Médica brasileira apresenta em Paris estudo sobre aplicativo da OMS para diagnosticar hanseníase
01 October 2025

Médica brasileira apresenta em Paris estudo sobre aplicativo da OMS para diagnosticar hanseníase

RFI Convida

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A dermatologista e professora de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Patricia Deps, é membro do grupo de assessoramento técnico do Programa Global de Hanseníase da Organização Mundial da Saúde (OMS), e vice-presidente do setor Américas da International Leprosy Association. No Congresso anual da Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia, realizado em Paris de 17 a 20 de setembro, ela conversou com a RFI sobre um estudo que coordenou sobre a precisão de um aplicativo que usa a Inteligência Artificial (IA) para identificar doenças de pele.  

A ferramenta foi lançada pela OMS em 2023 e já está funcional em versão beta. O objetivo, no futuro, é que os algoritmos da IA deste aplicativo detectem cerca de 20 doenças, entre elas 12 cutâneas consideradas doenças tropicais negligenciadas, como a hanseníase.

Deps coordenou a curadoria de um banco de imagens coletadas durante cerca de 30 anos, e a validação de algoritmos para verificar a precisão da tecnologia do aplicativo para diagnósticos. O trabalho foi realizado com o apoio de uma equipe de dermatologistas especialistas em hanseníase no Brasil, na Nigéria e com a parceria da OMS.

O resultado foi positivo, destaca a médica: “Os algoritmos performaram bem e houve espaço para retreino, porque eles podem ser retreinados e podemos guiar como isso pode ser feito, dizendo onde ele errou, para que ele melhore sua performance”.

Segundo Deps, o objetivo é que o aplicativo seja usado no mundo inteiro. O download dele já está disponível para smartphones, com versão em vários idiomas, atualmente com a função educativa, no aguardo do formato que incluirá os diagnósticos por meio da IA.

“Por exemplo, se você quer pesquisar sobre leishmaniose, o aplicativo tem um mapa da distribuição geográfica, aborda aspectos clínicos, oferece imagens das lesões. O objetivo é ajudar a população em geral e os profissionais da saúde”, diz.

Ainda na atual versão, o aplicativo conta com informações como formas de detecção de doenças, exames que podem ser feitos, medicamentos a serem utilizados, quais serviços hospitalares disponíveis, entre outros. “É uma ferramenta extremamente rica para o processo de educação em saúde. Quando for liberada a parte da Inteligência Artificial, também poderemos contar com esse suporte para diagnóstico”, destaca.

Desafio para especialistas e pesquisadores

Deps lembra que a hanseníase é endêmica em vários países e o Brasil é o segundo com o maior número de casos, ficando atrás apenas da Índia. “É uma doença extremamente estigmatizante com uma capacidade altíssima de causar incapacidades físicas e mentais”, diz. 

Conhecida por ser uma das doenças mais antigas da humanidade, seu agente infeccioso foi identificado em 1873 pelo dermatologista norueguês Gerhard Armauer Hansen. A patologia também tem um trágico histórico de marginalização, exclusão e segregação das pessoas afetadas por ela ao longo de séculos.

“Por isso, ela demanda um diagnóstico precoce e esse aplicativo vem exatamente com este objetivo: acelerar a detecção desta doença, principalmente em países com um número baixo de especialistas ou que têm pouco treinamento para profissionais de saúde reconhecê-la”, reitera.

Deps ressalta que a hanseníase ainda é um desafio para a comunidade científica, apesar da evolução das tecnologias, pesquisas e tratamentos, como a poliquimioterapia instituída pela Organização Mundial da Saúde nos anos 1980.

“A gente não conseguiu ainda eliminar a doença do planeta”, lamenta. “Ela está presente em todo o território brasileiro de forma heterogênea. Mas é negligenciada pelo poder público, pelos próprios profissionais de saúde, porque a indústria não tem interesse de produzir medicamentos e testes de diagnósticos sofisticados, então a gente não consegue avançar tanto”, reitera.

A médica destaca as consequências de um diagnóstico tardio da hanseníase, entre elas, danos neurais irreversíveis, que muitas vezes acontecem simultaneamente às lesões cutâneas. “Com isso, o paciente tem uma incapacidade física às vezes desenvolvida em questões de dias, com uma qualidade de vida totalmente deteriorada”, diz.

Por isso, para ela, é importante comunicar que a hanseníase tem cura, uma informação que nem sempre chega ao público. “O medicamento é distribuído através de uma parceria da OMS com os países e a indústria farmacêutica. No Brasil, pelo SUS o tratamento é 100% gratuito”, ressalta.