O Brasil celebra nesta quarta-feira (16) o primeiro Dia Nacional da Lembrança do Holocausto. A data comemorativa, instituída no ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após aprovação do Congresso, foi escolhida em homenagem ao embaixador brasileiro Luiz Martins de Souza Dantas, que salvou centenas de pessoas do nazismo.
O historiador Fabio Koifman, biógrafo do diplomata, considera a celebração essencial, especialmente nesse momento de aumento da intolerância, para que as pessoas tenham como referência alguém que foi um "anteparo contra a violação dos direitos humanos perpetrada por um Estado".
Luiz Martins de Souza Dantas (1876–1954) foi embaixador do Brasil na França durante a Segunda Guerra Mundial. Contrariando a política do governo brasileiro da época, liderado por Getúlio Vargas, ele concedeu vistos e salvou centenas de pessoas ameaçadas pelos nazistas, principalmente judeus. Por isso, é reconhecido hoje como "Justo entre as Nações", título atribuído pelo Memorial do Holocausto (Yad Vashem), em Israel. A atuação heroica e extraordinária de Souza Dantas na França permaneceu esquecida até os anos 1980.
O trabalho de pesquisa do historiador Fabio Koifman, que publicou em 2002 a biografia "Um Quixote nas trevas", foi fundamental para o resgate da memória do embaixador. O pesquisador reuniu mais de 7.500 documentos e diz que mais de 500 pessoas foram salvas por Souza Dantas.
O diplomata não foi o único brasileiro reconhecido como "Justo entre as Nações". Aracy de Carvalho, companheira de Guimarães Rosa, que ajudou pessoas perseguidas pelo nazismo no Consulado-Geral do Brasil em Hamburgo, também recebeu o título do Memorial do Holocausto. Contudo, a homenagem a Souza Dantas destaca-se por sua ação mais ampla e decisiva.
"Intolerância generalizada"
O professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) atuou para a escolha de 16 de abril, data da morte do embaixador, para marcar o Dia Nacional da Lembrança do Holocausto. As vítimas do regime nazista já são lembradas em todo o mundo, anualmente, em 27 de janeiro. Mas para Fabio Koifman, esse dia nacional também era realmente necessário, principalmente nesse momento de “intolerância generalizada” e aumento do “racismo”.
“Uma série de valores, que a gente imaginou que já estavam sedimentados, parece que estão se esvaindo, como uma questão de empatia em relação aos que sofrem, aos refugiados, aos dramas, aos grupos que são vítimas de violação dos direitos humanos”, ressalta o historiador.
Segundo ele, a data é “importante, especialmente para o Brasil ter como referência alguém que atuou em sentido contrário, para se dizer que existiram pessoas que foram solidárias e empáticas, que agiram contrariando os próprios interesses colocando em risco, e foram anteparo para a violação dos direitos humanos perpetrado por um Estado, por uma organização”.
Aproximar os brasileiros da história do HolocaustoA lembrança da atuação de um "personagem brasileiro" aproxima a população dessa temática, acredita o historiador. Ele destaca que o antissemitismo cresceu significativamente no mundo nos últimos anos, especialmente após o conflito na Faixa de Gaza, e o Brasil também sente esse impacto.
"Não é apenas o antissemitismo, mas também o racismo e a homofobia. Todo esse conjunto de intolerâncias parece estar relacionado com a forma como a internet e os grupos sociais atuam. As pessoas, principalmente os mais jovens, acabam se radicalizando, e uma intolerância generalizada emerge ou se desenvolve", avalia Koifman.
O historiador destaca que "é importante educar, mas que só a educação não é suficiente; é necessário haver penalização criminal para aqueles que se manifestam de forma racista". Ele considera a legislação brasileira contra discriminação, racismo e crimes de ódio eficaz, mas acredita que ela pode ser aprimorada. "Esperamos que o mundo digital, da internet e das redes sociais, embora mais complexo, também seja alvo de punições. Esta é a forma de construir, a longo prazo, uma sociedade mais justa, com valores comuns para indivíduos, comunidades e direitos humanos", conclui.
A partir de agora, o Dia Nacional da Lembrança do Holocausto será celebrado anualmente em 16 de abril.