Saúde em dia
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Entrevistas e reportagens com especialistas sobre as novas pesquisas e descobertas na área da saúde, controle de epidemias e políticas sanitárias.
Epidemia de solidão: idosos franceses sofrem com isolamento social
21 January 2025
Epidemia de solidão: idosos franceses sofrem com isolamento social

A França celebra nesta quinta-feira (23) a Jornada Mundial da Solidão. Segundo dados publicados em 2022 pelo instituto de pesquisa Ifop, 19% dos franceses se sentem sozinhos. O fenômeno atinge todas as faixas etárias e categorias sociais, mas a preocupação é ainda maior em relação aos mais idosos.

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

De acordo com um estudo do Insee (Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos da França), publicado em 2021, cerca de um milhão e meio de franceses com mais de 75 anos sofrem de isolamento social severo ou moderado. Este número corresponde a 12% da população nessa faixa etária. 

O avanço da idade leva à diminuição dos vínculos sociais, principalmente após a aposentadoria. Com o tempo, o círculo de amigos também tende a ficar mais restrito e a família nem sempre está por perto. Além disso, os problemas de saúde são mais comuns e podem afetar a autonomia em graus diferentes.

Como prevenir a solidão que de uma forma ou outra caracteriza a terceira idade? Nos últimos anos, o governo francês e a iniciativa privada vêm se mobilizando para propor soluções subsidiadas que visam melhorar a saúde emocional dos idosos.

Um exemplo é o “Anjos da Guarda", projeto gerenciado pelo psicogeriatra francês François Santo. O serviço é proposto pela empresa francesa de teleassistência Tunstall Vitaris, gigante do setor no país.

A equipe do psicólogo é responsável pela gestão de cerca de 2,5 milhões telefonemas por ano. O objetivo diz, é "levar conforto aos idosos" e ajudá-los a lidar com a solidão e as emoções negativas que decorrem do isolamento.

“Como podemos prevenir a solidão? Na minha opinião, a solidão vivida pelos idosos não é uma questão apenas de envelhecimento, mas também de juventude. É preciso aprender a envelhecer e isso começa cedo: cuidando de si mesmo, aprendendo a viver com suas neuroses e trabalhando suas próprias questões de dependência afetiva”, resume.

De acordo com ele, é importante "aceitar sua própria vulnerabilidade" para, na terceira idade, “lidar mais facilmente com as perdas”. Esse preparo deve ser feito com antecedência, frisa o especialista francês, citando uma frase do general francês Charles de Gaulle. 

“De Gaulle dizia: o envelhecimento é um naufrágio. Com frequência associamos o envelhecimento a essa noção, mas  isso não é verdade, na minha opinião. Há, de fato, situações envolvendo pessoas idosas que são muito tristes, mas na maior parte do tempo, isso não é uma fatalidade", defende.

"A velhice é algo que se prepara. Envelhecer é bonito, amadurecer também, e aceitar sua própria vulnerabilidade faz parte. Muitas pessoas vivem bem o envelhecimento e a questão da solidão”.  

Para o psicólogo francês, “a problemática do envelhecimento envolve uma sucessão de perdas. Aos 40 anos, se você perde um trabalho, pode achar outro. Mas se você está aposentado e não tem mais vida profissional, isso é uma verdadeira perda. Quando você está casado há décadas e de repente se torna viúvo ou viúva, isso também é uma perda irremediável”.

Superando limitações

Essa “sucessão de perdas”, diz o psicólogo francês, afeta a autoestima. Os telefonemas da equipe, uma vez por semana, buscam então "levar um pouco de conforto" para os idosos que se sentem isolados. O objetivo é criar um vínculo social e antecipar possíveis problemas, como a perda total de autonomia.

Ele lembra que os atendentes do "Anjos da Guarda" são formados para antecipar situações de risco. Há idosos, por exemplo, que desenvolveram problemas cognitivos, como o Mal de Alzheimer, mas ainda continuam sozinhos em casa. Eles correspondem a 40% dos telefonemas tratados pela equipe.

Essa situação pode durar vários anos até a obtenção de uma vaga nos chamados Epahds, os centros para idosos franceses, que podem ser públicos ou privados.  

A escolha de manter os mais velhos em casa ou não também dependerá das famílias e do custo envolvido. A mensalidade dos centros custa em média € 2000, o equivalente a cerca de R$ 12.500, mas esse valor pode ser bem mais alto. A qualidade do atendimento também é questionada em vários deles e muitos centros já foram até mesmo alvo de denúncias de maus-tratos. 

Inteligência Artificial

Hoje as empresas de teleassistência francesas utilizam vários dispositivos tecnológicos para monitorar riscos, como uma eventual queda, por exemplo. Para tratar o problema sem intervenção humana direta, a assistência inclui detectores de movimento inteligentes.

“A inteligência artificial vai se conectar a um serviço de emergência, que ficará à disposição de pessoas com problemas cognitivos, por exemplo”, explica o especialista francês. Esta é uma alternativa a mais para remediar, na prática, o isolamento, diz o psicólogo. “Mas a dimensão humana é importante e nunca poderá ser substituída”. 

Em vez de “diabolizar redes sociais”, pedopsiquiatra francesa defende diálogo e regulação
14 January 2025
Em vez de “diabolizar redes sociais”, pedopsiquiatra francesa defende diálogo e regulação

Vários países, entre eles a França, vêm adotando medidas para controlar o acesso às redes sociais e proteger crianças e adolescentes, que podem ser induzidos a práticas violentas e até mesmo ao suicídio. Em busca de mais audiência, as redes utilizam algoritmos que adaptam o conteúdo em função dos dados e interesses do usuário. Mas esse efeito, conhecido como "filtro bolha", induz falsas percepções e reforça as próprias crenças e opiniões, afetando a capacidade de questionamento. O algoritmo do TikTok é apontado como um dos mais nocivos, mas não é o único.

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

Em julho do ano passado, o governo francês promulgou uma lei que estipula a “maioridade digital” aos 15 anos, idade mínima autorizada para se inscrever nas redes. No Brasil e na França, celulares também estão sendo banidos das escolas. Neste contexto, como proteger crianças e adolescentes? Proibir o acesso adianta?  

A RFI conversou com a professora Catherine Jousselme, uma das maiores pedopsiquiatras francesas, autora de diversos livros e estudos sobre a questão e que, ao longo de sua carreira, dirigiu vários centros infanto-juvenis no país. Para ela, não existe uma só solução, mas preconizações que envolvem a escola, os pais, governos e os profissionais da saúde. 

“Vivemos em um mundo onde deveríamos tomar consciência do perigo de certas práticas, não só para a saúde, mas também para o psiquismo dos jovens. São necessários filtros que funcionem nas redes sociais e restrições em função da idade, o que não é o caso”, alerta. 

Segundo a psiquiatra francesa, novos dados publicados no ano passado mostram que cerca de 45% de adolescentes entre 11 e 12 anos utilizam TikTok com frequência. Há vários riscos envolvidos, observa Catherine Jousselme. Os distúrbios do sono, por exemplo, são algumas das consequências da exposição excessiva às telas, principalmente de noite.  

O uso do celular antes de dormir deixa o cérebro em alerta e aumenta a tentação do scrolling. Dormir pouco também aumenta a vontade de comer mais açúcar e desmotiva o adolescente a praticar uma atividade física, considerada como um dos elementos essenciais para o equilíbrio emocional.  

“Essas ferramentas causam dependência. Sabemos que nosso cérebro tem um circuito de tratamento da imagem que é bem mais rápido do que o circuito que gerencia a linguagem e a reflexão”, explica. Para gerar essa dependência, redes sociais como TikTok se baseiam em um sistema algorítmico próprio e tóxico, com uso inapropriado dos dados, ressalta. 

Essa ausência de filtros faz com que imagens de extrema violência estejam ao alcance dos jovens de maneira ininterrupta. Alguns vídeos trazem até mesmo o “passo a passo” de como se suicidar, exemplifica Catherine Jousselme, “o que é, obviamente, gravíssimo”.  

Infelizmente, em boa parte dos casos, os pais ignoram que esses vídeos estejam acessíveis e tenham sido consultados pelos filhos. Por curiosidade ou impulso, ou sugestão de amigos, os adolescentes muitas vezes não resistem a clicar em imagens, que geram, nas palavras da psiquiatra, “sideração psíquica”.  

Em adolescentes vulneráveis, haverá uma tendência a buscar conteúdos de extrema violência, que criem uma identificação com seus próprios traumatismos. Essa exposição frequente à crueldade sem limites compromete o desenvolvimento da empatia, explica a pedopsiquiatra, e desencadeia comportamentos violentos. 

Diálogo e regulação 

O consumo ininterrupto do conteúdo gerado pelas redes torna os jovens presas fáceis. Esse risco cresce na adolescência, um período marcado por transformações e incertezas. 

“Se você assiste a vídeos sem parar durante duas ou três horas, seu cérebro não ativará seu sistema de reflexão. Ele estará o tempo todo focado no imediatismo provocado pelos circuitos que gerenciam o tratamento da imagem, que se ativará de forma permanente, sem nenhum senso crítico”, afirma a especialista. 

“O jovem pode ser influenciado, se fechar, não conversar mais com seus pais sobre aquilo que está vendo. Eles então continuam assistindo conteúdos violentos, que vão aumentar seu mal-estar, sem filtro”, alerta. “Se por acaso, por azar, nesse momento a pessoa está passando por um momento difícil, como o divórcio dos pais, esses vídeos podem induzir alguns deles ao suicídio, sobretudo na adolescência”. 

Segundo a psiquiatra, a maneira como esses adolescentes vão reagir aos conteúdos violentos é diferente e varia em função de como a família alertou para os riscos, do controle parental e dos traumas vividos.

Manter o diálogo aberto e um bom relacionamento com os pais é fundamental para evitar situações trágicas, lembra a pesquisadora francesa, mas não é uma garantia, o que torna ainda mais necessária a regulação das plataformas. 

O que acontece no cérebro? 

Na adolescência, dois sistemas cerebrais se desenvolvem, mas de maneira assíncrona. Um deles é o límbico, que gerencia, entre outros aspectos, o apetite, o desejo e o prazer. Ele "amadurece" mais rápido do que o circuito ativado pelo córtex pré-frontal, responsável pela conexão com outras áreas do cérebro e pela planificação, o estabelecimento de metas, estratégias e tomada de decisões. 

Segundo a psiquiatra, como esses dois sistemas não se desenvolvem de maneira simultânea, o cérebro de todos os adolescentes está “naturalmente em desequilíbrio”, mesmo que não haja dificuldades particulares. 

“O adolescente quer tudo na hora, pensar menos e agir mais. Cabe aos pais lembrar que a reflexão é importante. Mas se eles dispõem de ferramentas, sem nenhum controle, que estimulam o inverso, se tornarão mais dependentes das telas do que os adultos” - e também mais propensos a atos violentos.

A superexposição às telas e a ativação frequente do circuito que gerencia as imagens traz consequências cerebrais concretas. Elas vão solicitar a parte mais rápida e intuitiva do cérebro e o mecanismo de consolidação das informações na memória a longo prazo ficará em segundo plano. 

Os circuitos usados na capacidade de aprendizagem, de julgamento e de crítica acabam, desta forma, sendo pouco mobilizados, simplesmente porque “tudo vai rápido demais”, diz a psiquiatra. O sistema intuitivo acaba prevalecendo. 

“O movimento do olho para o polegar em direção à tela do celular é tão rápido que o córtex pré-frontal, a estrutura que regula a atividade cerebral, acaba sendo mobilizada para outra função, que é a de tomar decisões o mais rápido possível”, explica. 

O consumo irrestrito e ilimitado de conteúdos violentos nas redes é apontado como uma das causas da explosão dos casos de depressão, ansiedade e outros distúrbios mentais entre os jovens de menos de 20 anos, lembra Catherine Jousselme. Mas ela e outros profissionais da saúde concordam que "diabolizar" as telas e as redes sociais e proibir totalmente o acesso não é a melhor solução. Pelo contrário.

“As telas não devem ser diabolizadas. Mas a exposição permanente, no início da adolescência, a conteúdos nas redes sociais que não são filtrados, e possibilitam o acesso a cenas traumáticas, que mesmo nós adultos não podemos suportar, não é aceitável”. Segundo ela, o único caminho possível é explicar para os adolescentes a importância das ferramentas digitais, lembrando de seus riscos e limites.  

Recomendações 

A pedopsiquiatra recomenda dar o primeiro celular, sem acesso a internet, por volta dos 11 anos. Aos 13 anos, a internet só deve ser utilizada em casa e acessada pelo wifi com controle parental. O primeiro contato com as redes sociais só deve acontecer, no mínimo, aos 15 anos, com acompanhamento. 

O diálogo e os limites de consumo devem ser mantidos e as eventuais tensões com o adolescente não devem desencorajar os pais. Além disso, os pais e os próprios jovens devem se informar mais sobre o funcionamento cerebral na adolescência.

"O cérebro entre 0 e 15 anos não é o mesmo. Se ele só ativar o sistema intuitivo, ficará mais difícil desenvolver outras funções necessárias ao planejamento e análise na idade adulta", reitera.

Por que remédios contra a dor não surtem o mesmo efeito em algumas pessoas?
24 December 2024
Por que remédios contra a dor não surtem o mesmo efeito em algumas pessoas?

Os opioides são analgésicos potentes, usados para tratar dores pontuais ou crônicas. A equipe do pesquisador francês Cyril Rivat, do Instituto de Neurociências, em Montpellier, no sul da França, busca entender por que moléculas como a morfina pioram a dor de certos pacientes ou não fazem efeito.

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

Os estudos do neurocientista francês são feitos em parceria com pesquisadores do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas) e a empresa Biodol Therapeutics. 

A startup, que tem um contrato de colaboração com a equipe francesa, visa criar um medicamento experimental contra esses efeitos adversos. Eles também estão presentes nas dores neuropáticas, que surgem após lesões nos nervos, medula ou cérebro. 

A expectativa é que o futuro remédio, ao bloquear um receptor cerebral chamado FLT3, possa controlar as reações indesejadas que decorrem do uso da morfina. Os testes clínicos da fase 1 com humanos devem começar em 2025 na França. 

"A Biodol Therapeutics obteve um financiamento em 2024 para lançar a primeira fase dos testes clínicos com humanos. A inclusão dos participantes começou em dezembro, com voluntários", explica o cientista francês.

De acordo com o especialista, "o primeiro objetivo é avaliar os possíveis efeitos tóxicos de um composto químico que terá como alvo o receptor FLT3". A primeira fase, diz Cyril Rivat, deve terminar em 2025. "Se tudo correr bem, vamos organizar a fase 2, que deverá analisar os efeitos da substância na dor neuropática crônica." 

Mecanismos

A resistência aos efeitos da morfina está relacionada a vários mecanismos neurobiológicos complexos, que ainda estão sendo identificados pela Ciência e estão relacionados ao receptor cerebral onde age a morfina. “Estamos avançando, mas ainda há questões em aberto”, diz o cientista. 

Diversos estudos mostram que a estimulação frequente do receptor FLT3 acaba diminuindo o efeito da morfina, que fica restrita à parte interna da membrana cerebral. Esse mecanismo altera sua função analgésica, que é eliminar a dor.

A morfina também pode, em alguns casos, provocar um aumento da sensação dolorosa, como demonstrou um estudo recente do pesquisador francês, publicado na revista Nature Communications

“Pode ser totalmente paradoxal, mas podemos explicar esse fenômeno do ponto de vista neurobiológico. Trata-se de um mecanismo de adaptação do organismo, que tenta se defender contra o uso dos opioides", detalha. 

O neurocientista francês lembra que nem todas as pessoas estão propensas a essas reações adversas.

"A morfina continua sendo uma das melhores moléculas que existem no tratamento contra a dor. Há usuários que se tornam dependentes químicos, como revela a crise dos opioides nos Estados Unidos, mas a molécula continua sendo uma referência e demonstra uma grande eficácia”. 

Dores neuropáticas

Em suas pesquisas sobre o tema, que tiveram início em 2018, o cientista francês descobriu, em testes celulares no laboratório e com animais, que esses dois efeitos após o uso da morfina – aumento da dor e resistência ao efeito analgésico - também eram observados nos pacientes com dores neuropáticas. 

O cientista também constatou que, ao bloquear o receptor FLT3, a morfina voltava a fazer efeito. Nos animais, o resultado foi ainda mais impressionante. “Conseguíamos bloquear a resistência, o aumento da dor e melhorávamos os efeitos analgésicos da morfina.” 

Os mecanismos do receptor FLT3 nas dores neuropáticas também são alvo de uma colaboração entre o pesquisador francês e o cientista brasileiro Thiago Cunha, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.   

"O professor Thiago Cunha também é um especialista das dores neuropáticas, mas estuda as interações que chamamos de neuro-imunes, entre o sistema nervoso e o sistema imunológico", explica. "O receptor FLT3 é ativado por um neuromediador produzido pelas células imunitárias. Estamos tentando entender melhor essa interação existente entre esse neuromediador e o receptor FLT3". 

 
Infectologista francês fala sobre prós e contras de antirretroviral semestral contra HIV
17 December 2024
Infectologista francês fala sobre prós e contras de antirretroviral semestral contra HIV

O HIV continua um desafio para a saúde pública. Em 2022, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 39 milhões de pessoas conviviam com o vírus em todo o mundo. Mais de dois terços dos pacientes estão na África.  

Embora nenhum medicamento seja ainda capaz de eliminar completamente o HIV do organismo, um novo tratamento inovador, o lenacapavir, baseado em duas injeções anuais, é considerado extremamente promissor. Mas o custo do medicamento - cerca de US$ 40.000 - ainda continua elevado e as indicações de uso são específicas. 

O Sulenca, nome comercial do antirretroviral, é um inibidor da função do capsídeo, a capa da proteína que envolve o vírus HIV-1. Ele atua nos estágios iniciais e finais do ciclo de replicação.  

Seu mecanismo de ação permite alcançar e bloquear vírus que se tornaram multirresistentes em pacientes soropositivos e por isso ele é indicado como tratamento complementar, ou seja, associado a outros comprimidos.

Nos estudos, o lenacapavir, encontrado nas formas oral e injetável, também demonstrou uma eficácia de quase 100% na prevenção contra a contaminação no caso de uma exposição ao HIV. 

O laboratório Gilead, que fabrica a molécula, assinou um acordo com seis fabricantes que permite a produção genérica do medicamento e o tornará acessível em 120 países.

O Brasil ficou de fora dessa lista e um grupo de organizações pediu no último dia 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids, medidas para acelerar o acesso. 

Fim da epidemia?

A OMS, o Fundo Global e o UNAIDS estabeleceram 2030 como meta para o fim da epidemia. O lenacapavir pode ajudar a atingir esse objetivo? Segundo o infectologista francês Jade Ghosn, ainda existem obstáculos para disseminar o uso da nova molécula. 

Ghosn é coordenador regional da luta contra o HIV e as Doenças Sexualmente Transmissíveis da região Île de France, onde está situada Paris. Segundo ele, a molécula tem duas principais vantagens.

"A primeira é que o lenacapavir vem de uma nova classe de medicamentos", explica. "A segunda é que ele foi formulado para ser injetado por via subcutânea, ou seja, da mesma forma que a insulina, heparina, ou os anticoagulantes, e é administrado a cada seis meses.”

Atualmente, os comprimidos para tratar o HIV devem ser tomados diariamente, o que exige disciplina – as pílulas não devem ser consumidas em jejum, por exemplo. No cotidiano, essa organização gera uma sobrecarga mental elevada. "O paciente também deve andar com a caixa de remédios na bolsa", lembra o infectologista, o que pode colocá-lo em situações constrangedoras, ou o "obriga", socialmente, a ter que expor seu problema de saúde, explica.

“Os remédios fazem o paciente lembrar diariamente que têm a doença, eles comentam. Em termos de carga mental, não ter que pensar nisso por seis meses é um verdadeiro alívio e uma melhoria real na qualidade de vida das pessoas”, explicou Ghosn.

Mas, apesar de todas as vantagens e de ser uma pista para avanços concretos na gestão cotidiana da doença, o lenacapavir custa caro e ainda é um tratamento complementar, reitera. Para controlar a carga viral, ou torná-la indetectável, o paciente soropositivo deve utilizar uma combinação de medicamentos, já que o vírus sofre mutações muito rapidamente. 

“Isso significa que, hoje, se você quiser utilizar o lenacapavir no tratamento, ele deverá estar necessariamente associado a outros comprimidos. O paciente então perde o benefício do tratamento injetável. Se no futuro as pesquisas identificarem uma molécula associada eficaz que também possa ser administrada a cada seis meses, aí teremos realmente o benefício de um tratamento 100% injetável”, analisa. 

Acesso gratuito

De acordo com o infectologista francês, a Agência Nacional de Pesquisa sobre Aids e Hepatites Virais está realizando uma série de estudos para avaliar como a nova droga poderá ser integrada aos sistemas de saúde dos diferentes países, incluindo a França. 

No país, desde 2013, todos os soropositivos têm acesso gratuito aos tratamentos, independentemente da carga viral. Mas, o grande desafio continua sendo o diagnóstico, já que muitas pessoas não sabem que foram contaminadas e continuam transmitindo o vírus. Cerca de 43% das infecções são descobertas em um estágio avançado. 

Para o infectologista francês, os pacientes ainda têm medo de descobrir que são soropositivos e serem estigmatizados, mesmo após mais de 40 anos da descoberta do vírus.  

Em sua opinião, há também menos informação do que deveria sobre as terapias que impedem a contaminação e controlam a evolução da doença. “O que é importante é que a mensagem e a comunicação em torno da infecção pelo HVI sejam mais positivas. Temos que explicar às pessoas que existem opções. Você é negativo? O importante é continuar negativo. Há ferramentas para evitar a contaminação", ressalta.

"Caso você seja positivo, hoje tratamos a infecção como uma doença crônica, como hipertensão, diabetes ou colesterol. Temos tratamentos que vão estabilizar a doença de forma permanente. A infecção nunca evoluirá para a AIDS e, principalmente, o vírus não será transmitido aos seus parceiros se você for tratado”, resume o infectologista francês.

Mães falam sobre desafio da prematuridade após UTI; pediatra lembra cuidados essenciais
10 December 2024
Mães falam sobre desafio da prematuridade após UTI; pediatra lembra cuidados essenciais

A prematuridade é uma das maiores causas de mortalidade infantil no Brasil e atinge famílias em todo o mundo. Quando ela é extrema, requer cuidados e gera desafios que demandam a dedicação constante dos pais. Bebês que nascem antes do tempo exigem cuidados essenciais para o seu desenvolvimento futuro, lembra o pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

Há 12 anos, a vida da jornalista brasileira Fabiana Bacchini, que vive em Toronto, no Canadá, e já era mãe de um menino, tomou um rumo inesperado. Grávida de gêmeos após uma fertilização in vitro, ela descobriu que um dos bebês tinha um problema cardíaco.

Michael não sobreviveu e o parto de Fabiana acabou ocorrendo na 26ª semana de gestação. A outra criança, Gabriel, hoje com 12 anos, nasceu com 900 gramas e foi internada na UTI - o peso considerado normal de um recém-nascido que nasce de nove meses é entre 2,5 e 4 quilos. 

“Foi uma jornada de 146 dias de UTI neonatal. O Gabriel ficou com ventilação mecânica por sete semanas”, conta. No período em que esteve internado, o bebê teve várias complicações, mas Fabiana manteve o otimismo. “Eu tinha colocado na minha cabeça que, deixando a UTI, minha vida voltaria ao normal. Meu objetivo era tirar o Gabi dali.” 

Fabiana teve a oportunidade de participar de um estudo científico no hospital, onde tinha aulas diárias sobre a prematuridade. Ela e o pai também se envolveram ativamente nos cuidados com o filho, e participavam até mesmo das decisões tomadas pela equipe médica. 

Quando Gabriel teve alta, Fabiana soube que o filho teria que usar o oxigênio em casa. “Eu chorei muito, não queria levar o oxigênio para casa, só queria que nossa vida voltasse ao normal. A médica olhou para mim e disse: esse vai ser o seu novo normal”, lembra, emocionada.

Alguns meses depois, o menino foi diagnosticado com paralisia cerebral e o mundo de Fabiana caiu. “Fui em médicos no Brasil, fui para os EUA, vi todos os especialistas no Canadá, procurei células-tronco na Tailândia”, descreve.

“Mas aí tem um dia que você para e diz: não tem nada errado com meu filho, não tenho que tentar consertá-lo. Tenho que tentar dar uma qualidade de vida boa para ele. Isso mudou a maneira como eu passei a enxergar a situação, e como eu criaria um filho com deficiência”. 

Envolvendo as famílias nos cuidados com o bebê

Gabriel é tetraplégico e, para Fabiana, adaptar-se à nova situação exigiu aprendizado, dedicação e resiliência. Mas as dificuldades enfrentadas nos primeiros anos de vida do filho deram a ela força para se dedicar ao trabalho que hoje ajuda prematuros e suas famílias em todo o mundo. 

A brasileira é diretora da Canadian Premature Babies Foundation (Fundação canadense de bebês prematuros), uma organização que dissemina, através de uma rede de cooperação internacional, ações para sensibilizar sobre o cuidado neonatal. O objetivo é promover um maior envolvimento dos pais e da família com o recém-nascido, desde o nascimento. 

“Os estudos mostram que, desta maneira, os bebês vivenciam melhor a prematuridade. Vão para casa mais rápido, têm mais sucesso na amamentação, possibilidade menor de ter retinopatia da prematuridade. Há também vários benefícios para os pais: menos estresse, menos ansiedade. A saúde mental deles é melhor quando estão envolvidos nos cuidados com o bebê”. 

Guerreiro de Marte

Martin, o primeiro filho da carioca Tatiana Marques, hoje tem 7 anos e pesava apenas um quilo quando nasceu. O parto aconteceu após uma gestação de 28 semanas. 

“Martin significa guerreiro de Marte. Ele veio honrando esse nome desde que nasceu”, conta Tatiana. “Ficamos três meses com ele na UTI. Era para o Martin ter nascido no final de dezembro, mas ele veio ao mundo dia 2 de outubro. Ele só tinha um quilo, e com a perda inicial caiu para 900 gramas”, lembra.  

“O Martin não teve uma intercorrência grave durante a internação, mas por pouco não teve que passar por uma cirurgia do coração. Também demorou muito tempo para conseguir desmamar do oxigênio e respirar sozinho. Ficamos muito preocupados, após dois meses e meio de UTI ele ainda estava na ventilação mecânica. Quando você está com alguém no hospital, sua vida congela. Ainda mais no caso de um filho. A expectativa é ter alta, sair do hospital e ir para a casa viver esse desafio.”  

O suporte da equipe médica foi essencial. Desde o início, Tatiana foi estimulada a utilizar o método Canguru, que consiste, basicamente, em manter o bebê em contato pele a pele, na posição vertical, próximo do peito dos pais. Tatiana teve receio no início e o pai de Martin, Gilson, tomou a iniciativa. Depois dessa primeira experiência, o bebê ganhou quatro vezes mais peso do que o habitual e isso bastou para tranquilizá-la. 

“O maior aprendizado que eu tive nesse período de UTI, que eu trouxe para casa comigo, é o que as enfermeiras sempre falavam para mim: aprende a ver o seu filho. Esquece a máquina”, conta Tatiana que ficava apavorada com os “bips” constantes dos equipamentos da unidade de terapia intensiva. Com o tempo, ela passou a identificar com mais facilidade o que era preocupante ou não. 

“Às vezes são sutilezas percebidas pelo pai e a mãe, que ficam ali o dia inteiro e estão percebendo algo que às vezes a equipe médica só vai se dar conta depois”, diz. Tatiana também aprendeu a conversar com o bebê e demonstrar suas emoções. Ela não podia dormir no hospital no período em que ele esteve hospitalizado, apenas visitá-lo diariamente. Martin foi para casa após três meses de internação, mas também não podia receber visitas, por conta da baixa imunidade e do risco de exposição aos vírus e bactérias.  

A vida da família foi aos poucos voltando ao normal, mas hoje, aos sete anos, Martin ainda enfrenta os desafios do desenvolvimento. Um deles é a imunidade – os bebês prematuros, quando nascem, ainda não desenvolveram totalmente o sistema imunológico e podem ter mais complicações quando ficam doentes – o corpo não combate os vírus e bactérias com a mesma eficácia. 

“A imunidade dele é muito diferente de uma criança que nasceu a termo. Eles não adquirem os anticorpos da mãe nesse terceiro trimestre”, explica Tatiana. Esta ainda é uma preocupação constante para mãe, que também descobriu que o filho tem TDHA (Transtorno do Déficit de Atenção). Estudos mostram que o distúrbio é mais comum em crianças prematuras.  

Como Fabiana, Tatiana também ajuda outras mães e é voluntária na ONG Prematuridade. “A ideia é disseminar a informação e ajudar as famílias a entender a responsabilidade que eles têm nesse processo”, explica, acrescentando que ajudar as outras mães a superar essa situação "é a melhor terapia".

Cuidados essenciais 

Segundo Renato Kfouri, pediatra infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, a prematuridade é uma das principais causas de mortalidade infantil no Brasil.  Cerca de uma em cada dez mulheres no país dão à luz antes de 37 semanas de gestação, o equivalente a cerca de 300 mil bebês prematuros por ano.  

“Quanto mais prematuros, maiores são os riscos em todos os sentidos. Riscos de complicação no berçário, internações prolongadas, infecções, risco de doenças infecciosas, de alterações no sistema nervoso e de sequelas de longo prazo no desenvolvimento”, explicou o pediatra à RFI. 

As infecções repetitivas, que marcaram a história de Tatiana e Martin, são uma das maiores preocupações dos médicos, diz o especialista.  

“Os bebês prematuros nascem antes do tempo e recebem poucos anticorpos da mãe, que transfere durante a gestação, através da placenta, proteção contra todas as doenças que ela teve na vida. Todas as vezes que a mãe se expôs a microrganismos, produziu anticorpos, e esses anticorpos atravessam a barreira placentária. Eles servem para proteger os bebês nos primeiros meses de vida, até que recebam suas vacinas", explica. 

No caso dos prematuros, essa transferência dos anticorpos ocorre principalmente no último trimestre da gravidez. Soma-se a isso, diz o pediatra, a imaturidade do sistema imunológico, a dificuldade na amamentação, a exposição ao risco hospitalar e a subnutrição. 

As vacinas são essenciais para as crianças prematuras e protegem contra várias doenças, incluindo as respiratórias. “As vias aéreas são de calibre muito pequeno, então qualquer secreção pode gerar uma obstrução ou uma dificuldade respiratória muito grande. Quanto menor o bebê, menor são essas vias aéreas e maior é esse risco”, compara. “Gripe, Covid ou bronquiolite são doenças que afetam esses bebês e são as principais causas de internações."

Segundo o pediatra, a bronquiolite provoca sequelas duradouras nas crianças prematuras, como reações exacerbadas a um resfriado, por exemplo, maior fragilidade à mudança de temperatura ou ao desenvolvimento de alergias. 

O pediatra lembra que existem várias vacinas disponíveis, incluindo contra pneumonia, coqueluche, gripe ou Covid-19. Mas, um dos grandes vilões dos pulmões de bebês prematuros é o VSR, o vírus sincicial respiratório. "Ele é o principal causador de doenças respiratórias no bebê no primeiro ano de vida, e pode causar a bronquiolite e a pneumonia”. 

Até pouco tempo, a imunização contra o VSR era feita com doses mensais de um anticorpo monoclonal, dado apenas para crianças nascidas com menos de 28 semanas ou com doenças crônicas no pulmão ou coração.  A novidade agora é que esse anticorpo, nirsevimab, pode ser administrado em uma única dose, ao nascer, e protege a criança, prematura - ou não- durante toda a estação do VSR, no outono e no inverno. 

Muitas imunizações só podem ser aplicadas ou completadas a partir dos seis meses, e por isso o pediatra recomenda a vacinação da mãe, durante a gestação, e das pessoas que convivem com o bebê. “Para todos nós, estarmos sempre vacinados é uma vantagem, mas para aqueles que convivem com os prematuros, a vantagem é dobrada”, ressalta.

Como os hormônios influenciam o sono das mulheres ao longo da vida?
03 December 2024
Como os hormônios influenciam o sono das mulheres ao longo da vida?

Diversos estudos buscam entender como as variações hormonais e o meio-ambiente influenciam o sono das mulheres em diferentes etapas da vida. Mas ainda faltam dados para identificar com precisão todos os fatores que explicariam por que as pacientes acumulam mais noites maldormidas do que os homens.

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

De acordo com a Santé Publique France, a agência de saúde francesa, entre 15 e 20% da população do país sofre de insônia e mais mulheres do que homens declararam ter o sintoma. As mesmas conclusões foram divulgadas em um estudo publicado em março deste ano pelo Instituto Nacional do Sono e da Vigilância.

As diferenças no padrão do sono de homens e mulheres foi um dos destaques de um congresso que reuniu pesquisadores franceses e de vários países no final de novembro em Lille, no norte da França. O evento foi organizado pela Sociedade Francesa de Pesquisa e Medicina do Sono (SFRMS, na sigla em francês) e o Grupo Sono da Sociedade de Pneumologia em Língua Francesa (SPLF).

A neurologista Isabelle Lambert, que participou da palestra sobre o tema, dirige o centro dedicado aos distúrbios do sono no hospital universitário de Marselha, no sul da França.

De acordo com ela, suas pacientes apresentam mais problemas de insônia do que os homens, em uma proporção que varia entre 30 e 40%. Os hormônios são provavelmente a causa dessa prevalência no sexo feminino, mas essa hipótese, ressalta, ainda não foi validada pelos estudos científicos que estão em andamento em vários centros especializados no mundo.“Não faz tanto tempo assim que nós, cientistas, nos interessamos às especificidades do sono das mulheres”, explica a neurologista francesa.

Desde 2014, um grupo de trabalho criado por pesquisadores franceses se dedica ao assunto e os dados obtidos até agora pelos cientistas mostraram que os franceses e francesas dormem, em geral, o mesmo número de horas diárias, com uma pequena variação de 20 minutos.

Há, entretanto, diferenças nos ciclos do sono profundo, ou não-REM (sigla para rapid eyes mouvement), sem sonhos e essencial para o descanso cognitivo, que seriam mais curtos nas mulheres. As fases do sono, traduzidas em ondas cerebrais, podem ser registradas pelos médicos em um exame chamado polissonografia, que grava a atividade cerebral do paciente quando ele está dormindo. 

Mulheres têm mais insônia

Segundo a neurologista, pesquisas com animais também confirmaram as evidências de que as mulheres seriam mais propensas a outros distúrbios do sono, como a chamada Síndrome das pernas inquietas, que provoca movimentos involuntários quando a pessoa está dormindo.

Os remédios usados para tratar essa e outras doenças do sono também não surtiriam o mesmo efeito em homens e mulheres, acrescenta, e algumas moléculas exigem adaptações terapêuticas. Uma das explicações é que os testes clínicos dos medicamentos aprovados ao longo das últimas décadas não levaram em conta as especificidades femininas.

Os estudos ainda revelam que as diferenças de padrão de sono entre gêneros são estabelecidas principalmente na puberdade e continuam nas diferentes etapas da vida da mulher, em função das variações hormonais.

“Por que essas mudanças acontecem e qual a relação com o sono? Porque nosso cérebro é cheio de receptores de estrogênios e de progesterona. Muitos desses receptores estão localizados em estruturas cerebrais envolvidas no controle da hora de dormir e acordar e no ritmo circadiano”, explica Isabelle Lambert.

“Nós sabemos que a regulação hormonal na mulher é complexa”, acrescentou a ginecologista Christine Rousset Jablonski, que participou da mesma palestra no congresso francês.

A partir da puberdade, o corpo da mulher se prepara para a reprodução. Os ovários são responsáveis pela produção da maior parte do estrogênio e da progesterona, os principais hormônios femininos. As glândulas suprarrenais, consideradas uma extensão do sistema nervoso, produzem os andrógenos adrenais que poderão em seguida ser convertidos em hormônios sexuais.

Essas mudanças hormonais que começam na pré-adolescência e duram até depois da menopausa seriam uma das causas das noites maldormidas de muitas pacientes. “Essas taxas dependem e variam de mulher para mulher e há muitas variações individuais”, diz a especialista. E isso acontece mesmo em mulheres que não apresentam anomalias no ciclo ovulatório.

Flutuações na menopausa

Além da gravidez, a perimenopausa, que dura vários anos, e a menopausa, que marca o fim das menstruações, são etapas determinantes para o equilíbrio orgânico feminino. Nesta fase, as variações hormonais estão associadas à diminuição do estrogênio, com pouca “impregnação” da progesterona. 

“Isso pode, potencialmente, ter um impacto no sono”, reafirma a ginecologista francesa. Na menopausa, além da questão hormonal, há também o fenômeno da vasoconstrição, que corresponde ao estreitamento dos vasos sanguíneos. Ele é frequente nessa etapa da vida da mulher e está associado aos fogachos e suores noturnos.

“Esses sintomas atingem 80% das mulheres na menopausa, e duram, em média, sete anos e meio, mas podem variar. Para um terço das mulheres, eles vão durar mais de dez anos", alerta Christine Rousset Jablonski.

"Sabemos que esses sintomas vasomotores podem estar associados a distúrbios do sono e são mais intensos de noite do que de dia. Mas também há mulheres na menopausa que têm problemas de sono sem sintomas vasomotores associados”, explica. A boa notícia é que já existem medicamentos para tratar esses sintomas e, desta forma, melhorar o sono.

A associação entre a fisiologia dos fogachos e o ritmo circadiano da mulher, o relógio biológico que regula várias funções orgânicas, incluindo o sono, é um assunto ainda pouco compreendido e que deve ser mais estudado, ressalta a ginecologista francesa.

Enquanto isso, ter uma alimentação equilibrada, fazer exercícios e evitar o estresse ajudam a dormir bem e a preservar a saúde. Esses são fatores que a Ciência já provou que são benéficos para dormir bem e prevenir praticamente todas as doenças.

O que são as ruminações mentais e como elas afetam os jovens adultos?
26 November 2024
O que são as ruminações mentais e como elas afetam os jovens adultos?

As ruminações são pensamentos repetitivos negativos, às vezes inócuos, mas que podem estar relacionados a quadros de depressão e ansiedade. Elas decorrem muitas vezes de decepções ou frustrações que levam algumas pessoas a “remoer” situações sem conseguir superá-las, explica o psiquiatra Jean-Luc Martinot, pesquisador do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França).

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris 

Segundo o especialista francês, as ruminações são um fenômeno subjetivo, vivenciado pela maior parte das pessoas e “difícil” de ser estudado. Mas algumas características desses pensamentos repetitivos já puderam ser estabelecidas pelos cientistas, como mostra um recente estudo dirigido pelo psiquiatra francês e publicado na revista científica Molecular Psychiatry.

Um dos objetivos dessa pesquisa era identificar sinais no cérebro de jovens adultos entre 18 e 22 anos de que essas ruminações poderiam desencadear doenças mentais no futuro. A equipe focou nessa faixa etária porque esses pensamentos "invasivos", explica o psiquiatra francês, surgem principalmente na passagem da adolescência para a fase adulta. 

“As ruminações são algo frequente e não são uma característica da infância ou do início da adolescência”, explica o psiquiatra francês. “É um fenômeno da vida mental que pode até existir antes, mas que se torna mais frequente quando os jovens viram adultos”, completa.

Descrição do estudo

Durante a pesquisa, os cientistas franceses analisaram os dados de centenas de jovens europeus que responderam, durante vários anos, a questionários online sobre esses pensamentos frequentes, que causam desconforto e ansiedade.

Periodicamente, eles eram submetidos a exames de ressonância magnética para detectar se havia mudanças na atividade cerebral quando os pensamentos repetitivos surgiam espontaneamente.

Os pesquisadores então identificaram, no grupo de 600 jovens acompanhados pela equipe, aqueles que descreveram ruminações depressivas. Eles foram submetidos a uma ressonância magnética “livre”, que mede a atividade cerebral sem instruções dadas pela equipe médica.

“O estado mental dos pacientes que tinham tendência às ruminações foi naturalmente captado pelo aparelho”, explica. O registro foi possível graças a um algoritmo que permite diferenciar a maneira como a atividade mental evolui no cérebro e conecta ao mesmo tempo diferentes regiões. 

“Por exemplo, durante as ruminações 'preocupantes', percebemos que havia regiões frontais que variavam ao mesmo tempo que algumas áreas dos gânglios da base, ou seja, áreas envolvidas na gestão das emoções”.

Ruminações são divididas em três tipos

A equipe do psiquiatra francês dividiu os pensamentos repetitivos em três tipos. As chamadas ruminações reflexivas têm uma conotação positiva e consistem na busca da solução para um problema. 

Os outros dois tipos estão relacionados às emoções negativas e às preocupações cotidianas, ou podem estar associadas à depressão. “A ruminação depressiva, pode, se persistir, pode ser primeiro sinal de um problema psiquiátrico mais grave”, diz o psiquiatra. 

Os pacientes que apresentavam ruminações negativas aos 18 anos tinham uma tendência maior ao desenvolvimento de sintomas de ansiedade e depressão, às vezes graves, quatro anos depois.

A gravidade dos sintomas estava relacionada às modificações nas configurações cerebrais medidas durante as ressonâncias magnéticas.

 “Certos tipos de ruminações, como as relacionadas às preocupações, ou depressivas, anunciam o surgimento de sintomas internos, ou seja, de ansiedade ou depressão, ou externos, como agressividade, uso de drogas ou dependência química”.

Isso pode ajudar a prevenir doenças mentais em jovens adultos com fatores de risco – e este é um dos interesses concreto do estudo. 

Segundo o psiquiatra, a gestão das emoções, certas características de personalidade, o padrão de sono, a existência de traumatismos e a puberdade precoce influenciam no surgimento de doenças psiquiátricas e podem prevenir seu aparecimento.

Quando suspeitar de insuficiência cardíaca e consultar um cardiologista
12 November 2024
Quando suspeitar de insuficiência cardíaca e consultar um cardiologista

A insuficiência cardíaca crônica atinge cerca de 64 milhões de pessoas no mundo, segundo estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde). A doença é uma das maiores causas de internação no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde. A incidência é maior entre adultos com mais de 45 anos, mas o problema também afeta pacientes mais jovens.

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

A insuficiência cardíaca faz com que o coração não seja mais capaz de bombear sangue suficiente para suprir as necessidades orgânicas e provoca diversos sintomas, explica a cardiologista brasileira Lídia Moura, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O primeiro deles é a falta de ar, que chega ao ponto de o paciente, por exemplo, não conseguir mais ficar deitado.  

“Normalmente o paciente começa a sentir falta de ar durante o esforço. Em geral, essa dificuldade para respirar é progressiva e se agrava em esforços menores. Nessa fase, o paciente terá dificuldade para se deitar. Ele se sente bem sentado e, quando se deita, a falta de ar piora”, explica a especialista brasileira, que lamenta a falta de informação em torno da patologia.

A gaúcha Katia Arruda, 63 anos, descobriu que tinha o problema cardíaco em 2020, durante a epidemia de Covid-19. A brasileira, que se diz “conectada nos 200 volts”, passou a sentir um cansaço fora do normal, que mudou completamente sua rotina. Katia, que também tem lúpus, uma doença autoimune, sentiu falta de ar, cansaço e suores, que a levaram a consultar um clínico-geral.

Depois de realizar um eletrocardiograma, ela buscou a opinião de dois cardiologistas. O primeiro especialista minimizou o problema e atrasou o diagnóstico. “Ele olhou para meu eletrocardiograma e disse: você está gorda, vai procurar uma nutricionista”, conta. “Mas eu já estava com insuficiência cardíaca e cardiomiopatia grau 3”, o que equivale a um estágio bem avançado da doença, comenta Katia.

O diagnóstico foi confirmado após a consulta com o segundo profissional, que pediu um ecocardiograma - exame que utiliza ondas sonoras para obter imagens do coração. “Não sei se estaria aqui hoje se não fosse ele. O médico falou que eu poderia ter morte súbita a qualquer momento”, comenta a brasileira, que chama o cardiologista de "anjo".

Apesar das dificuldades, Katia foi medicada, aos poucos foi melhorando e hoje convive com a doença. A brasileira também administra um grupo no Facebook de 8 mil pessoas que têm insuficiência cardíaca e podem trocar experiências. Mas ela ainda se lembra de como seu cotidiano mudou de maneira repentina quando os sintomas apareceram. “Fiquei dois anos sem varrer uma casa, sem limpar um banheiro, sem nada. Foi muito difícil”. 

Esse cansaço extremo que Katia sentiu quando a doença se manifestou decorre do aumento de líquido no pulmão e é característico da insuficiência cardíaca. “Em pé, esse líquido fica mais acumulado na base do pulmão. Ao se deitar, ele se espalha automaticamente, gerando desconforto no paciente, que precisa mudar de posição. Ele tenta ficar mais ereto”, explica a cardiologista. 

A evolução da doença provoca o aparecimento de inchaço nas pernas, que é bilateral e ocorre com mais frequência no final do dia, explica. Com o passar do tempo, de maneira progressiva, o paciente já acorda com braços ou pernas inchados. 

O que causa a doença? 

Há diversos fatores que podem desencadear a insuficiência cardíaca. De acordo com a especialista brasileira, a condição equivale à fase terminal das doenças do coração e no passado a taxa de sobrevida era baixa. Mas, como os tratamentos evoluíram muito ao longo dos anos, os pacientes vivem mais tempo e com mais qualidade de vida.

“Temos várias etiologias que causam a insuficiência cardíaca, como a Doença Valvar (NR: o grupo de deficiências ou anomalias nas valvas do coração – aórtica, mitral, pulmonar e tricúspide) ou a hipertensão. Outra causa comum no Brasil e outros países desenvolvidos é a doença coronariana. Os doentes hoje têm vários infartos e cada um deles causa uma lesão na massa muscular do ventrículo. Quando vários infartos se acumulam, gera uma grande lesão ventricular”, frisa a cardiologista.

Doenças como diabetes ou a obesidade também são um fator de risco. “Nesses casos, as insuficiências cardíacas ocorrem porque os corações não dilatam, ficam pequenos, mas endurecem muito. Hoje metade das insuficiências ocorre por dilatação e a outra metade porque o coração é pequeno e o relaxamento é ruim”, resume Lídia Moura. 

Ela cita ainda outras causas, como a Doença de Chagas, ainda comum em algumas regiões do Brasil e outros países da América Latina. O excesso de bebida alcoólica também pode desencadear o problema. Tratamentos contra o câncer de mama ou ósseo também podem em alguns casos provocar a insuficiência cardíaca, que raramente surge sem uma outra comorbidade associada. Há ainda as cardiomiopatias genéticas, que exigem outros diagnósticos e tratamentos.  

Em todos os casos, lembra a cardiologista Lídia Moura, o acompanhamento é sempre individual. O tratamento depende de diversos fatores e deve ser adaptado à condição de saúde do paciente e suas outras eventuais doenças para se obter um equilíbrio da situação. “Cada paciente é único e tem sua história”, resume. 

Como é a estratégia de vacinação contra a gripe e a Covid-19 na França?
05 November 2024
Como é a estratégia de vacinação contra a gripe e a Covid-19 na França?

A campanha de vacinação contra a gripe e a Covid-19 começou no dia 15 de outubro na França. O país propõe a imunização em dose dupla para facilitar a vida dos pacientes, que podem tomar as duas injeções ao mesmo tempo.

Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

Além de não trazer riscos para a saúde, a dupla vacinação incita à realização das doses de reforço, que muitas vezes são deixadas de lado simplesmente por falta de tempo, mostram dados da Seguridade Social francesa.

Mas, apesar do incentivo das autoridades de saúde do país, que propõem as duas vacinas gratuitamente para boa parte da população, a taxa de cobertura ainda é baixa. 

Na campanha que começou em outubro, a França utiliza a nova vacina da Pfizer adaptada à variante JN.1, que atualmente é dominante no país e no resto do mundo.

Segundo dados do Ministério da Saúde francês, apenas 47% da população de mais de 65 anos com fatores de risco se imunizou contra a gripe durante a campanha de 2023-2024.

Em relação à Covid-19, a situação é ainda mais preocupante. Somente 30% dos maiores de 65 fizeram a dose de reforço no ano passado, de acordo com a Santé Publique France, a agência de saúde pública francesa.

Os pacientes com comorbidades são um dos principais alvos da campanha de vacinação, explica o pneumologista Laurent Ngueyn, da Associação Santé Respiratoire France, que implementa ações no país para melhorar a qualidade de vida das pessoas que sofrem de doenças respiratórias.

“É preciso proteger as pessoas mais vulneráveis, as mais frágeis, para evitar que elas desenvolvam uma forma grave das duas doenças e o risco de complicações e de hospitalização”, lembra.

Segundo o especialista, as pessoas que convivem com esses pacientes também devem se vacinar. A chamada proteção indireta, diz, infelizmente é levada pouco a sério no país.

“A taxa de cobertura vacinal ainda é muito baixa na França, mas não pode ser considerada insignificante, porque muitas pessoas se vacinam. O problema é a dose de reforço”, destaca. "Globalmente a taxa de vacinação é correta, mas sempre podemos melhorar", avalia.

Baixa adesão 

O desafio das autoridades francesas é ainda maior quando se trata da Covid-19. O pneumologista reconhece que existe um “cansaço” geral após a epidemia. “Acho que as pessoas simplesmente não querem mais ouvir falar dessa doença que, na minha opinião, traumatizou todo mundo”.

Embora aos poucos esse trauma coletivo esteja sendo deixado para trás, os riscos existem e o vírus da Covid-19 pode provocar, além das formas graves, diferentes sequelas, mesmo em pacientes sem comorbidades ou fatores de risco. As vacinas protegem, ressalta Laurent Ngueyn, e o reforço deve ser um reflexo natural quando chega o inverno.

“No verão, ao ar livre, o risco de contaminação como sabemos é mais baixo. Mas quando chega outono e o inverno e as temperaturas caem, ficamos mais dentro de casa e o risco de contaminação é maior. Infelizmente temos dados que mostram que a Covid-19 está voltando aos poucos”, alerta.

Há consenso de que a vacina contra a gripe deve ser feita anualmente, mas no caso da Covid-19, a regularidade das doses de reforço pode variar de uma pessoa para outra, explica o especialista francês.

“O paciente deve procurar seu médico e se informar. Ele conhece seu modo de vida, seu histórico, suas doenças, e suas reações às injeções anteriores. Nos pacientes com fatores de risco, na França, é aconselhável fazer o reforço a cada seis meses após a última dose da vacina ou infecção. Entre os imunossuprimidos e idosos com mais de 80 anos, nós aconselhamos uma dose a cada três meses”.

Os fatores de risco englobam pacientes com doenças crônicas respiratórias, cardiovasculares, hepáticas, renais e metabólicas, como o diabetes ou a obesidade. Pacientes que recebem certos tratamentos contra o câncer, por exemplo, também podem desenvolver uma forma grave da Covid-19.

Traumatismo

O pneumologista francês, que atende na cidade Bordeaux, no sul do país, lembra que a epidemia, que começou em 2020, aterrorizou seus pacientes, que se fecharam e adotaram com seriedade as medidas de proteção e o lockdown. Quando a vacina surgiu, em 2021, houve adesão, mas ela vem diminuindo ao longo do tempo, lamenta.

“Infelizmente, ainda temos pacientes que desenvolvem formas graves, vão para o Pronto-Socorro, são hospitalizados e até internados na UTI. Isso é um verdadeiro traumatismo. Eu perdi alguns pacientes e é uma catástrofe para as famílias, para aqueles que ficam. Também tive pacientes que desenvolveram formas graves e pode acreditar, quem passou por isso não tem a menor vontade de pegar a doença de novo”.

A vacinação das crianças é outro problema na França, onde apenas 1,7% dos menores entre 0 e 11 anos tinha tomado uma dose da vacina contra o vírus em janeiro de 2023, segundo dados da Seguridade Social.

Neurocientista francês alerta sobre fake news que envolvem Ciências Cognitivas
29 October 2024
Neurocientista francês alerta sobre fake news que envolvem Ciências Cognitivas

Nossas emoções, comportamento e a maneira como aprendemos são o resultado de uma série de mecanismos cerebrais. Compreendê-los é o papel da Neurociência, uma área que desperta o interesse de um número cada vez maior de pesquisadores, mas também do público em geral.
 

Essa busca pela compreensão do funcionamento cognitivo e emocional não é exatamente nova, explica o psicólogo e doutor em Neurociências, Albert Moukheiber, autor do livro Neuromania, le vrai du faux sur notre cerveau (Neuromania, como discernir o que é verdade?”, em tradução livre) publicado na França.

Ele destaca que o problema é que o fluxo contínuo de informações sobre os mecanismos cerebrais, muitas vezes mal interpretado, pode ser nocivo e ter um impacto real.

A promessa de melhorar a capacidade mental tornou-se o ganha-pão de muitos coachs de desenvolvimento pessoal, por exemplo, aponta o especialista francês.  Essa é uma das áreas que tirou proveito da vulgarização científica em torno do tema para se transformar em um grande negócio.

“Há duas razões principais para essa popularidade. Uma delas é o desenvolvimento pessoal, que ganha espaço no mais alto nível, e que gera muito lucro e dinheiro.  Há promessas de como ser um líder melhor, ganhar mais, ser mais criativo, ter uma memória mais eficaz, ser mais inteligente ou aumentar o QI, por exemplo", diz.

"Outra razão é ideológica: explicar alguns fenômenos sociais como a crença nas fake news, ou o imobilismo diante do clima. Nesse caso, haverá uma tentativa de analisar essas situações utilizando um “verniz científico”, e, para isso as Ciências Cognitivas. Raramente é pertinente”, ressalta.

Conhecimento é limitado

O especialista lembra que o conhecimento sobre os mecanismos cerebrais é limitado e que utilizar as Ciências Cognitivas para explicar como agimos, pensamos e nos sentimos pode ser um erro. “Como não sabemos direito como o cérebro funciona, podemos projetar todo tipo de fantasia ou explicação na Neurociência. Como nessas reportagens que mostram seu cérebro quando está apaixonado, seu cérebro se você é de esquerda, de direita, enfim... qualquer coisa”.

Segundo ele, o excesso de simplificação em torno dos mecanismos cognitivos, e o uso indevido de informações sobre o funcionamento cerebral, infelizmente acabam influenciando decisões que podem ter efeitos diretos na vida das pessoas. O neurocientista francês concorda que o conhecimento do cérebro representou um grande avanço, mas lembra que ele é “diferente dos outros órgãos”.

“(O cérebro) é um órgão que chamamos de dependente do contexto. Se nós estivéssemos tendo essa conversa fora do estúdio, não estaríamos conversando da mesma maneira. As palavras que utilizaríamos seria diferente, a eloquência também assim como o tom da nossa voz”, detalha Albert Moukheiber.

Para o neurocientista, essa contextualização é essencial. “É como se eu estudasse o cérebro dentro de uma máquina de ressonância magnética dentro de um hospital para entender o amor. Não sei como resolveremos esse problema, não temos como criar uma ciência da subjetividade”.

Os chamados testes de personalidade, muito usados no meio corporativo, são outro exemplo, lembra o especialista francês. “Os resultados desses testes são escritos para que todas as pessoas se identifiquem com eles de alguma maneira. O problema é que você talvez não consiga o emprego porque o teste vai mostrar que você não tem o perfil. Perder uma vaga por conta de um teste que não é, em hipótese alguma, confiável, é absurdo. Eles não têm nada a ver com testes que usamos na nossa prática clínica, por outras razões, como a realização de diagnósticos diferenciais”, critica o especialista.

É nesses momentos, diz o neurologista, que as consequências negativas da desinformação em torno das ciências cognitivas são palpáveis. “Você será deixado de lado, não porque fez algo errado, mas porque não tem a personalidade adequada”, e isso, reitera, por conta de um teste que não tem nenhum valor científico.