
'Cirurgia robótica se democratiza': médico brasileiro destaca avanços em congresso mundial
RFI Convida
O Congresso Mundial de Cirurgia Robótica, encerrado no domingo (20) em Estrasburgo, no leste da França, revelou avanços na democratização dessa tecnologia. A RFI conversou com o ginecologista paulista Giuliano Borrelli, especialista em cirurgia minimamente invasiva e cirurgião robótico. Durante o congresso, ele apresentou trabalhos relacionados com a endometriose, doença que se caracteriza pela presença de tecido endometrial, normalmente encontrado apenas no útero, em outras partes do corpo.
Com entusiasmo, o médico paulista disse à RFI que uma das grandes novidades vistas nesta edição do Congresso internacional, que tem se tornado um dos maiores eventos no mundo nessa área, foi "um caminho para a democratização da cirurgia robótica".
Segundo o cirurgião Giuliano Borrelli, os principais países que hoje atuam com essa tecnologia enfrentam uma dificuldade comum, que são os custos associados a esse tipo de operação. "A cirurgia robótica é praticada há 15 anos no Brasil, mas a gente esbarra muito nessa questão do custo" elevado do procedimento.
Ele conta que durante quase 18 anos, só existia uma única empresa no mundo que possibilitava esta cirurgia para diferentes especialidades, como ginecologia, cirurgia geral, cirurgia torácica e urologia. Esse fabricante pioneiro, dos Estados Unidos, manteve a patente da ferramenta, dificultando a redução dos custos.
"O que a gente viu nesse Congresso, em 2025, é que dois anos depois da quebra da patente, nós já temos pelo menos oito a dez concorrentes da indústria no mundo inteiro, em diferentes países, fazendo com que esta competição saudável torne o preço e o acesso muito maior", destacou o médico.
"Países como China, Japão, Reino Unido e Coreia do Sul estão com tecnologias próprias, além dos Estados Unidos, que foram os pioneiros. São muitas as alternativas de plataformas que estarão disponíveis no mercado mundial e, com certeza, isso trará mais acesso. Podemos, sim, falar em democratização da cirurgia robótica", ressaltou Borrelli, expressando satisfação em relação a esse novo cenário.
Precisão e segurançaA endometriose é uma doença que atinge milhões de mulheres no Brasil e no mundo, com consequências para a vida da pessoa: dores crônicas e dores relacionadas principalmente ao período menstrual, reconhecidas como incapacitantes para a paciente.
"As mulheres portadoras de endometriose têm nos seus períodos menstruais, nos seus ciclos, o momento de maior exacerbação dos sintomas de dor e são dores que não cessam com medicações convencionais, como anti-inflamatórios e analgésicos", assinala o ginecologista. "Esses casos são aqueles que normalmente precisarão de um tratamento cirúrgico para remover as lesões de endometriose", explica Borrelli.
A patologia ainda atinge os órgãos relacionados à parte reprodutora: útero, ovários, tubas uterinas e órgãos ao redor do útero, como bexiga, intestino, podendo comprometer a fertilidade. Em cerca de 50% dos casos, estima-se que a fertilidade da mulher pode ser afetada. "A cirurgia é desafiadora porque precisamos remover a doença desses órgãos e tecidos, mas ao mesmo tempo temos que preservá-los para que essas mulheres jovens tenham ainda o seu futuro reprodutivo mantido", destaca Borrelli.
Para essa doença, a cirurgia robótica se mostrou ainda mais segura e eficaz, afirma o médico, sobretudo no aspecto da precisão.
"Ela adiciona a visão em três dimensões. Então, diferente da tecnologia da videolaparoscopia convencional, nós temos na robótica uma visão em 3D, o que traz uma maior capacidade de identificarmos os tecidos doentes e os tecidos sadios", aponta. Outro aspecto inovador é que "o braço do robô é calculado de uma maneira que o braço humano não conseguiria replicar", detalha Borrelli, oferecendo precisão e segurança para o cirurgião. As operações robóticas proporcionam menos sangramento, melhores resultados na recuperação e volta mais rápida às atividades normais do paciente.
IA vai acelerar treinamento de novos cirurgiõesBorrelli, que tem uma clínica especializada em endometriose em São Paulo, contou que pôde utilizar durante o congresso francês um simulador equipado com a quinta geração de software da principal plataforma de cirurgia robótica usada há vários anos no Brasil e no mundo – que opera com um software de quarta geração.
"Essa quinta geração traz uma série de novas características, como a integração da inteligência artificial e do machine learning, que vão possibilitar ainda mais segurança para cirurgias e para os cirurgiões, principalmente aqueles em fase de aprendizado", explica. Uma das novidades, segundo Borrelli, é que a inteligência artificial embutida dentro da plataforma robótica poderá oferecer feedbacks em tempo real durante o procedimento, apontando o caminho de ação ideal para o cirurgião.
"Dentro da cirurgia, baseado em milhões de dados que são coletados ou já foram armazenados ao longo desses primeiros 20 anos, desde que a tecnologia existe, o machine learning associado à inteligência artificial poderá trazer ainda mais segurança no sentido de não permitir, por exemplo, que uma estrutura importante seja lesionada durante a intervenção por algum cirurgião ainda com pouco conhecimento cirúrgico. Eles estão olhando muito para isso, para o treinamento de novos cirurgiões. E fazendo com que a curva de aprendizado seja ainda mais curta", conclui o ginecologista paulista.