na luta contra a doença. O pesquisador presidirá a entidade entre 2025 e 2026 e, segundo ele, a prevenção e a detecção precoce do câncer continuam sendo a prioridade do grupo de especialistas.
“Neste contexto, temos algumas informações muito importantes. Uma delas é que a poluição aumenta o risco do câncer. Não somente do pulmão, mas também do intestino ou da laringe, e outros diferentes tipos de tumores”, alerta. Em estudos apresentados no congresso, os cientistas descreveram o mecanismo que induz uma inflamação e a aparição de alguns cânceres, e o papel da poluição no processo. “Isso significa que, em um dado momento, será necessário regular a poluição. O fato de identificar o mecanismo também nos ajudará a criar medicamentos para prevenir o câncer em áreas muito poluídas”, ressalta.
Diagnóstico precoce
O surgimento de testes diagnósticos que detectam as células cancerosas no DNA do sangue também é um grande avanço apresentado no encontro e permitirá, diz o cientista francês, a detecção cada vez mais precoce da doença. Nos últimos anos, surgiram várias técnicas, que vêm sendo cada vez mais aperfeiçoadas.
“O teste, já disponível nos Estados Unidos, consiste em detectar no plasma do sangue traços de câncer, mesmo em estágios precoces: quando ainda são localizados e sem metástase. Há diferentes tipos de testes que estarão disponíveis dentro de cinco anos", explica. Cerca de 30% dos cânceres são, assim, diagnosticados no início – uma taxa que parece baixa, mas que já é um grande avanço, diz o cientista francês.
Outro tema primordial para os cientistas que estudam o câncer é o aperfeiçoamento das terapias que permitirão melhorar o prognóstico do paciente e diminuir a taxa de mortalidade. Vários estudos sobre o assunto foram publicados neste ano e um deles comprova a eficácia da imunoterapia.
A técnica, lembra o pesquisador francês, consiste em extrair os glóbulos brancos que estão dentro do tumor do paciente, modificá-los, e injetá-los novamente no organismo para combater o tumor. Ela já é adotada em vários tratamentos, mas está sendo aprimorada e nos próximos anos deve aumentar ainda mais a taxa de a sobrevida dos pacientes.
Novos medicamentos
Entre as novas descobertas, também se destacam alguns medicamentos, como os anti-KRAS, um gene que sofre mutação em aproximadamente 90% dos cânceres do pâncreas e 30% dos cânceres do cólon e do pulmão. “Até agora, ainda não tínhamos conseguido criar remédios contra essa proteína, era muito difícil. Só agora estamos lançando a primeira geração de medicamentos desse tipo”, comemora o pesquisador.
Ainda que os resultados das descobertas mais recentes possam ser considerados “modestos”, Fabrice André lembra que o mais importante, em cancerologia, é “dar o primeiro passo” e encontrar alternativas melhores às existentes. A tendência é que os tratamentos sejam cada vez mais individualizados.
A pesquisa na área também investe em técnicas que melhorem a taxa de cura dos pacientes, reduzindo os tratamentos e os recursos financeiros envolvidos. Como exemplo, o pesquisador cita um medicamento administrado durante dois meses em pacientes com uma anomalia específica do câncer do cólon – 67% deles tiveram uma remissão completa antes da cirurgia.
“Isso abre portas para o surgimento de tratamentos extremamente curtos e seletivos e tem um impacto importante: quando sabemos que um dos maiores problemas, em cancerologia, é que os pacientes recebem tratamento em excesso e isso mobiliza muitos recursos durante todo o processo”, explica.
Redução de custos
Por isso, reduzir o custo e a duração dos tratamentos contra o câncer é um dos principais objetivos da pesquisa, o que diminuiria as desigualdades de acesso aos tratamentos. Em países mais pobres, os pacientes têm maior dificuldade em dar continuidade aos cuidados por diversas razões: falta de acompanhamento e de estrutura adequada nos estabelecimentos, muitas vezes situados apenas em grandes centros e precariedade financeira.
Outra meta dos pesquisadores é diminuir as sequelas e proporcionar melhor qualidade de vida. Pouco a pouco, os desafios estão sendo vencidos e a expectativa, diz o cientista francês, é que dentro de alguns anos, cada vez mais cânceres possam ser definitivamente curados.