A diretora brasiliense Rafaela Camelo estreou mundialmente no último dia 14 de fevereiro seu primeiro longa-metragem, A Natureza das Coisas Invisíveis, na 75ª edição da Berlinale, em Berlim. O filme abriu a mostra internacional Generation Kplus. A cineasta, que já havia sido selecionada para o festival na capital alemã, em 2023, com o curta Miçangas, compartilhou sua experiência e falou sobre a estreia na direção de um longa abordando o olhar das crianças sobre a morte.
Márcia Bechara, enviada especial da RFI a Berlim
O filme A Natureza das Coisas Invisíveis abriu a mostra Generation Kplus, dedicada a histórias que exploram o universo infanto-juvenil. "Foi a primeira vez que exibimos o filme para grande parte da equipe, então havia uma ansiedade nossa para ver como seria a recepção do público", contou a diretora Rafaela Camelo.
A sessão, que aconteceu na mostra Generation Kplus, onde a obra concorre com filmes internacionais selecionados pelo festival berlinense, foi marcada por um público predominantemente infantil, com cerca de mil crianças. Mesmo com as barreiras culturais e de idioma, a cineasta se disse impressionada com a capacidade das crianças alemãs de reagirem e se envolverem no filme. "Foi interessante ver como elas se emocionaram e fizeram perguntas. Elas conseguiram se conectar com a história", relatou.
O olhar das crianças sobre a perdaA diretora, natural de Brasília, também falou sobre a inspiração por trás de A Natureza das Coisas Invisíveis. "O filme conta a história de duas garotas de 10 anos que enfrentam a perda e o luto. Elas se conhecem em um hospital e acabam formando uma forte conexão. O filme tem um tom agridoce, falando sobre amizade, luto e perda. Ele também explora como a infância usa a imaginação e a fantasia para dar sentido às experiências da vida", explicou a diretora.
A curiosidade infantil sobre o desconhecido molda a trajetória das protagonistas e reflete na estrutura narrativa do filme, que se divide em duas partes: uma ambientada no hospital e outra em um refúgio no interior de Goiás. “É uma metáfora estrutural, como se, naquele ponto, o filme da forma que foi apresentado tivesse que morrer para outro se formar”, contextualiza Camelo.
O tema do envelhecimento, da morte e dos cuidados paliativos, abordado pela perspectiva de duas crianças, também faz parte das temáticas do primeiro longa da diretora. "Existem muitos filmes sobre o amadurecimento ou sobre o luto e a morte, muitos ambientados em hospitais. Eu queria trazer algo novo, colocando uma criança nesse meio e explorando sua perspectiva", comentou Camelo.
Para a cineasta, a fantasia e a imaginação seriam "ferramentas essenciais" para dar significado a esse tipo de experiências. "Eu queria mostrar que a perspectiva das crianças, ao olhar para a morte, também é válida. Não é um sonho ou delírio, mas uma forma legítima de dar sentido ao que está acontecendo", afirmou.
Retomada do cinema brasileiroSobre o processo de filmagem, a diretora explicou que o longa é uma coprodução entre Brasil e Chile, e vinha sendo desenvolvido desde 2018. A captação de recursos e as filmagens ocorreram na capital federal. "O encontro com a equipe chilena foi fundamental para o financiamento do filme e para estabelecer essa sua marca internacional", revelou.
Perguntada sobre a retomada do cinema brasileiro, Rafaela falou sobre a situação atual do setor. "No Brasil, vivemos um ano de cada vez. Em 2025, a Berlinale teve 12 filmes brasileiros na programação oficial, o que é um sinal positivo. As histórias brasileiras têm o poder de alcançar o público internacional", destacou. No entanto, ela também ressaltou que a situação do cinema brasileiro ainda é imprevisível. "Não podemos dar tudo como certo, embora este ano tenha sido mais participativo. Espero que essa presença na Berlinale seja uma tendência, um costume, e não uma exceção", afirmou.