Brasil em Avignon: presidente da Funarte defende 'formação, difusão e permanência' nas artes internacionais
25 July 2025

Brasil em Avignon: presidente da Funarte defende 'formação, difusão e permanência' nas artes internacionais

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No Festival de Avignon de 2025, o Brasil ocupou um lugar de destaque como país homenageado da mostra paralela do maior evento de artes cênicas do mundo, em cartaz até o dia 26 de julho no sul da França. À frente dessa missão estava Maria Marighella, presidente da Funarte, que, em entrevista à RFI falou sobre os desafios, os significados e os desdobramentos dessa presença brasileira em solo francês. 

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“É uma alegria estar aqui de novo, falando das nossas experiências, mas agora dentro desse ano cultural, esse ano de diálogo Brasil-França, França-Brasil, com nossas perspectivas comuns, tarefas, responsabilidades e, sobretudo, sonhos compartilhados”, afirmou Marighella, destacando o caráter "simbólico e político" da participação brasileira.

A presença brasileira em Avignon não é inédita, mas desta vez, segundo a presidente da Funarte, o objetivo foi mais ambicioso: apresentar um panorama amplo, "polifônico" e representativo da cena artística nacional. “O que nós imaginamos é que o Brasil seja lido não apenas por uma obra ou por artistas isolados, como se fossem descobertos. Um país sabe se contar quando consegue apresentar sua multiplicidade, seu conjunto”, explicou.

A construção dessa participação envolveu uma articulação complexa entre instituições públicas, artistas, curadores e organizações culturais. A parceria entre a Funarte, a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) e a associação francesa Avignon Festival & Compagnies (AF&C) foi fundamental para viabilizar a vinda de 13 espetáculos brasileiros ao festival. “Isso exige a promoção de consensos entre agentes, governos, instituições, estéticas e vozes. Estamos muito felizes de ter conseguido apresentar esse conjunto do que somos”, disse.

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Presença internacional mais "permanente"

Para Marighella, o ano cultural Brasil-França funciona como uma plataforma de "experimentação e diplomacia cultural". Mas ela ressalta que a ambição da Funarte vai além da temporada cruzada. “Queremos uma presença mais permanente, mais estruturante. Estar aqui não é mais apenas prospecção, mas também uma forma de pensar políticas que garantam a continuidade de ações.”

Um dos destaques da participação brasileira foi o programa de formação voltado à nova geração de artistas. Em parceria com o Avignon Off — a mostra paralela do festival, conhecida por sua diversidade e experimentação — a Funarte selecionou, por meio de edital público, jovens artistas brasileiros de até 29 anos para residências artísticas em Avignon e Lyon, nas áreas de teatro e dança.

“É uma missão importantíssima. Esses jovens estão em processo de formação e agora têm acesso a um espaço de intercâmbio internacional. Eles participam de uma comitiva de mais de 80 jovens de vários países, com oficinas, mediações, ingressos para espetáculos. É uma forma de viver Avignon de maneira protegida, no melhor sentido da palavra: com mediação, com apoio institucional”, explicou Marighella.

Segundo a presidente da Funarte, esse tipo de ação é essencial para uma política de internacionalização das artes brasileiras que inclua também a formação. “Estar em Avignon não é apenas estar na França. É estar num território internacional. Este ano, por exemplo, o festival dedica sua programação à língua árabe. Estamos falando de políticas de fronteira, de territorialidades, temas que também são fundamentais para o Brasil.”

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Ela também destacou a importância de levar não apenas espetáculos, mas pensamento crítico e conceitual. “Internacionalizar não é apenas garantir que uma obra seja vista, mas tornar um pensamento relevante em um contexto além do nosso país”, disse, citando a fala da intelectual Leda Maria Martins. “Estar presente com uma mirada conceitual é tão importante quanto apresentar trabalhos.”

Para a presidente da Funarte, a Plataforma Brasil, organizada pela MITsp, cumpre um papel estratégico. Criada inicialmente como "uma janela para a produção contemporânea brasileira", a plataforma foi convidada a integrar a programação desta temporada cruzada de 2025, apresentando uma seleção de obras "que dialogam com o pensamento crítico e a diversidade estética do país". “Ela articula criadores e curadores, promovendo não só visibilidade, mas também circulação e difusão internacional”, explicou Marighella.

Entre os destaques da programação, ela mencionou Azira'i, obra que, segundo ela, rompe com a ideia de que "a cena indígena está restrita à tradição". “Estamos colocando a cena indígena brasileira numa cena contemporânea, que se conta por si”, afirmou. Outros trabalhos como A História do OlhoNastácia e Roda Favela também compõem esse panorama.

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Questionada sobre os desafios de representar a diversidade brasileira em um único festival, Marighella foi direta: “O mais difícil para o Brasil não é a diversidade, é a infraestrutura. Muitas vezes é mais fácil chegar a Avignon do que a certos territórios do próprio Brasil.”

Para ela, é fundamental equilibrar os investimentos entre a difusão internacional e a garantia de acesso à cultura dentro do país. “Não é razoável que um país do tamanho do Brasil, com a força criadora que tem, não esteja na programação oficial dos principais festivais do mundo. Mas é preciso começar de algum lugar.”

A presença brasileira em Avignon, para ela, é mais do que "uma vitrine": é um "gesto político, uma afirmação de identidade e uma aposta em continuidade". “Se não começarmos a enfrentar essas distâncias, elas só vão se aprofundar. O que estamos fazendo aqui é um primeiro passo para que essas distâncias sejam cada vez menores.”