'Temos um Congresso comprometido com outras pautas que não o futuro do país”, critica cineasta Sandra Kogut
22 September 2025

'Temos um Congresso comprometido com outras pautas que não o futuro do país”, critica cineasta Sandra Kogut

RFI Convida

About

A convite do Fórum das Imagens de Paris, a cineasta brasileira Sandra Kogut veio à capital francesa para exibir seu documentário “No Céu da Pátria Nesse Instante”, que retrata a crise política no Brasil durante a campanha às eleições de 2022 e os atos golpistas de 8 de janeiro do ano seguinte. Ela condenou duramente a aprovação da PEC da Blindagem e as articulações de deputados para aprovar uma anistia ou redução das penas aplicadas pelo STF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado. 

Adriana Moysés, da RFI em Paris

No longa “No Céu da Pátria Nesse Instante”, Sandra documenta os meses mais tensos da história política recente do Brasil. Ela lamenta que, enquanto parte da sociedade ainda comemorava o avanço da Justiça, com a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão, o Congresso já se mobilizava para tentar reverter a decisão.

“A gente mal teve tempo de comemorar plenamente esse fato histórico. O Congresso já estava se articulando para tentar fazer essa anistia. É um momento bem complicado no Brasil, porque temos um Congresso completamente comprometido com outras pautas que não o futuro do país”, afirma.

Kogut destaca que o país paga, até hoje, o preço por não ter enfrentado devidamente os crimes da ditadura militar. Para ela, a condenação de Bolsonaro representa uma oportunidade única de o Brasil se comprometer de forma profunda com a democracia.

“O Brasil não foi capaz de fazer isso naquele momento e pagou um preço anos depois, porque ficou um pedaço da história mal resolvida. Agora, essa condenação é a oportunidade do país conseguir realmente se comprometer com a importância da democracia para garantir um presente e um futuro”, avalia.

A cineasta acredita que seu filme pode funcionar como resistência ao apagamento histórico promovido por setores do Congresso. “Mesmo na época em que eu estava fazendo o filme, a vontade de realizá-lo nasceu um pouco disso. As notícias eram tão inacreditáveis que você até esquecia o escândalo da semana anterior. Pensei: talvez, se colocarmos esses instantes lado a lado, seja mais fácil entender o que estamos vivendo”, explica. Para Kogut, o filme ganha novas camadas à medida que o tempo passa e mais fatos vêm à tona.

No documentário, o espectador acompanha personagens de diferentes regiões e espectros políticos do Brasil, mostrando realidades paralelas durante a crise democrática. Sandra Kogut destaca que o documentário não faz uma análise, mas mergulha na tensão e no medo vividos por todos, independentemente do lado político. O filme revela como pessoas com visões opostas consomem informações completamente diferentes e como é difícil criar diálogo entre esses mundos, mostrando a dificuldade de comunicação e compreensão mútua em um país polarizado.

Diálogo com outros países

O impacto da produção, segundo ela, é sentido tanto no Brasil quanto no exterior. “O filme é um pouco um ser vivo, porque registra um momento chave e vai ressoando de maneiras diferentes à medida que o tempo passa. Viajei um ano e meio com esse filme, fui para lugares muito diferentes – Coreia do Sul, Espanha, França. Eu chegava nesses lugares e percebia que aquilo dialogava diretamente com o que aquele país estava vivendo”, relata. Ela observa que o fenômeno da extrema direita e da desinformação não é exclusivo do Brasil, mas parte de uma corrente internacional que ameaça democracias consolidadas.

Kogut ressalta que o filme se diferencia por não ser uma análise fria, mas por acompanhar personagens comuns, o que facilita a identificação do público. “A política no dia a dia das pessoas, na escola, dentro de casa, na rua. Acho que as pessoas se reconhecem ali e reconhecem coisas que estão vendo acontecer em seus países”, diz.

'Não adianta cancelar'

Sobre o desafio da desinformação, a cineasta relata o impacto das campanhas articuladas nas redes sociais. “Era muito impressionante, porque para qualquer coisa que eu dissesse, alguém já tinha feito um vídeo para responder. E percebi uma alegria de pessoas que se sentiam excluídas do debate público e, de repente, se sentiam parte de algo maior, mesmo sem saber do que estavam falando”, observa.

Para a diretora carioca, o cinema e a sociedade precisam olhar para essas pessoas como seres humanos, buscando um terreno comum: “Não adianta bloquear, cancelar, fingir que não existe. Essas pessoas estão aí, é metade do país”.

Retorno do fascismo

Além do documentário sobre a crise democrática brasileira, o Fórum das Imagens exibiu um segundo filme de Kogut, “Um Passaporte Húngaro”, de 2001, obra que considera cada vez mais atual.

“Eu fiz esse filme quando morava na França e me perguntava muito, sendo uma imigrante, o que a gente tem direito quando muda de país? O que você tem direito de ter como documento? O que você tem direito de fazer? E me perguntava também o que a gente é porque escolheu ser e o que a gente é porque herdou”, conta.

O filme, que narra sua tentativa de obter a cidadania húngara, dialoga com a história de seus avós, que fugiram da Hungria nos anos 1930. “Na época, minha avó dizia: ‘Você não pode imaginar o que é o fascismo’. E eu pensava: ‘Realmente, entendo intelectualmente, mas não posso imaginar’. Hoje em dia eu posso imaginar, porque tem um diálogo muito forte com o que a gente está vivendo hoje”, conclui.