“O Saci”, de Monteiro Lobato, é publicado pela primeira vez na França
10 April 2025

“O Saci”, de Monteiro Lobato, é publicado pela primeira vez na França

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O Brasil marca presença no Festival do Livro de Paris, o importante salão anual do mercado editorial francês, realizado a partir desta sexta-feira (11) no Grand Palais. Durante três dias, o pavilhão brasileiro propõe uma programação variada que integra a temporada cultural cruzada França-Brasil. Vários livros em português e francês serão lançados no salão, entre eles “O Saci,” de Monteiro Lobato, publicado pela editora Chandeigne-Lima.  

“O Saci” é o primeiro livro de Monteiro Lobato traduzido e publicado na França. A tradução é assinada por Mathieu Dosse. A história do principal personagem do folclore brasileiro chega às livrarias francesas mais de cem anos após sua primeira publicação em português, em 1921.  

O tradutor não sabe explicar por que um dos autores infanto-juvenis mais famosos do Brasil, cuja obra narrando as aventuras de Pedrinho e Narizinho no Sítio do Picapau encanta há mais de cem anos as crianças brasileiras, não interessou antes editoras francesas.  

“O que eu sei é que esse livro é um livro que eu lia, em português, para a minha filha quando ela era criança. Não vou apresentar aqui o Sítio do Picapau Amarelo, o Monteiro Lobato. Todo mundo conhece, mas na França ninguém conhecia. A Anne Lima da Editora Chandeigne-Lima gostou do livro em português e falou: ‘vamos fazer?’” 

A tradução francesa de “O Saci” é ilustrada pela francesa Herbéra. A contracapa descreve em uma frase a personalidade desse mito simbolizado por um menino negro, de uma perna só, de gorro vermelho e cachimbo na boca: “O saci não faz maldade grande, mas não há maldade pequenina que não faça.” “As ilustrações são lindas. Acho que é uma das edições mais bonitas do "Saci" feitas até hoje”, afirma Mathieu Dosse. 

 

Racismo em Lobato 

Franco-brasileiro, Mathieu Dosse é um tradutor experiente, já traduziu clássicos da literatura brasileira, como Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, e foi premiado duas vezes na França por sua tradução de “Estas Estórias”. Ele diz que apesar de centenário, esse texto “genial” do Monteiro Lobato está muito atual e foi um prazer traduzi-lo. Para isso, contou com a ajuda da filha. 

“Eu acho que foi o único livro que eu traduzi que eu li depois duas vezes em voz alta, incluindo uma vez com a minha filha. Ela, de vez em quando, falava: ‘mas espera aí, isso aí está um pouco estranho. Ela me ajudou”, conta, orgulhoso. Segundo Mathieu, esse trabalho de leitura oral foi necessário “porque as crianças podem ler (sozinhas) a partir de uma certa idade, mas não é uma linguagem feita só para um público infantil. É uma linguagem que é bonita para os adultos também. Então, é muito interessante quando os adultos leem o livro para a criança e mostram as ilustrações”, completa. 

Recentemente a obra de Monteiro Lobato, está envolvida em grande polêmica devido a expressões e elementos que reforçam estereótipos raciais no Brasil. O racismo na obra de Lobato foi até parar no Supremo Tribunal Federal. Alguns tradutores optam por suprimir as passagens polêmicas, outros por fazer notas de pé de página contextualizando os trechos.  

Mathieu Dosse defende que em “O Saci”, ao contrário de outros livros do autor, não tem frases que “podem chocar” ou que sejam “estranhas para nosso olhar de hoje em dia”. Ele garante que, ao traduzir, não precisou suprimir nenhuma frase, apenas mudou um pouquinho algumas palavras. “Quando ele (Lobato) lembra, sempre falando da tia Anastácia, a negra, por exemplo, você não precisa falar em francês 'la noire'. Não é necessário, e não é uma questão de censurar o autor. É simplesmente que em francês não se fala assim. Quando ele bota a negra fez isso, eu posso falar a velha senhora ou voltar a usar tia Anastácia", argumenta. 

No final do livro, Dosse contextualizou em um posfácio para um público francês, o universo do Monteiro Lobato, de uma família branca, com dois servidores negros. “A gente que é brasileiro sabe que tem uma questão forte do Brasil (racismo), ainda importante, mas esse livro do Saci não contém nada que me pareça problemático”, ressalva. 

Tradução de “Puro” de Nara Vidal 

No Salão do Livro de Paris, além de “O Saci”, Mathieu Dosse também estará lançando a tradução de um outro livro “Puro” de Nara Vidal, publicado na França pela La Place. O romance, vencedor do prêmio APCA em 2024, aborda justamente o racismo no Brasil. 

“É engraçado porque são 2 livros que que tem essa questão racial. O ‘Puro’, da Nara Vidal, só fala disso. É um livro extraordinário”, salienta. O livro se passa nos anos 1930 no interior de Minas Gerais. Ele conta a história de três senhoras, irmãs, que moram em um casarão, e de meninos de rua negros que desaparecem. “É uma história terrível. É um pouco fantástico, quase no limite da realidade, que denuncia o racismo e até o eugenismo brasileiro, inclusive com documentos oficiais que ela põe nas primeiras páginas do livro”, descreve. 

A escritora Nara Vidal também vai estar neste sábado (12) no pavilhão brasileiro Salão do Livro de Paris para o lançamento de “Puro” em francês. A participação brasileira no evento é uma iniciativa de Embaixada do Brasil em Paris, em parceria com a Livraria Portuguesa & Brasileira e com o Instituto Guimarães Rosa, do Ministério das Relações Exteriores. O Festival do Livro de Paris fica aberto ao público até domingo (13), no Grand Palais.