Mães falam sobre desafio da prematuridade após UTI; pediatra lembra cuidados essenciais
A prematuridade é uma das maiores causas de mortalidade infantil no Brasil e atinge famílias em todo o mundo. Quando ela é extrema, requer cuidados e gera desafios que demandam a dedicação constante dos pais. Bebês que nascem antes do tempo exigem cuidados essenciais para o seu desenvolvimento futuro, lembra o pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Taíssa Stivanin, da RFI em Paris
Há 12 anos, a vida da jornalista brasileira Fabiana Bacchini, que vive em Toronto, no Canadá, e já era mãe de um menino, tomou um rumo inesperado. Grávida de gêmeos após uma fertilização in vitro, ela descobriu que um dos bebês tinha um problema cardíaco.
Michael não sobreviveu e o parto de Fabiana acabou ocorrendo na 26ª semana de gestação. A outra criança, Gabriel, hoje com 12 anos, nasceu com 900 gramas e foi internada na UTI - o peso considerado normal de um recém-nascido que nasce de nove meses é entre 2,5 e 4 quilos.
“Foi uma jornada de 146 dias de UTI neonatal. O Gabriel ficou com ventilação mecânica por sete semanas”, conta. No período em que esteve internado, o bebê teve várias complicações, mas Fabiana manteve o otimismo. “Eu tinha colocado na minha cabeça que, deixando a UTI, minha vida voltaria ao normal. Meu objetivo era tirar o Gabi dali.”
Fabiana teve a oportunidade de participar de um estudo científico no hospital, onde tinha aulas diárias sobre a prematuridade. Ela e o pai também se envolveram ativamente nos cuidados com o filho, e participavam até mesmo das decisões tomadas pela equipe médica.
Quando Gabriel teve alta, Fabiana soube que o filho teria que usar o oxigênio em casa. “Eu chorei muito, não queria levar o oxigênio para casa, só queria que nossa vida voltasse ao normal. A médica olhou para mim e disse: esse vai ser o seu novo normal”, lembra, emocionada.
Alguns meses depois, o menino foi diagnosticado com paralisia cerebral e o mundo de Fabiana caiu. “Fui em médicos no Brasil, fui para os EUA, vi todos os especialistas no Canadá, procurei células-tronco na Tailândia”, descreve.
“Mas aí tem um dia que você para e diz: não tem nada errado com meu filho, não tenho que tentar consertá-lo. Tenho que tentar dar uma qualidade de vida boa para ele. Isso mudou a maneira como eu passei a enxergar a situação, e como eu criaria um filho com deficiência”.
Envolvendo as famílias nos cuidados com o bebê
Gabriel é tetraplégico e, para Fabiana, adaptar-se à nova situação exigiu aprendizado, dedicação e resiliência. Mas as dificuldades enfrentadas nos primeiros anos de vida do filho deram a ela força para se dedicar ao trabalho que hoje ajuda prematuros e suas famílias em todo o mundo.
A brasileira é diretora da Canadian Premature Babies Foundation (Fundação canadense de bebês prematuros), uma organização que dissemina, através de uma rede de cooperação internacional, ações para sensibilizar sobre o cuidado neonatal. O objetivo é promover um maior envolvimento dos pais e da família com o recém-nascido, desde o nascimento.
“Os estudos mostram que, desta maneira, os bebês vivenciam melhor a prematuridade. Vão para casa mais rápido, têm mais sucesso na amamentação, possibilidade menor de ter retinopatia da prematuridade. Há também vários benefícios para os pais: menos estresse, menos ansiedade. A saúde mental deles é melhor quando estão envolvidos nos cuidados com o bebê”.
Guerreiro de Marte
Martin, o primeiro filho da carioca Tatiana Marques, hoje tem 7 anos e pesava apenas um quilo quando nasceu. O parto aconteceu após uma gestação de 28 semanas.
“Martin significa guerreiro de Marte. Ele veio honrando esse nome desde que nasceu”, conta Tatiana. “Ficamos três meses com ele na UTI. Era para o Martin ter nascido no final de dezembro, mas ele veio ao mundo dia 2 de outubro. Ele só tinha um quilo, e com a perda inicial caiu para 900 gramas”, lembra.
“O Martin não teve uma intercorrência grave durante a internação, mas por pouco não teve que passar por uma cirurgia do coração. Também demorou muito tempo para conseguir desmamar do oxigênio e respirar sozinho. Ficamos muito preocupados, após dois meses e meio de UTI ele ainda estava na ventilação mecânica. Quando você está com alguém no hospital, sua vida congela. Ainda mais no caso de um filho. A expectativa é ter alta, sair do hospital e ir para a casa viver esse desafio.”
O suporte da equipe médica foi essencial. Desde o início, Tatiana foi estimulada a utilizar o método Canguru, que consiste, basicamente, em manter o bebê em contato pele a pele, na posição vertical, próximo do peito dos pais. Tatiana teve receio no início e o pai de Martin, Gilson, tomou a iniciativa. Depois dessa primeira experiência, o bebê ganhou quatro vezes mais peso do que o habitual e isso bastou para tranquilizá-la.
“O maior aprendizado que eu tive nesse período de UTI, que eu trouxe para casa comigo, é o que as enfermeiras sempre falavam para mim: aprende a ver o seu filho. Esquece a máquina”, conta Tatiana que ficava apavorada com os “bips” constantes dos equipamentos da unidade de terapia intensiva. Com o tempo, ela passou a identificar com mais facilidade o que era preocupante ou não.
“Às vezes são sutilezas percebidas pelo pai e a mãe, que ficam ali o dia inteiro e estão percebendo algo que às vezes a equipe médica só vai se dar conta depois”, diz. Tatiana também aprendeu a conversar com o bebê e demonstrar suas emoções. Ela não podia dormir no hospital no período em que ele esteve hospitalizado, apenas visitá-lo diariamente. Martin foi para casa após três meses de internação, mas também não podia receber visitas, por conta da baixa imunidade e do risco de exposição aos vírus e bactérias.
A vida da família foi aos poucos voltando ao normal, mas hoje, aos sete anos, Martin ainda enfrenta os desafios do desenvolvimento. Um deles é a imunidade – os bebês prematuros, quando nascem, ainda não desenvolveram totalmente o sistema imunológico e podem ter mais complicações quando ficam doentes – o corpo não combate os vírus e bactérias com a mesma eficácia.
“A imunidade dele é muito diferente de uma criança que nasceu a termo. Eles não adquirem os anticorpos da mãe nesse terceiro trimestre”, explica Tatiana. Esta ainda é uma preocupação constante para mãe, que também descobriu que o filho tem TDHA (Transtorno do Déficit de Atenção). Estudos mostram que o distúrbio é mais comum em crianças prematuras.
Como Fabiana, Tatiana também ajuda outras mães e é voluntária na ONG Prematuridade. “A ideia é disseminar a informação e ajudar as famílias a entender a responsabilidade que eles têm nesse processo”, explica, acrescentando que ajudar as outras mães a superar essa situação "é a melhor terapia".
Cuidados essenciais
Segundo Renato Kfouri, pediatra infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, a prematuridade é uma das principais causas de mortalidade infantil no Brasil. Cerca de uma em cada dez mulheres no país dão à luz antes de 37 semanas de gestação, o equivalente a cerca de 300 mil bebês prematuros por ano.
“Quanto mais prematuros, maiores são os riscos em todos os sentidos. Riscos de complicação no berçário, internações prolongadas, infecções, risco de doenças infecciosas, de alterações no sistema nervoso e de sequelas de longo prazo no desenvolvimento”, explicou o pediatra à RFI.
As infecções repetitivas, que marcaram a história de Tatiana e Martin, são uma das maiores preocupações dos médicos, diz o especialista.
“Os bebês prematuros nascem antes do tempo e recebem poucos anticorpos da mãe, que transfere durante a gestação, através da placenta, proteção contra todas as doenças que ela teve na vida. Todas as vezes que a mãe se expôs a microrganismos, produziu anticorpos, e esses anticorpos atravessam a barreira placentária. Eles servem para proteger os bebês nos primeiros meses de vida, até que recebam suas vacinas", explica.
No caso dos prematuros, essa transferência dos anticorpos ocorre principalmente no último trimestre da gravidez. Soma-se a isso, diz o pediatra, a imaturidade do sistema imunológico, a dificuldade na amamentação, a exposição ao risco hospitalar e a subnutrição.
As vacinas são essenciais para as crianças prematuras e protegem contra várias doenças, incluindo as respiratórias. “As vias aéreas são de calibre muito pequeno, então qualquer secreção pode gerar uma obstrução ou uma dificuldade respiratória muito grande. Quanto menor o bebê, menor são essas vias aéreas e maior é esse risco”, compara. “Gripe, Covid ou bronquiolite são doenças que afetam esses bebês e são as principais causas de internações."
Segundo o pediatra, a bronquiolite provoca sequelas duradouras nas crianças prematuras, como reações exacerbadas a um resfriado, por exemplo, maior fragilidade à mudança de temperatura ou ao desenvolvimento de alergias.
O pediatra lembra que existem várias vacinas disponíveis, incluindo contra pneumonia, coqueluche, gripe ou Covid-19. Mas, um dos grandes vilões dos pulmões de bebês prematuros é o VSR, o vírus sincicial respiratório. "Ele é o principal causador de doenças respiratórias no bebê no primeiro ano de vida, e pode causar a bronquiolite e a pneumonia”.
Até pouco tempo, a imunização contra o VSR era feita com doses mensais de um anticorpo monoclonal, dado apenas para crianças nascidas com menos de 28 semanas ou com doenças crônicas no pulmão ou coração. A novidade agora é que esse anticorpo, nirsevimab, pode ser administrado em uma única dose, ao nascer, e protege a criança, prematura - ou não- durante toda a estação do VSR, no outono e no inverno.
Muitas imunizações só podem ser aplicadas ou completadas a partir dos seis meses, e por isso o pediatra recomenda a vacinação da mãe, durante a gestação, e das pessoas que convivem com o bebê. “Para todos nós, estarmos sempre vacinados é uma vantagem, mas para aqueles que convivem com os prematuros, a vantagem é dobrada”, ressalta.