O premiado escritor brasileiro Itamar Vieira Junior está na França para participar de uma série de eventos. O autor do romance “Torto Arado”, um dos maiores fenômenos da literatura brasileira dos últimos tempos, veio à França para participar de uma série de eventos literários. Em entrevista à RFI, ao falar da diversidade atual da literatura brasileira, festejou que há muito tempo “o Brasil não via um público leitor tão interessado na literatura brasileira”.
Itamar Vieira Junior foi um dos convidados do importante festival literário francês Étonnants Voyageurs. O evento que acontece em Saint-Malo, porto da região da Bretanha, homenageou este ano o Brasil e a diversidade da produção literária contemporânea brasileira. Em Paris, Itamar Vieira Junior continuou os encontros com o público francês para falar de sua obra
“Torto Arado” (Todavia, 2019) foi amplamente aclamado no Brasil e em vários outros países. Vencedor dos prêmios Jabuti e Oceanos, o livro já foi traduzido para 31 línguas e vendeu mais de um milhão de exemplares. O autor baiano assegura que “não imaginava que fosse encontrar tantos leitores, nem mesmo no Brasil, pelo anacronismo da história”.
O romance se passa em uma comunidade rural do interior da Bahia e conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia, abordando temas como a luta pela terra, ancestralidade e herança dos quase 400 anos de escravidão no Brasil. Nos encontros com público pelo mundo, e agora aqui na França, ele percebe que os leitores se fixam na história pela “vida que as personagens oferecem”.
“Essa é uma história que, independentemente de onde estejamos, fala de algo que é vital para o ser humano, que é o direito à terra, o direito ao território. Nos grandes conflitos do mundo hoje, o território está em disputa”, define.
Outro tema do livro que atravessa várias culturas, como a brasileira, a francesa ou a americana, é a memória sobre a escravidão e a hstória colonial. "É algo que ainda está presente. A nossa maneira de habitar o mundo é uma maneira inaugurada com o colonialismo, de exploração da natureza e do ser humano ao extremo”, relaciona.
Diversidade da literatura contemporânea brasileiraItamar Vieira Junior participou ao lado de outros escritores brasileiros, como Djamila Ribeiro, Bernardo Carvalho ou Jeferson Tenório, do Festival Étonnants Voyageurs, realizado de 7 a 9 de junho. Um “Outro Brasil”, ou a diversidade da literatura brasileira, foi promovido pelo evento literário francês.
O autor baiano, que critica com frequência uma certa literatura elitista e defende a literatura popular, festeja a multiplicidade de autores brasileiros contemporâneos sendo publicados, encontrando um público e tendo concretamente mais visibilidade. “Autores que começaram a publicar agora e que trazem essa experiência de um Brasil mais diverso, de um Brasil mais plural”, salienta.
Segundo ele, "há muito tempo, desde Jorge Amado, o Brasil não via um público leitor tão interessado na literatura brasileira. E isso é bom porque é uma literatura, que aos poucos, vai ganhando contornos da cara do Brasil”.
Novos projetosNa França, o “Torto Arado” foi publicado em 2023 pela editora Zulma, com tradução do talentoso escritor Jean-Marie Blas de Roblès, que já viveu no Brasil e conhece muito bem o país. Em 2024, Itamar Vieira Junior venceu o prêmio francês Montluc de Resistência e Liberdade. Um prêmio que o escritor considera “simbólico” para a sua obra.
“Salvar o Fogo”, o segundo romance da trilogia da terra do autor, também vencedor do prêmio Jabuti, já foi traduzido para 12 idiomas, mas por enquanto ainda não foi lançado na França. Itamar Vieira Junior já terminou a escrita e se prepara para o lançamento do terceiro volume.
“Coração sem medo” será publicado no final do ano no Brasil e no início de 2026, em Portugal. A história, que fecha a trilogia, se passa em Salvador e “lança luz sobre aqueles que foram absolutamente desterrados, que precisaram migrar para a cidade e refazer suas vidas”, revela.
"Torto Arado" inspira outras expressões artísticasO mega sucesso de “Torto Arado”, lançado inicialmente em 2019, continua pautando a vida de Itamar Vieira Junior e dando menos visibilidade aos seus outros trabalhos. ”É uma espécie de bênção, mas também de maldição quando reduzem o nosso trabalho a um livro”, reflete.
Ele acha “curioso” o que vem acontecendo com seu primeiro romance, que continua a estimular outras formas de expressão artísticas, como uma adaptação audiovisual para a HBO (ainda a ser lançada), a peça de teatro Depois do Silêncio, de Christiane Jatahy, um musical, ou a coreografia “Encantado”, de Lia Rodrigues.
“É um livro curioso, porque acho que chegou no momento certo, no momento que os brasileiros têm se reencontrado com sua história, de dor, mas também de grande resistência. Uma história de grande beleza, que é a história da nossa formação”, pontua.