A exposição “De la Fabrique à l’Atelier” (Da Fábrica ao Ateliê), em cartaz no Espaço Molière de Paris, é a primeira retrospectiva da carreira do jovem artista plástico brasileiro Rafael Carneiro. A mostra reúne os trabalhos realizados nos últimos 20 anos e destaca o impacto do uso de tintas com pigmentos brasileiros, inventadas e fabricadas pelo próprio artista, em suas obras.
Rafael Carneiro começou a pintar muito cedo e teve seu trabalho reconhecido desde o fim da Escola de Belas Artes na USP, no início dos anos 2000. Da abstração passou a reproduzir nas telas fotografias e imagens de vídeo, antes de iniciar uma fase de superposição de várias imagens, como uma espécie de colagem.
“Eu tive trabalhos figurativos, trabalhos que tinham essa ligação com uma imagem anterior. Por muito tempo, eu me interessei por essa espécie de tradução de imagens de outras linguagens para a pintura”, explica à RFI.
Depois dessas séries hiper-realistas, Rafael Carneiro iniciou recentemente uma nova etapa de seu trabalho “produzindo mais pinturas abstratas, que também têm alguma relação com a figuração, mas têm uma ênfase muito grande na materialidade por causa do início da fábrica”.
Cores e pigmentos brasileiros
A fábrica citada, que dá nome à exposição parisiense, é a Joules & Joules fundada por Rafael Carneiro em 2020, em São Paulo, em parceria com o também artista Bruno Dunley. A empresa começou a fabricar tintas a óleo nacionais de qualidade, com preços mais acessíveis. Muitas cores são criadas com pigmentos brasileiros, propiciando uma paleta muito mais variada e viva.
“A gente não entendia como o Brasil tinha uma falta de materiais, como isso era um problema tão grave”, lembra. Historicamente, os artistas brasileiros são dependentes das ofertas de tintas importadas, muito caras. Para contornar o preço, usavam tinta estudante, mais barata, mas de menor qualidade.
“Mesmo sendo ainda um pouco caro, é infinitamente mais acessível do que era possível se comprar importado no passado. Também, a gente se esforça muito para divulgar e explicar a importância de um material profissional, porque essas ferramentas podem ampliar as possibilidades poéticas”, acredita.
A oferta de tintas nacionais teve um grande impacto na obra de Rafael Carneiro. Os quadros do pintor ganharam uma explosão de cores, com tons como “Terra de Rio Acima, “Sombra, Poços de Caldas” ou “Turmalina Negra”. Também ganharam outras espessuras e materialidade. “Numa tinta estudante você não consegue nem perceber qual a diferença material entre um pigmento e outro. Eu tinha uma relação com o material mais instrumental, e hoje me interessa muito a própria materialidade deles, de tentar na pintura explorar essas características”, explica.
História da arte
A pesquisa com os novos pigmentos e materiais também ajudou Rafael Carneiro a refletir sobre a história da arte. “Estudando a história dos pigmentos, das tintas, a gente vai compreendendo melhor como o acesso aos materiais impactou na história da arte, no tipo de pintura que foi desenvolvido ao longo do tempo. Isso é uma reflexão que mudou a relação com a minha pintura, mas também com a própria história da arte”, diz.
Segundo ele, essa maior acessibilidade a tintas de qualidade também influenciou o trabalho de outros artistas plásticos contemporâneos brasileiros. “A gente tem ficado muito contente com o impacto que tem gerado no trabalho de outros pintores”, celebra.
Todas as etapas do trabalho de Rafael Carneiro estão expostas no Espaço Molière de Paris até 10 de maio. Além dos quadros, há vídeos e amostras sobre o desenvolvimento e fabricação das tintas brasileiras. A curadoria é de Leonel Kaz. “De la Fabrique à l’Atelier” integra a programação da temporada cruzada França-Brasil.