RFI Convida
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Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
Fotógrafo francês lança livro sobre capoeira, candomblé e carnaval, rituais ‘emblemáticos’ da cultura brasileira
09 January 2025
Fotógrafo francês lança livro sobre capoeira, candomblé e carnaval, rituais ‘emblemáticos’ da cultura brasileira

O livro “Rituels du Brési” (Rituais do Brasil), de Stéphane Herbert, apresenta ao público francês um panorama visual de três manifestações emblemáticas da cultura brasileira, e em particular de Salvador da Bahia: a capoeira, o candomblé e o carnaval. Apresentado como um “caderno de fotografia”, a obra é lançada pela editora Hemisphères como parte dos eventos da temporada cultural cruzada França-Brasil de 2025.

As fotografias coloridas e de muito contraste de “Rituais do Brasil” revelam a história dos três rituais, que segundo o fotógrafo “refletem a alma da civilização brasileira”. O trabalho também testemunha a relação de mais de 30 anos de Stéphane Herbert com o Brasil.

O livro é uma homenagem ao fotógrafo e etnólogo francês Pierre Fátúmbi Verger, que viveu e morreu em Salvador em 1996. Foi o trabalho de Verger, um dos primeiros a revelar ao mundo a força e a beleza dos rituais afro-brasileiros, que levou a então jovem Stéphane Herbert ao Brasil. O mestre, que também era babalaô, pai do segredo, no candomblé, o influenciou muito.

“Eu não tive a chance de frequentar ele muitas vezes porque cheguei na Bahia no fim da vida dele, mas eu tive a chance de mergulhar na biblioteca dele e (isso) abriu muitas portas para a minha compreensão desse mundo fascinante”, conta.

Stéphane Herbert continua em “Rituais do Brasil” um diálogo com Verger, “tentando mostrar o que está acontecendo hoje com a cultura afro-brasileira”. O título fala do Brasil, mas as fotografias foram feitas exclusivamente em Salvador e convidam o leitor para um passeio visual pela cidade, “centro do Brasil africano por excelência”.

O trabalho equilibra a abordagem documental e artística. As fotos foram tiradas entre 1995 e 2005 em Kodachrome. A técnica permitiu ao fotógrafo “atualizar também o contexto dessa cultura que hoje é uma cultura que se afirmou plenamente, depois de um longo período de resistência, no segredo”.

As fotos são acompanhadas de legendas, que vão muito além de uma simples descrição ou localização. Os textos são como pequenas resenhas etnográficas sobre a história desses rituais. “Fiz questão de colocar legendas, pequenos textos, para oferecer ao leitor uma coisa mais didática e também emoções (...) para introduzir o leitor a esse mundo”, explica.

Séculos de opressão

Stéphane Herbert acompanhou nesses 30 anos que frequenta o Brasil a evolução desses três rituais. Ele observa que as três manifestações hoje ganharam o mundo. “Depois de tantos séculos de sofrimento, a capoeira se exporta, o candomblé tem a sua tradição, claro, e o carnaval é um convite forte a todo mundo.”

O fotógrafo constata a tensão dos últimos anos no Brasil e o crescimento de atos contra a cultura afro-brasileira, que ele chama de “quase uma guerra de religiões”, mas acredita que “o candomblé, que já passou por 500 anos de opressão, vai superar tudo isso”.

“Rituels du Brésil” chega às livrarias francesas em fevereiro, mas as fotos que compõe o livro podem ser vistas em uma exposição montada na sede da editora Hemisphères, em Paris. O fotógrafo convida a todos para visitar a mostra e como um bom baiano termina a entrevista com um caloroso “axé”.

Clique na foto principal para assistir à entrevista completa.

Unesco cria curso inédito de combate a fake news destinado a influencers
08 January 2025
Unesco cria curso inédito de combate a fake news destinado a influencers

O curso “criadores de conteúdo digital, como ser uma voz confiável online” foi criado pela Unesco, em parceria com o Knight Center de Jornalismo, ligado à Universidade de Austin, no Texas. As aulas online foram ministradas ao vivo no final de 2024, mas os interessados ainda podem acessar o conteúdo de graça na internet.

O curso inédito de combate às fake news destinado a influenciadores e influenciadoras digitais do mundo inteiro já atraiu, no final de 2024, 10 mil pessoas de 160 países. A alta participação é “um sinal muito positivo de que há um desejo por aprender mais, por entender (...) como combater a desinformação, o discurso de ódio e outros problemas que existem no ambiente digital”, acredita Guilherme Canela chefe da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança dos Jornalistas da Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, sediada em Paris.

A formação “criadores de conteúdo digital e jornalistas: como ser uma voz confiável online” tem quatro módulos, que continuam disponíveis na internet, gratuitamente, e em quatro línguas: espanhol, francês, inglês e português.

Antes de propor o curso, a Unesco realizou uma sondagem com influencers do mundo inteiro. O resultado indicou a necessidade urgente de se fazer um curso para combater a desinformação e os discursos de ódio online. Segundo a pesquisa, 2/3 das pessoas entrevistadas confirmaram que não checam as informações que compartilham com seus seguidores. “Esse dado é super preocupante”, salienta Guilherme Canela.

 

Mas a sondagem também revelou um aspecto positivo, ao mostrar que 73% dos entrevistados “reconhecem essa limitação” e têm interesse de receber “mais informações, mais conteúdo sobre todas essas questões”. O curso foi criado fazendo uma ponte entre “os criadores de conteúdo desse novo mundo, os chamados influencers, e o jornalismo, que tem como uma ferramenta básica o processo de checagem das informações, das fontes”, detalha o chefe da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança dos Jornalistas da Unesco.

 

Brasil, país dos influenciadores digitais

Somadas todas as plataformas, o Brasil é o segundo país do mundo com o maior número de influenciadores, atrás apenas dos Estados Unidos. O país tem mais de 10,5 milhões de influencers. A consequência dessa forte presença e pouca checagem de informações é a grande polarização de discursos nas redes.

Guilherme Canela diz que o Brasil não é um dos principais alvos da Unesco nessa batalha contra as fake news e o discurso de ódio online. Ele lembra que a agência da ONU é formada por 194 Estados-membros que recebem a mesma atenção. No entanto, ressalta que o Brasil tem interesse particular “nessa agenda do combate à desinformação”.

As ações contra os atos golpistas de 8 de janeiro, o investimento feito pela presidência brasileira do G20 e os preparativos para a COP30 de Belém são algumas das iniciativas do Brasil citadas pelo chefe da seção para a Liberdade de Expressão e Segurança dos Jornalistas da Unesco. Por isso, a organização “tem trabalhado muito com vários atores brasileiros, inclusive com o governo, mas também com influenciadores, como Felipe Neto, por exemplo “, nessa discussão sobre a desinformação.

 

 

O debate integra “uma discussão mais ampla sobre a governança do ecossistema digital, que é a maneira mais estrutural de combater a desinformação”, indica Guilherme Canela. O tema vai pontuar o ano de 2025 com o aprofundamento de reflexões sobre o impacto da inteligência artificial na desaceleração ou multiplicação de fake news, com o Dia Mundial de Liberdade de Imprensa deste ano, em 3 de maio, sendo dedicado “à liberdade de expressão e inteligência artificial”.

Ditadura é pano de fundo para livro ambientado na periferia de São Paulo nos anos 1970
07 January 2025
Ditadura é pano de fundo para livro ambientado na periferia de São Paulo nos anos 1970

Os anos 1970 pelo olhar de uma jovem que sonha em passar no vestibular, vinda de Mato Grosso para São Paulo. Enquanto a narradora experimenta mudanças radicais em sua vida, procura trabalho e estuda, os anos de chumbo da ditadura se desenrolam nos bastidores. Essa é a trama do novo livro de Mazé Torquato Chotil.

“Mares agitados: na periferia dos anos 1970” é o 14° livro – dos quais cinco são em francês - da jornalista e escritora Mazé Torquato Chotil. Nascida em Glória de Dourados, hoje Mato Grosso do Sul, ela tem doutorado e pós-doutorado na França, onde vive desde 1985.

Boa parte da obra da jornalista franco-brasileira é calcada em experiências pessoais. Ela já escreveu sobre os pais, que deixaram o Ceará nos anos 1950, para participar da colônia agrícola nacional de Dourados.

“Mas o lugar nunca cresceu. Por exemplo, não tinha universidade. Aí os jovens que queriam estudar tinham que ir embora. Eu fui para São Paulo, amigos foram para o Rio de Janeiro, para o Rio Grande do Sul. Eu tive vontade de falar dessa segunda migração de jovens nos anos 1960-1970, em direção aos grandes centros”, conta Chotil.

A autora acompanha a trajetória de uma jovem, que sai do interior do Mato Grosso do Sul para ir estudar e trabalhar em São Paulo. A descrição minuciosa da geografia, das primeiras impressões, das descobertas culturais, traça um retrato sociológico de Osasco, na periferia de São Paulo. Mais do que isso, são experiências vividas à sombra dos anos de chumbo da ditadura militar.

“Eu acompanho a saída da personagem até a chegada em São Paulo. Na época, a rodoviária de São Paulo ali na frente dos trens que chegavam até o centro da cidade. Ela vai também pensando no que estava diferente ou como é que era a vida dela naquele pequeno vilarejo. A ideia é passar no vestibular, mas ela vai ter que trabalhar também, porque os pais não têm muitas condições financeiras”, conta Chotil.

As lembranças imagéticas do livro nos remetem a bacias de alumínio, maças argentinas envoltas em papel de seda azul, à antiga rodoviária de São Paulo com seus losangos coloridos, viagens de trem pelo subúrbio, inauguração do metrô paulistano, surto de meningite e Gil Gomes.

Enquanto a jovem relata suas experiências no cotidiano – procurar um primeiro emprego, as descobertas culturais – uma outra “voz” pincela a realidade da ditadura, que segue em paralelo.

Biografias

Além de se basear nas experiências próprias para seus livros, Mazé Torquato também escreve biografias, como “José Ibrahim: o líder da primeira grande greve que afrontou a ditadura”, que aconteceu em Osasco em 1968, e de “Maria d’Apparecida: une Marie pas comme les autres”, sobre a primeira cantora lírica negra brasileira, que chegou a cantar na Ópera de Paris, mas que morreu em total anonimato em 2017, na capital francesa. Depois da biografia da artista, Chotil criou a Association les Amis de Maria d’Apparecida, que conseguiu que a cantora obtivesse uma placa comemorativa no endereço onde viveu em Paris.  

"Sair da invisibilidade"

Chotil também é agitadora cultural, principalmente do setor literário. Ela fundou a União Europeia de Escritores de Língua Portuguesa para promover livros e autores que vivem no exterior. Há mais de dez anos ela organiza encontros literários em Paris, que atualmente acontecem na Biblioteca Gulbenkian, na Casa de Portugal, na Cidade Universitária.

Ela lembra que dos livros traduzidos para o francês, na França, menos de 2% são de obras em português. “Queremos aumentar essa participação e sair da invisibilidade”, diz. As entrevistas e encontros podem ser assistidos no canal de Mazé Torquato Chotil. 

“Charlie Hebdo abraçou agenda da extrema direita, mas ninguém deve ser fuzilado por suas opiniões”, diz chargista
06 January 2025
“Charlie Hebdo abraçou agenda da extrema direita, mas ninguém deve ser fuzilado por suas opiniões”, diz chargista

Em 7 de janeiro de 2015, o mundo foi abalado pelo ataque terrorista contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo. O atentado, que matou 12 pessoas, incluindo 8 integrantes da redação, reacendeu discussões sobre liberdade de expressão e seus limites. Dez anos depois, o cartunista brasileiro Carlos Latuff, conhecido por seu trabalho politicamente engajado e que também retratou o episódio em uma de suas charges, reflete sobre as consequências do ataque e o papel da charge e da sátira.

Carlos Latuff relembra o impacto da notícia do atentado ao Charlie Hebdo recebida por meio das redes sociais. "Minha reação inicial foi de surpresa, porque até então eu não tinha notícia de chargistas serem alvos de ataques dessa natureza", recorda.

Dias depois do episódio, Latuff criou uma charge, divulgada em veículos da imprensa nacional e internacional, no qual retratava sua visão do ataque cometido pelos irmãos Chérif e Said Kouachi: "Desenhei os dois atiradores disparando contra a sede do Charlie Hebdo. As balas atravessavam o prédio e atingiam uma mesquita na parte de trás, simbolizando que aquela ação teria consequências imprevisíveis contra a própria comunidade islâmica." Segundo Latuff, o atentado acabou alimentando a islamofobia já presente na Europa, particularmente na França.

O cartunista também critica o histórico editorial do Charlie Hebdo. "Não sou fã do trabalho deles. Um jornal que se pretende progressista abraçou um pensamento anti-imigrante e antimuçulmano. No momento em que ele resolveu não fazer uma crítica a respeito da manipulação da religião por parte de determinados líderes islâmicos, mas sim um ataque gratuito e covarde contra a fé islâmica, o Charlie Hebdo abraçou a agenda da extrema direita”, afirma Latuff.

“Isso evidentemente não significa que a resposta a essas charges e ofensas tenha sido justa, obviamente que não. Qualquer pessoa de bom senso não pode aprovar que chargistas, ou quem quer que seja, tenha que ser fuzilado por conta de opiniões. É de se lamentar e de se condenar”, acrescenta.

Para o chargista carioca, a sátira do jornal, em muitos casos, ultrapassou os limites do bom senso. "Se a intenção era simplesmente ofender, como fizeram ao retratar Maomé de maneira ofensiva, isso é infantil e irresponsável."

“Dois pesos e duas medidas”

Na entrevista à RFI, Latuff considera que existem “dois pesos e duas medidas” e uma “hipocrisia da sociedade europeia” em relação à liberdade de expressão. "O Charlie Hebdo não tratou com tanta veemência ou com tanta virulência, por exemplo, a questão palestina e Israel. Quem quer que critique o genocídio que está acontecendo em Gaza hoje é tachado de antissemita, de pronto. Na Europa, naquela época (do ataque ao Charlie Hebdo) e hoje, é muito fácil atacar muçulmanos e imigrantes. É um golpe baixo e fácil", diz.

Latuff comentou ainda porque não aderiu à campanha "Je suis Charlie" (Eu sou Charlie”) lançada na França e que se expandiu por muitos países em solidariedade aos cartunistas e chargistas e em apoio ao jornal satírico após o atentado. "Dizer ‘Je suis Charlie’ significava dizer para mim na época que estava de acordo com a atitude do jornal de ter feito aquelas charges ofensivas contra Maomé e os muçulmanos. Eu lamentei e condenei o ataque. Mas é isso. Perderam a vida em nome da causa da extrema direita que até hoje é contra islâmicos, árabes e imigrantes, que é de se lamentar para um jornal que se propõe progressista”, reitera.

Para Latuff, o atentado ao jornal satírico francês não teve impacto em seu trabalho de chargista, que tem foco em questões políticas. “O papel do chargista, seja numa democracia, seja numa ditadura, é de combate. O chargista é um artista de combate, da trincheira. Mas é preciso ter muita responsabilidade. Caso contrário, uma charge mal feita pode ajudar a criminalizar um segmento, como charges com ataques racistas, xenófobos e islamofóbicos, como tem feito o Charlie Hebdo na França", insiste.

“A meta é disputar as primeiras posições”, diz brasileiro Cadu Sachs em 4ª participação no Rally Dakar
03 January 2025
“A meta é disputar as primeiras posições”, diz brasileiro Cadu Sachs em 4ª participação no Rally Dakar

O Rally Dakar 2025 começou nesta sexta-feira (3) na Arábia Saudita. Nesta 47ª edição, cinco brasileiros participam do rally considerado mais difícil do mundo, entre eles o navegador Cadu Sachs. Aos 28 anos, ele encara a sua 4⁠ª participação no Dakar. Na edição passada, terminou em sétimo lugar na classificação geral ao lado do piloto brasileiro Marcelo Gastaldi.

Nesta edição de 2025, Cadu volta a competir na categoria Challenger para veículos leves, mas desta vez ao lado de outro piloto, o português Gonçalo Guerreiro, de 24 anos, da Red Bull Off-Road Junior team.

Essa nova parceria começou a ser desenhada no Marrocos no ano passado, durante uma etapa do circuito mundial. “Nos conhecemos lá, mas ainda não sabíamos que seríamos uma dupla. Felizmente, deu certo”, relembra Cadu.

Ele destaca o comprometimento e as habilidades do piloto português que vai estar no comando do modelo Taurus T3 MAX: “Gonçalo é muito dedicado e tem bons conhecimentos mecânicos. Acho que temos tudo para fazer uma ótima corrida.”

Evolução no Dakar

Com três edições anteriores no currículo, Cadu sente-se cada vez mais preparado para enfrentar os desafios do deserto saudita. “A cada ano fico mais confortável, aprendendo coisas novas e me familiarizando com o carro, o que é essencial em provas longas como essa”, explica.

Ele também celebra os resultados recentes: “Em 2024, terminamos o Mundial em terceiro lugar, vencemos duas etapas no Dakar e isso contribuiu muito para a evolução.”

Estratégia e desafios do percurso

Para Cadu, a chave do sucesso no Dakar é a estratégia. “Os dias são longos, passamos em média oito horas no carro. É fundamental saber onde atacar, quando diminuir o ritmo e como lidar com problemas mecânicos”, afirma. Ele também destaca a importância do relacionamento com o piloto: “São muitas horas juntos, então é essencial manter uma boa dinâmica.”

Sobre o percurso deste ano, que terá quase 8 mil quilômetros, Cadu prevê dificuldades já nos primeiros dias. “Teremos muita pedra, o que exige gestão cuidadosa dos pneus, especialmente na etapa de 48 horas. É um desafio extra, mas estamos preparados”, garante.

Metas e expectativas

Cadu e sua equipe evitam fixar metas muito ambiciosas para não aumentar a pressão, mas o objetivo é claro: “A gente não quer colocar um peso de uma obrigação, para não colocar mais pressão do que já é. Mas com certeza a gente está com o equipamento bom. Nós vamos brigar ali pelas primeiras posições", afirma.

O otimismo é reflexo da confiança no carro e na equipe. "Tanto em termos de navegação como em termos de pilotagem, acho que todo o conjunto é bom. Carro é bom, a equipe é boa, então eu acho que a meta será disputar as primeiras posições, mas nós não estamos colocando muito esse peso para que isso seja natural”, afirma.

Livro "Dentes de Crocodilo" traz ficção, história e música em trama envolvendo Brasil e França
23 December 2024
Livro "Dentes de Crocodilo" traz ficção, história e música em trama envolvendo Brasil e França

“Dentes de Crocodilo”, terceiro livro do escritor e jornalista Maurício Torres Assumpção, é uma obra que entrelaça ficção contemporânea e literatura histórica, conduzindo o leitor por uma narrativa repleta de mistério, tragédia e música. Ambientado entre o Brasil e a França, o romance, publicado pela editora Leya, é inspirado em pesquisas realizadas pelo autor e resgata figuras históricas importantes, como o compositor Heitor Villa-Lobos e a cantora lírica Elsie Houston.

Segundo Maurício, o ponto de partida para o livro veio de sua extensa pesquisa sobre a comunidade brasileira em Paris, realizada para sua primeira obra, “A História do Brasil nas Ruas de Paris, que deu origem ao podcast de mesmo nome publicado pela RFI Brasil.

Outra parte da investigação, relacionada aos barões do café, resultou na segunda obra do escritor carioca, o romance Cafeína, lançado em 2020. O material coletado era tão rico que ele decidiu também aproveitar para seu mais recente trabalho.

“Quando escrevi Dentes de Crocodilo, ainda aproveitei muito dessa pesquisa, usando agora a vida do Villa-Lobos e da cantora lírica Elsie Houston”, explica o autor. No entanto, desta vez, Maurício optou por criar um romance, inserindo dois personagens contemporâneos que conectam o presente ao passado e dois países, a França e o Brasil.

A trama é narrada por Fernando, que retraça uma amizade de mais de 40 anos com Wagner Krause, um professor brasileiro especializado em Villa-Lobos. “Queria criar um personagem para contar a história do outro. Isso também me permitiu explorar a amizade entre dois homens que se conhecem desde a infância e se reencontram em Paris na maturidade”, revela Maurício. Esse reencontro marca o início de uma jornada que mistura pesquisa acadêmica, paixão e tragédia.

Wagner Krause é apresentado como um professor de cultura brasileira no King’s College, na Inglaterra, que viaja à Sorbonne para ministrar palestras sobre Villa-Lobos. Durante sua estadia em Paris, ele se apaixona por uma misteriosa mulher, desencadeando os eventos dramáticos do livro. “Essa paixão é o começo da grande tragédia da história”, adianta o autor.

Além da ficção, o livro destaca o papel da música brasileira e resgata a trajetória de Villa-Lobos e também de outra figura histórica importante, mas pouco conhecida do grande público, Elsie Houston.

“A parte da pesquisa do Villa-Lobos já estava feita e foi incluída no livro A História do Brasil nas Ruas de Paris. Mas também descobri a existência da Elsie, que foi uma cantora lírica muito importante nos anos 1920”, conta Maurício.  

O autor destaca a relevância de Elsie, não apenas como cantora, mas também como acadêmica. “Ela chegou a dar palestras na Sorbonne e escreveu um livro sobre música brasileira, publicado nos anos 1930. Eu queria redescobrir e revalorizar a Elsie Houston para que as pessoas a descobrissem e se interessem por sua história”, diz.

Maurício também aponta que Elsie Houston foi contemporânea, mas acabou “apagada” pelo brilho de Carmen Miranda. As duas dominaram os palcos da época com estilos semelhantes, mas trajetórias muito diferentes. “A Elsie não teve tanto espaço, mas foi muito importante. Ela não tinha só o lado do espetáculo, tinha o lado cultural também”, afirma.

Na entrevista, Maurício Torres Assumpção comentou a evolução de sua escrita, que começou com um livro de reportagem até a passagem para a ficção com “Dentes de Crocodilo”. “Meu primeiro livro foi 100% jornalístico. O segundo livro aproveita a pesquisa do primeiro, mas já faz ficção histórica e esse terceiro livro já é uma ficção contemporânea com elementos históricos, jornalísticos. Eu diria que existe um processo gradual de afastamento do jornalismo rumo à ficção total. Esse é o meu objetivo de ser um autor contemporâneo escrevendo só ficção”, conclui

 

Se fosse no Brasil, caso de Gisèle Pelicot teria pena mais severa, diz ouvidora nacional da mulher
19 December 2024
Se fosse no Brasil, caso de Gisèle Pelicot teria pena mais severa, diz ouvidora nacional da mulher

A justiça francesa condenou à pena máxima, 20 anos de prisão, Dominique Pelicot, o homem que durante mais de 10 anos dopava sua então esposa, Gisèle, para estuprá-la e também a oferecia para outros desconhecidos recrutados pela internet para abusar sexualmente dela. Os outros 50 homens acusados do processo pegaram penas entre 3 e 13 anos, abaixo das penas solicitadas pela Promotoria Pública. Renata Gil, do Conselho Nacional de Justiça e nomeada ouvidora Nacional da Mulher, afirma que, se fosse o Brasil, o caso teria resultado em penas muito mais severas.

Entrevista de Patrícia Moribe

O drama de Gisèle Pelicot ficou conhecido mundialmente e entrou para a história como um caso emblemático da luta das mulheres contra as agressões sexuais. Mas logo que o veredicto foi anunciado, se multiplicaram os comentários, principalmente de associações de defesa das mulheres, alegando que as penas impostas eram brandas demais diante dos crimes cometidos. 

“Sinceramente, sinto pena de Gisèle Pelicot, que lutou tanto para que esse julgamento fosse histórico. Na realidade, as sentenças não serão históricas”, lamentou Isabelle Boyer, uma das integrantes do coletivo feminista Les Amazones d'Avignon, que há meses vem colando cartazes contra a violência sexual nos muros da cidade francesa.

“A pena máxima foi aplicada, mas ela fica aquém da necessária reparação da barbaridade do crime para a vítima”, concordou Renata Gil. A ouvidora Nacional da Mulher lembra que se trata de um caso de estupro coletivo, repetidamente praticado, o que aumenta a gravidade dos delitos, tanto de Dominique Pelicot, como dos outros 50 acusados. “Eles são pessoas que poderiam ter conhecimento da situação em que a vítima se encontrava”, detalha.

Legislação do Brasil mais avançada que na França

Segundo ela, se o caso de Gisèle Pelicot tivesse ocorrido no Brasil, as penas seriam certamente mais severas, já que o país “tem uma legislação mais avançada do que a francesa com relação às violências contra a mulher”.

Renata Gil lembra que a lei Maria da Penha, que contempla várias circunstâncias específicas ligadas à violência contra a mulher, faz com que o Brasil tenha “a terceira melhor legislação do mundo”.

Além disso, ela ressalta que a Justiça brasileira adota um protocolo com perspectiva de gênero que tem um impacto direto nesses casos. “Essa norma – de aplicação obrigatória pelos juízes brasileiros – determina que a palavra da vítima em crimes contra as mulheres tem uma relevância maior. Então, as provas que são cotejadas em casos de crimes comuns, como depoimento testemunhal e gravações, elas não têm tamanha relevância como a palavra da vítima nesses crimes”, exemplifica.

Mesmo assim, ela considera o caso francês “emblemático” para que as pessoas saiam do silêncio em situações de agressão, inclusive no Brasil, onde a lei é conta com punições mais severas. “Temos índices alarmantes. O país é o quinto que mais mata mulheres no mundo. Então o fato de Gisèle ter exposto sua intimidade é muito relevante, pois acaba incentivando positivamente as denúncias e as punições”, afirma a ouvidora.

‘Cientista-artista’ brasileiro lança EP de estreia inspirado pela MPB e por Paris
19 December 2024
‘Cientista-artista’ brasileiro lança EP de estreia inspirado pela MPB e por Paris

O médico Matheus Vieira, natural de Niterói, faz música desde os seis anos de idade, mas era, até há pouco tempo, um diletante. Foi em Paris, onde se estabeleceu há dois anos para cursar um doutorado em Imunologia, que o brasileiro amadureceu a veia artística e criou coragem para se lançar profissionalmente. O resultado é o EP “Moradaramo” que acaba de ser lançado pelo “cientista-artista”.

O EP de estreia do cantor, compositor e violonista Matheus Vieira chegou às plataformas digitais em 22 de novembro. “Moradaramo” foi gravado no Brasil, mas foi integralmente composto em Paris. “O desterro da minha casa de Niterói para Paris fez com que as coisas que me atravessam, transbordassem em forma de música, com uma maturidade que eu enfim gostei e quis dar segmento”, conta.

O EP, com arranjos e produção do maestro Luiz Potter, tem quatro faixas: “Morada”, “O Corvo e o Assum Preto”, “Casamento de Viúva” e “Nós”.  Cada música representa uma estação do ano, espelhando a vivência do artista em Paris. “Viver a marcação das estações foi uma coisa completamente inédita para mim aqui. Eu cheguei no outono e terminei no verão, que já tem sol de novo. Então, eu reencontro esse Sol pessoal”, explica.

Cada música também remete a universos distintos da música popular brasileira, como samba ou baião. O compositor diz que a “MPB, que é tão ampla quanto inespecífica”, define o seu estilo musical.

Cientista-artista

A trajetória de Matheus Vieira se inscreve na história de outros músicos brasileiros que passaram por Paris desde Heitor Villa-Lobos, nos anos 1920, e construíram pontes entre a França e o Brasil.

Ao invés de músico-médico, que não rima, ele se define como um “cientista-artista”, em uma referência ao poeta-diplomata Vinícius de Moraes que serviu muito tempo em Paris.

“Ele é uma das referências, inclusive, porque mostrou dentro do meio artístico brasileiro que a gente pode ser várias coisas ao mesmo tempo. Não sou diplomata, talvez um pouco poeta, mas para fazer uma coisa que rime mais, (fica) artista-cientista, que eu acho que dá mais caldo”, aposta.

Outra referência almejada é a antropofagia de Oswald de Andrade, que também passou anos importantes em Paris. “A música brasileira é antropofágica por definição”, ressalta o compositor.

Leia tambémTom Jobim: 30 anos após sua morte, jornalista francesa relembra entrevista icônica com o músico

Palíndromo

O título do EP, “Moradaramo”, é um palíndromo, isto é, um recurso estilístico que pode literalmente ser lido de trás para frente e vice-versa. O nome apareceu de maneira “acidental”, relembra o músico.

“Eu fiz a canção ‘Morada’ e a um determinado momento, quando eu estou no final da música, eu repeti a morada, a morada eu vi que (ouvia) ‘dar amor’. E era exatamente isso que eu queria fazer nessa nova fase, nesse capítulo da minha vida”, descreve Matheus Vieira, que vai continuar desenvolvendo paralelamente as duas carreiras, a de médico e a de músico.

Nesta quinta-feira (19), ele faz uma primeira apresentação do EP de estreia na Casa de América Latina de Paris.

Clique na imagem principal para assistir à entrevista completa.

Brasileiro cria spray que economiza água da descarga do “xixi” e conquista prêmios internacionais
18 December 2024
Brasileiro cria spray que economiza água da descarga do “xixi” e conquista prêmios internacionais

O empreendedor brasileiro Ezequiel Vedana da Rosa, criador do produto inovador “Piipee”, foi um dos 13 vencedores do programa internacional “Líderes do Futuro”, promovido este ano pela Fundação Príncipe Albert II de Mônaco. Em entrevista à RFI, Ezequiel compartilhou sua trajetória e destacou como sua invenção, um spray que substitui a descarga do vaso sanitário, pode economizar milhões de litros de água potável e conscientizar sobre a importância de preservar recursos hídricos.

A ideia do “Piipee” surgiu como um insight. Em 2010, o empreendedor brasileiro, hoje com 36 anos, acordou se perguntando “por que gastamos tanta água para eliminar urina no vaso sanitário?”. Ele lembra que cada pessoa gasta em média de 8 a 12 litros por descarga. No Brasil, isso representa cerca de 40 litros por dia e por pessoa. Ezequiel Vedana da Rosa, que não é químico de formação, levou cinco anos e meio de pesquisa e desenvolvimento para transformar essa ideia em produto e lançar sua startup. A comercialização começou em 2015.

O “Piipee” funciona como uma alternativa à descarga do “xixi”, responsável por 80% do consumo de água nos vasos sanitários. Segundo Ezequiel, o spray neutraliza os componentes da urina, composta de 95% de água e 5% de sais e minerais, entre eles a ureia. Ele garante que o produto não faz mal à saúde nem ao meio ambiente.

“É como trazer uma estação de tratamento para dentro do sanitário da sua casa”, disse, destacando que, além de economizar água, a inovação higieniza, altera a coloração e perfuma. Concretamente, o usuário pulverizaria o vaso a cada ida ao banheiro. Mas, como o nome indica, o spray só substitui a descarga do “xixi”.

Sustentabilidade

Ezequiel, claro, visa vender seu produto, mas seu foco também é a sustentabilidade, tentando influenciar hábitos para proteger um recurso que é finito e que cujo acesso está cada vez mais difícil.

Atualmente, os principais clientes do Piipee são grandes empresas e indústrias, que conseguem reduzir em até 40% os custos mensais com água. O produto também é adotado por particulares que, em alguns casos, reduzem pela metade suas contas. “Não é só economia financeira; é um processo de reeducação sobre nosso impacto no planeta”, diz.

Um dos principais desafios para a aceitação do Piipee é cultural. O hábito de acionar a descarga está fortemente associado à higiene e à saúde pública. “Independentemente da cultura, as pessoas não refletem sobre esse ato diário”. Em todo o mundo, ele indica que “7 bilhões de pessoas acionam a descarga todos os dias” sem pensar no desperdício de água que esse ato representa.

Ezequiel Vedana ressalta que temos “a falsa sensação” de que só porque acionamos a descarga, limpamos o vaso sanitário. “A gente toma banho, lava nossas roupas, nossas louças, só com água?”, questiona.

Crises hídricas

Cenários de crise hídrica, como o que está previsto em Barcelona novamente em 2025, “ajudam a quebrar essas barreiras e abrir portas para soluções como a nossa”, afirmou. Diante do racionamento de água inevitável, sem água para fazer comida, para tomar banho, para limpar pelo menos uma vez por semana a casa, a população veria a inovação como uma boa alternativa, defende o empresário.

Apesar de o Brasil possuir grande disponibilidade de água, Ezequiel alerta para os riscos das mudanças climáticas. Ele mencionou as secas históricas recentes na Amazônia como um indicativo de que situações semelhantes se repetirão. “A temperatura global está subindo além do esperado, e muitas metas para 2030 não serão alcançadas. Precisamos criar métodos que prolonguem nossa sobrevivência no planeta”, destacou.

O reconhecimento internacional não é novidade para o empreendedor. Além do prêmio da Fundação Príncipe Albert II de Mônaco, o Piipee já recebeu mais de 35 premiações, incluindo um selo da ONU como uma das soluções mais inovadoras para combater as mudanças climáticas até 2030. Para ele, esses prêmios são essenciais para legitimar a proposta. “Não é só um maluco do Brasil com uma ideia mirabolante. Quando organizações como a ONU e prefeituras de grandes cidades apoiam, isso valida nosso trabalho.”

Atualmente, Ezequiel busca expandir a atuação do Piipee na Europa, e principalmente na França, onde reside atualmente a convite da Prefeitura de Paris. Para ele, a consciência ambiental e os desafios hídricos são mais evidentes no velho continente. Ele concluiu a entrevista reafirmando que sua inovação busca não apenas revolucionar a gestão de águas residuais, mas também promover um debate urgente sobre o uso consciente dos recursos naturais e a preservação do planeta.

"Ele sempre soube que nasceu músico", diz francês autor de romance biográfico sobre Hermeto Pascoal
13 December 2024
"Ele sempre soube que nasceu músico", diz francês autor de romance biográfico sobre Hermeto Pascoal

Um romance biográfico para contar a história de um dos maiores instrumentistas do Brasil. “Hermeto Campeão, os pensamentos de Pascoal” em tradução livre, foi publicado na França pela editora L’Harmattan. O livro escrito por Pierre Sicsic, um engenheiro francês apaixonado pelo Brasil, explora com riqueza de detalhes a cultura, as tradições e o folclore brasileiros, tendo como pano de fundo a vida de Hermeto Pascoal.  

Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris 

Da infância em Lagoa da Canoa, no interior de Alagoas, até se tornar um ícone da música brasileira. A trajetória de Hermeto Pascoal na música começa muito cedo, quando ele “se comunicava e compunha com os animais, com a natureza, os sapos, as formigas, as cigarras”. Ele era um garoto especial, que ao mesmo tempo que tinha dificuldades na escola por não conseguir ler, tinha um ouvido afinado. “Ele sempre soube que nasceu músico. Talvez por causa do albinismo, já que ele nasceu no campo, mas não podia acompanhar o pai na roça por causa do sol, ele ficava na sombra, perto da água, perto das árvores, perto dos pássaros, e ele aprendeu a música com isso tudo”, contextualiza o autor. 

Filho do seu Pascoal, que tocava acordeão nas festas do vilarejo, Hermeto e o irmão, Zé Neto, roubaram o instrumento do pai para aprender sozinhos. Autodidata, primeiro no acordeão, depois no pandeiro e no piano, todos logo perceberiam que o lugar dele era no palco. Os dois irmãos fugiram ainda adolescentes para o Recife, onde arrumaram o primeiro emprego na rádio. “Os músicos com quem ele trabalhava viram que Hermeto era muito mais do que um simples tocador de sanfona. Ele toca forró, ele toca a música popular, foi assim que ele começou. Mas todo mundo viu que ele ia muito mais longe”, completa o autor. 

No livro, dois personagens, Antoine e Chiara, levam o leitor a descobrir a vida de Hermeto Pascoal, nascido em 1936, e que ainda hoje, aos 88 anos, enche salas de concerto pelo mundo. Mas por que um romance biográfico e não uma biografia? “A escolha do romance veio depois de uma conversa com Cacau (Cláudio Cacau de Queiroz), músico que tocou com o Hermeto e que fez o prefácio do livro, ele me falou que realmente o Hermeto merecia um romance, porque a vida dele é um romance”, avalia. 

Os detalhes do albinismo e como Hermeto Pascoal sempre enfrentou com determinação o preconceito. O amor de uma vida inteira pela esposa Ilza. A amizade com Sivuca. O cabelo comprido e a barba longa, que Hermeto Pascoal adquiriu nos Estados Unidos, entre os anos 1970-1972, onde tocou com grandes nomes da música americana. Tudo isso está exposto ao longo de mais de 300 páginas. 

Ficção e realidade

Pierre Sicsic afirma que os dois personagens principais são frutos de ficção, ainda que Antoine “seja um pouco autobiográfico”. “Tem coisas da minha vida e coisas que imaginei e que inventei para a vida do Antoine”, completa o autor, que incluiu cenas passadas na França. “Eu quis mostrar a diferença entre dois caminhos: o do Hermeto, que é uma linha reta, pois ele sempre fez o que queria fazer, sem compromisso nenhum, enquanto a trajetória do Antoine é diferente. Ele é um técnico, mas também músico amador, até que as duas trajetórias vão se juntar”, explica.  

O personagem Antoine embarca em uma viagem pela América do Sul, passando pela Bolívia, Peru e Equador, em busca do que acreditava ser a música original, autêntica. Mas ele não encontra nada disso antes de chegar ao Brasil, país do qual não sabia nada, antes de entrar de ônibus, chegando do Paraguai. Foi exatamente a sensação de Pierre ao visitar o Brasil pela primeira vez, no fim dos anos 1970. “Eu não sabia nada de samba, nada de futebol ou das imagens populares do Brasil no mundo”, diz. “Não me interessava. Eu descobri o Brasil primeiro no Rio de Janeiro, depois na Bahia, no momento em que havia essa explosão da MPB, da música popular brasileira, com todos os músicos Chico, Caetano, Gil, etc. Então, fiquei apaixonado por essa música e o que eu buscava estava no Brasil”, afirma.  

Hermeto Pascoal conheceu o jazz quando chegou ao Recife, cidade portuária do Nordeste onde havia uma base militar americana e os marinheiros costumavam tocar nos bares. “Isso foi talvez a primeira abertura para ele fora da música regional. Ele tocava nas festas populares, lá em Pernambuco, com forró, frevo, maracatu, etc. E é aí que ele saiu desse âmbito para coisas mais abertas, mais exóticas”, comenta o autor.  

O autor visitou a região de Lagoa da Canoa, terra natal de Hermeto, onde encontrou com a família do músico, seus primos e primas, que são agricultores. “Era importante para mim fazer essa relação entre a história do Hermeto e a história do país, porque tem a ver com os acontecimentos políticos no Brasil, que têm uma influência na história do Hermeto também”, observa Pierre Sicsic. 

Perguntado se Hermeto Pascoal tem o reconhecimento que deveria, Sicsic acredita que não. “Eu acho que ele não tem o reconhecimento que merece, pois ele é muito conhecido dos músicos, tem um público aqui na Europa, talvez mais que no Brasil, mas fica restrito aos amantes da música”, diz. “O objetivo do livro é fazer conhecer mais essa música, que não é fácil na primeira escuta e que pode ser difícil para alguns”, conclui.  

O livro, publicado para o público francês, tem um glossário no final com expressões regionais como acarajé, afoxé, atabaque... um mergulho na Bahia, onde o personagem desembarcou para conhecer, primeiro, o carnaval. O próximo passo será traduzir a obra para português. “A primeira coisa que tenho que fazer, depois da publicação em francês, é publicar no Brasil. Vou ter que encontrar uma editora no Brasil e fazer a tradução. Já começamos o trabalho com um amigo em Curitiba, pois esse livro é também para o Brasil”, convida. 

O lançamento com sessão de autógrafos em Paris será no sábado (14), às 15h na livraria Aux Quatre Vents. O endereço é 21 rue des Écoles, em Paris.