Dez anos após 'Que horas ela volta?', Anna Muylaert apresenta drama urbano sobre maternidade na Berlinale
17 February 2025

Dez anos após 'Que horas ela volta?', Anna Muylaert apresenta drama urbano sobre maternidade na Berlinale

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Após o sucesso de "Que Horas Ela Volta?", que conquistou o prêmio do público da Berlinale em 2015, a diretora Anna Muylaert desembarca neste primeiro grande encontro do cinema mundial de 2025 com um novo filme, no qual a trama gira novamente em torno da figura de uma verdadeira "Mãe Coragem". Ela refletiu para a RFI sobre a importância dessa figura feminina, comparando-a com a personagem de Regina Casé no filme anterior, destacando como a maternidade ainda é subestimada na sociedade.

Para ela, a mãe é a figura mais importante da sociedade e, ao mesmo tempo, a mais desvalorizada. "Eu acho que a sociedade ainda não entendeu institucionalmente que precisa apoiar a mãe. Por exemplo, se alguém vai casar na igreja, precisa fazer um curso de um mês. Se vai ser enfermeira, faz um curso de dois anos. Se vai ser médica, o curso é de seis anos. Mas a mãe, que é a grande educadora, a menina tem 15, 17, 20 anos, nunca leu um livro, não sabe nem as fases de desenvolvimento da criança. Ela pega a criança no colo e pronto. A sociedade não prepara a mulher para ser mãe, então cada mãe vai puxando sua carroça sozinha", avalia, numa referência à protagonista de seu nome filme, "A melhor mãe do mundo", que atravessa a cidade levando os dois filhos pequenos numa carroça. 

"O urbanismo da cidade não favorece a mãe, não favorece o espírito comunitário que a criança precisa para viver. Eu volto sempre à mãe, porque existem milhares de mães e tipos de mães, da boa à amada, que faz a benção, e outras, a maldição. Eu acho que precisamos evoluir para uma sociedade que se estruture a partir dessa figura, que é a educadora maior", diz a cineasta brasileira.

Muylaert mencionou também a difícil realidade de muitas mães brasileiras que, sem o apoio do pai, se tornam as verdadeiras chefes da família, enfrentando desafios sozinhas. Nesse sentido, a cineasta reflete sobre a importância de se pensar na mãe como parte de uma estrutura coletiva, que vai além da responsabilidade individual: "precisamos começar a pensar a maternidade de forma coletiva", afirmou.

Ana fala também sobre a personagem de seu filme, comparando-a com Eunice Paiva, a mãe do filme "Ainda estou aqui", interpretada por Fernanda Torres, de Walter Salles. "A semelhança entre as duas personagens está no fato de enfrentarem sozinhas a violência do mundo, tentando proteger seus filhos e não transparecer as dificuldades que encaram. Eu vejo semelhanças porque a Eunice, da mesma forma, está enfrentando uma barra sozinha. E eu acho que é responsabilidade da mãe não passar a sua dor para o filho, o que é muito difícil. Tem muita mãe que, inclusive, usa o filho como terapeuta ou como melhor amigo. Os problemas da mãe acabam indo parar no filho. Por isso existem essas 'maldições' de geração para geração. Então, a mãe que consegue estancar a violência para a próxima geração, é a melhor mãe do mundo", diz a cineasta. "Sim, eu vejo similaridades".

Sobre o filme, a diretora compartilha sua expectativa para a estreia mundial na Berlinale, destacando que o momento de apresentação ao público é o mais importante, pois é nesse instante que o filme realmente ganha vida e é entendido. "Esse é o momento em que o filme realmente 'nasce' e a gente entende o que ele realmente é. Então, eu preparei esse prato, esse bolo, com todo amor do mundo, e amanhã vou saber que cheiro ele tem", brinca.

Retorno do cinema brasileiro

Muylaert se mostra otimista quanto ao retorno do cinema brasileiro, que passou por uma pausa durante o governo anterior, mas agora, está retomando um fluxo de criação. "O cinema está aos poucos retomando depois de uma pausa com os governos de direita. Eu acho que o governo Lula está ajudando a retomar esse fluxo e as equipes técnicas e artísticas, nós já temos qualidade, uma qualidade que vem sendo desenvolvida desde os anos 1990. Nós temos tudo para fazer grandes filmes", acredita a diretora.

Em relação ao Oscar, Anna Muylaert, que é membro da academia, comenta sobre a dificuldade deste ano devido à polêmica em torno de "Emília Perez". A diretora acredita que o filme brasileiro tem grandes chances de ganhar na categoria de Melhor Filme Internacional, e também fala sobre as chances da atriz Fernanda Torres, destacando que, embora Demi Moore seja a favorita, Fernanda é a segunda mais cotada. "Voto, já votei este ano. Foi o ano mais difícil de votar desde que comecei a votar para a academia, por causa de tantos debates em cima do filme Emília Perez. Este ano, o voto se tornou muito político", avalia.

Ao final, Ana reflete sobre a polarização política crescente no mundo e a influência da extrema direita, mencionando a relação com a tecnologia e a dominação das corporações. "Eu acho que o mundo nunca esteve tão polarizado. Desde que nasci, nunca vi uma radicalização tão grande. Acho que isso vem da internet, né? O mundo está se tornando uma grande corporação", analisa.

"Os Estados Unidos estão virando uma oligarquia. Os bilionários da tecnologia estão dominando, e a gente está sendo dominado. Estamos aqui, falando pelo WhatsApp. Acho que estamos numa situação bem complicada, muito orwelliana. A extrema direita, a direita, está com a tecnologia na mão. Eu acho que estamos em uma situação bastante perigosa para a humanidade, porque os números estão valendo mais do que a poesia ou a humanidade. E ainda vem mais por aí. Acho que estamos num momento bem perigoso", conclui a diretora.

O filme "A melhor mãe do mundo", de Anna Muylaert, estreou mundialmente na seção Berlinale Special neste sábado (15), na capital alemã, e deve entrar em cartaz no Brasil apenas em agosto de 2025.