RFI Convida
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Entrevistas diárias com pessoas de todas as áreas. Artistas, cientistas, professores, economistas, analistas ou personalidades políticas que vivem na França ou estão de passagem por aqui, são convidadas para falar sobre seus projetos e realizações. A conversa é filmada e o vídeo pode ser visto no nosso site.
Celebração na França de 40 anos do MST tem agenda de debates e oposição ao acordo UE-Mercosul
29 November 2024
Celebração na França de 40 anos do MST tem agenda de debates e oposição ao acordo UE-Mercosul

A celebração dos 40 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na França tem sido marcada por uma agenda intensa de debates e visitas em diversas regiões do país de uma delegação do movimento vinda especialmente do Brasil. Entre as representantes presentes está Nallyja Fernanda, integrante do Coletivo Nacional de Juventude e do Coletivo Nacional de Cultura do MST. Neste sábado (30), o Comitê dos Amigos na França homenageará a trajetória do movimento em um evento especial em Paris.

O evento de sábado marca não apenas os 40 anos do MST, mas também um reconhecimento pela longa parceria com o Comitê dos Amigos na França. “Essa é uma celebração de nossas conquistas e um compromisso com o futuro, reforçando a solidariedade internacional como instrumento de transformação social”, diz Nallyja Fernanda.

A relação entre o MST e o Comitê dos Amigos na França remonta ao massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996. “A solidariedade nasceu em um contexto de repressão gigantesca, quando pessoas ao redor do mundo se sensibilizaram e quiseram apoiar o movimento. Desde então, essa relação se fortaleceu como um intercâmbio político e cultural”, explicou Nallyja, que está na França acompanhada de Meriely Oliveira, líder do coletivo “Plano Nacional Plantar Arvores e Produzir Alimentos Saudáveis” no Estado da Bahia.

Durante sua passagem pela França, a delegação do MST visitou regiões que vão do norte ao sul do país, explorando a realidade de pequenos agricultores e práticas locais. “Temos aprendido com experiências de mecanização agrícola, produção coletiva e agricultura bio, que dialogam diretamente com a nossa matriz agroecológica”, destacou a líder.

Oposição ao acordo União Europeia-Mercosul

A visita da delegação do MST foi programada durante todo o mês de novembro e coincidiu com uma série de manifestações dos agricultores franceses por todo o país contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, em discussão entre os dois blocos.

Durante o diálogo com os setores agrícolas franceses, as representantes do MST têm exposto o posicionamento do movimento contra o tratado que pode criar a maior área de livre comércio do mundo. Para Nallyja, o acordo favorece grandes multinacionais e o agronegócio, em detrimento dos pequenos agricultores e da soberania alimentar. “Esse tratado potencializa articulações do agronegócio e prejudica diretamente quem produz alimentos para a população, além de impactar negativamente o meio ambiente e reproduzir uma lógica colonialista”, aponta a ativista.

Embora o governo brasileiro apoie o acordo, o MST se articula com a Via Campesina e outros movimentos internacionais para combatê-lo. “Entendemos que essa decisão responde a pressões da bancada ruralista, que representa 60% do parlamento brasileiro, mas seguimos firmes na defesa dos direitos conquistados e na luta por um modelo de produção sustentável e justo”, defende Nallyja.

Interesse francês pelo MST

Entre os temas mais discutidos pelas representantes do MST com o público francês estão a organização interna do movimento brasileiro e suas estratégias de mobilização. “A capacidade do MST de organizar as massas é um modelo que interessa especialmente à esquerda francesa, em um contexto de avanço da extrema direita na Europa”, diz Nallyja, citando a emblemática marcha de 1997, que reuniu 100 mil pessoas em Brasília.

Outro ponto de destaque tem sido a agroecologia. Desde 2014, segundo a militante, o MST adotou essa matriz como base de sua produção, reforçando o compromisso com a soberania alimentar e a sustentabilidade. Ela lembra que “70% dos alimentos no Brasil vêm da agricultura familiar, enquanto o agronegócio exporta commodities. É fundamental politizar a questão alimentar e reafirmar o papel dos camponeses”, defende. 

Diálogo com a juventude e construção de futuro

Além das celebrações, o intercâmbio com coletivos jovens na França tem sido central. “Nosso coletivo de Juventude existe desde 2005 e forma lideranças para as lutas do seu tempo histórico. Aqui, percebemos um desejo genuíno da juventude francesa de se organizar e construir ações concretas”, comentou Nallyja.

Para ela, essa troca vai além das fronteiras culturais. “A solidariedade é uma ternura entre os povos. Compartilhar experiências e aprender com a realidade local nos fortalece na construção de um mundo mais justo e sustentável”, conclui.

"Esse encontro merecia ser registrado", diz Bebê Kramer que se apresenta em Paris com o Trio in Uno
28 November 2024
"Esse encontro merecia ser registrado", diz Bebê Kramer que se apresenta em Paris com o Trio in Uno

O primeiro encontro aconteceu em Paris e, desde então, eles vêm encantando plateias da Europa e do mundo. Bebê Kramer, um dos acordeonistas mais respeitados do Brasil, se juntou ao Trio in Uno, formado pela italiana Giulia Tamanini no saxofone soprano, e os brasileiros José Ferreira, no violão de 7 cordas, e Diego Cardoso, no violoncelo. Juntos, eles assinam o álbum “Destinos”, que apresentam numa turnê que já passou pela Itália, antes de ocupar palcos da França e da Bélgica.   

Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris

Idealizado e gravado após o sucesso do primeiro show que o grupo fez na capital francesa, em dezembro de 2023, “Destinos” traz um frescor para músicas latino-americanas bem conhecidas, com interpretações e novas versões para composições de Astor Piazzolla, Radamés Gnattali, Sivuca, César Camargo Mariano, entre muitos outros.  

“Nós já éramos amigos antes de ter o trabalho pronto. Em um dado momento da vida, eu vim fazer uma turnê na Europa com outros trabalhos e acabei passando em Paris para a gente tocar no New Morning, onde agora a gente vai se apresentar de novo”, conta Bebê Kramer em entrevista à RFI Brasil. “E aí, pensamos que esse encontro merecia ser registrado. Então, entramos para o estúdio e acabamos gravando esse CD 'Destinos', que traz releituras de algumas músicas minhas e desses compositores também”, completa. “A gente traz a música brasileira para cá e com versões sofisticadas”, define.  

O álbum reúne dois instrumentos muito representativos da música brasileira, o violão e o acordeão, enriquecidos com saxofone e violoncelo. “A gente adora essa mistura. É muito bacana”, explica o violonista José Ferreira. “Além dos instrumentos mais característicos da música brasileira, tendo o sopro e as cordas na alma, essa mistura dá um tom quase orquestral para esse pequeno grupo”, continua. “São instrumentos de natureza diferente, que se completam e que se complementam em muitas possibilidades legais para os arranjos e para o som”, observa o músico.  

O repertório mistura a espontaneidade da música popular ao requinte da música clássica, agradando a um público diverso. “Tem algo que se parece com a música de câmara, dos arranjos que são pensados, com uma arquitetura própria”, explica Diego Cardoso.  

"Nós nos conhecemos aqui em Paris, 12 anos atrás" diz à italiana Giulia Tamanini. "Para mim, foi um encontro muito afortunado. Tive muita sorte, pois foi graças a eles que eu descobri a música brasileira, a qual eu me apaixonei, e comecei a tocar, e viajei bastante pelo Brasil", destaca. 

Música com sotaque gaúcho

Nascido em Vacaria, no Rio Grande do Sul, Alessandro Kramer, ou melhor, Bebê Kramer, guarda a herança da cultura gaúcha que ele, agora, põe a serviço de estilos diferentes como o chorinho, o samba, o forró e o jazz. “Desde garoto, desde guri, como a gente fala lá, eu sempre tive a cabeça muito aberta para a música e sempre gostei de ouvir outros tipos de discos, de instrumentistas diferentes, de violonistas, saxofonistas e pianistas, além dos acordeonistas todos que me influenciaram, logicamente, principalmente os gaúchos, que foram a minha fonte inicial”, afirma Kramer, que se mudou aos 16 anos para Santa Catarina e depois para o Rio de Janeiro. “Isso foi formando um caldo musical, que eu acabei juntando com Trio in Uno, trazendo um pouco dessa coisa fronteiriça do Rio Grande do Sul. E acaba que tudo o que eu faço, sendo choro, samba ou forró, tudo fica com sotaque gaúcho”, brinca o músico que tem mais de 20 anos de carreira, vários discos gravados e premiados. 

Os shows acontecem dia 28 de novembro em Bruxelas e 30 de novembro em Paris, no New Morning.  

'Antissemitismo é vírus hipercontagioso', alerta Milton Blay em novo livro
27 November 2024
'Antissemitismo é vírus hipercontagioso', alerta Milton Blay em novo livro

Em seu livro mais recente, "A Nova Ordem Moral", o jornalista Milton Blay escreve que "a hecatombe em Gaza ultrapassa os limites do conflito israelo-palestino e vai além das fronteiras do Oriente Médio”. Em entrevista à RFI, o autor explica que o que acontece desde o ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023, sugere um momento de “tentativa de refundação da ordem geopolítica e moral do mundo”.  

Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris 

No livro publicado pela editora Kadimah (2024), Milton Blay defende que o antissemitismo nunca deixou de existir e se dissimula nas correntes de "pseudo-esquerda" e "atrás das cortinas do antissionismo" que, segundo ele, seria capaz de apoiar a discriminação em nome do que considera ser o mal maior, o colonialismo, do qual Israel também é acusado.  

O autor descreve o antissemitismo como "uma patologia social", um "vírus hipercontagioso" que se espalha "por terras longínquas". E diz que o ataque sem precedentes do Hamas contra Israel, em 7 de outubro de 2023, questiona a identidade judaica.

Para Blay, os judeus "são as primeiras vítimas quando o obscurantismo ameaça se abater sobre a humanidade", num alerta sobre possíveis novas violências. “Atentados são possíveis e mesmo prováveis”, afirma. “Basta lembrar que a França entrou no norte da África para impedir o desenvolvimento de grupos terroristas naquela região, que atacariam a Europa”, exemplifica.

“O Hamas é o segundo grupo terrorista mais rico do mundo, depois do Hezbollah, no Líbano. Então, nós temos aí uma guerra, atualmente, contra os dois grupos mais ricos e grupos terroristas que estão prestes a fazer atentados no mundo inteiro”, adverte. 

Em 2023, na França, “o número de atos antissemitas quadruplicou, chegando a 1.774, para ultrapassar 2 mil nos quatro primeiros meses de 2024", destaca Blay. Em 2022, haviam sido 436 atos antissemitas, segundo o ministério do Interior. Atualmente, "94% dos judeus dizem ter medo", afirma o autor.   

Em toda a Europa, os incidentes antissemitas se multiplicam. Coquetéis molotov foram lançados contra uma sinagoga na Alemanha, pichações de estrelas de Davi e de mãos ensanguentadas foram vistas em Paris, enquanto ataques a lojas e sinagogas assustaram a população na Espanha.   

Blay escreve que, há um ano, os judeus se sentem inseguros e desestabilizados pelo Hamas. E que "no dia 7 de outubro, o medo despertou fantasmas de milênios".

Coalizão de ultradireita em Israel   

Por outro lado, o autor também aponta que a existência de um governo em Israel, “liderado por Benjamin Netanyahu, com participação de partidos ortodoxos de ultradireita, racistas, homofóbicos, misóginos, coloca em risco não apenas os alicerces do Estado, como ataca o judaísmo laico” que, segundo Milton Blay, "permitiu a sobrevivência” dos judeus, após o extermínio de um terço dessa população na Europa. 

“Não há a menor dúvida. É um governo de extrema direita, o pior governo que Israel já teve em toda a sua história”, avalia Milton Blay. “É um governo efetivamente racista, um governo misógino, é um governo que se aproxima dos governos teocráticos que existem no mundo”, completa. Blay compara “os sionistas religiosos teocráticos, que não reconhecem o Estado laico e afirmam a superioridade da lei religiosa sobre o direito civil”, com governos de "certos países muçulmanos onde reina a sharia, a começar pelo Irã”.    

O jornalista descreve a coalizão israelense no poder como sendo “de extrema-direita hipernacionalista, com teocratas ultraortodoxos, messiânicos, dispostos a acabar com a democracia secular, arrasar os palestinos e combater os judeus progressistas”. E completa dizendo que “Israel nunca esteve tão próximo de uma revolução autoritária religiosa”. Em seu livro, aponta para o risco de Israel se tornar “uma teocracia messiânica com tecnologia nuclear, poder militar e conhecimento tecnológico, de efeito global”.  

“O que os aiatolás de Teerã querem é aplicar plenamente a sharia, ou seja, a lei islâmica, a lei do Alcorão. Então, não há lei civil. E uma boa parte do governo israelense hoje gostaria de ter isso, ou seja, de aplicar as leis religiosas, a Bíblia e acabar, inclusive, com o Poder Judiciário”, observa.

Genocídio e limpeza étnica 

Em um relatório publicado no dia 14 de novembro, a Human Rights Watch estimou que as repetidas ordens de evacuação feitas pelo exército israelense na Faixa de Gaza, levando ao deslocamento forçado da população, equivalem a um “crime de guerra”. De acordo com a ONG, “as ações de Israel também parecem se enquadrar na definição de limpeza étnica” nas áreas em que o exército ordenou que os palestinos saíssem sem poder retornar. 

Blay rejeita essa ideia. “Se você pegar os dados habitacionais na Faixa de Gaza você vai ver que a população de Gaza aumentou em praticamente 2.000% desde a criação de Israel, desde a independência de Israel, em 1947”, argumenta. “Então, falar em limpeza étnica não faz sentido. Nós temos uma população em Gaza que se se reproduz em alta velocidade e eles têm todo o direito. Eu sou amplamente favorável a existência de um Estado palestino ao lado de Israel, vivendo em paz e segurança, em fronteiras reconhecidas internacionalmente”, propõe.    

Em seu livro, Blay ainda analisa como o atentado do Hamas de 7 de outubro foi recebido no mundo. O autor cita que Antonio Guterres, secretário-geral das Nações Unidas (ONU), "preferiu não condenar o grupo terrorista, sem dúvida por considerar que se trata de um movimento de resistência", nas palavras do autor, e que "o Conselho de Segurança só veio examinar o destino dos sequestrados onze meses após o atentado".   

A posição do Brasil

Blay também destaca que o "Brasil, através de seu presidente, demorou a qualificar o Hamas de grupo terrorista (como o fazem a Europa e os Estados Unidos) e meses depois, colocou em pé de igualdade Gaza e Auschwitz". Para Blay, "Lula deve desculpas" à população judia. “Ele deve desculpas pelo que disse não apenas às populações judias, mas a todos aqueles que foram vítimas do Holocausto, sem exceção: os ciganos, os homossexuais, as prostitutas, as Testemunhas de Jeová”, diz. 

Em seu livro, Blay afirma, ainda, que "Luís Inácio Lula da Silva virou um mito e como tal tem sempre razão, é infalível, pelo menos para os seus". Em Israel Lula foi considerado "persona non grata", lembra.    

“Lula fala que houve atentados terroristas no dia 7 de outubro. Mas quem os cometeu? Ele não diz e nem chama o Hamas de grupo terrorista. E na mesma linha, a ONU assume a mesma postura”, lamenta. “A ONU, através de seu secretário-geral, pediu um relatório sobre os atentados de 7 de outubro do ponto de vista de agressões sexuais. Esse relatório de mais de 200 páginas foi entregue ao secretário-geral da ONU que decidiu não dar publicidade. Por que não dar publicidade? Porque o mundo assumiu uma postura de que a culpa é de Israel, a culpa é dos judeus”, observa. “E quando se fala em Israel como genocida, eu queria acrescentar os números divulgados na semana passada: 15.500 civis foram mortos em Gaza, de um total de 43.500 mortos. Então, foram aproximadamente quase 30.000 terroristas mortos para 15.500 civis. Pode se falar em genocídio?”, pergunta.  

Na França, o autor lembra que o líder de esquerda Jean-Luc Mélenchon imediatamente tomou partido dos palestinos, "qualificando-os de resistentes, vítimas da opressão colonial". Para Blay, "tanto a extrema-esquerda, representada pelo partido A França Insubmissa, quanto os herdeiros do neonazista Front Nacional de Jean-Marie Le Pen são antissemitas".   

Nos Estados Unidos, os protestos pró-Palestina em universidades como a de Harvard e de Columbia surpreenderam a comunidade judaica que se sentia, até então, segura no país.  

Nova ordem global

Blay acredita que “as guerras atuais fazem parte de um conflito mundial”. Segundo o autor, “a terceira guerra já começou” e “na nova ordem moral, os valores herdados do Iluminismo, apresentados até há pouco como indiscutíveis, desapareceram”.

Ele explica a ideia de refundação da geopolítica mundial. “O mundo está dividido entre países que formam um bloco totalmente heterogêneo, afinal, o que a Rússia tem a ver com a China? O que a China tem a ver com o Irã? O que o Irã tem a ver com a Turquia? O que a Turquia tem a ver com a África do Sul? Pois bem, esses países formam um bloco antiocidental”, define. “Quando eu falo em ordem moral, é que não há nenhum objetivo de igualdade social, de democracia, de direitos humanos. São países que violam os direitos humanos mais fundamentais e que decidem se juntar para formar um bloco sólido, com potências como a Rússia e a China”, completa. 

Para o autor, a posição do Brasil é muito clara no governo atual. “Lula queria formar um grande bloco do hemisfério sul. Ele agora tem essa chance de ter um papel importante. Ao contrário de outros países, o Brasil consegue conversar com as nações desenvolvidas e com os países mais pobres, menos desenvolvidos. Lula tem a oportunidade de falar a mesma língua dos países do hemisfério sul”, explica.  

Uma paz possível, mas distante

No seu novo livro, Blay lembra que "cinco tentativas de paz e acordos para a criação de um Estado palestino estiveram sobre a mesa. Cinco vezes palestinos e árabes rejeitaram”. E segue: “Hoje, temos uma urgência, chegar a um acordo com os palestinos". O autor escreve, por fim, que “Israel precisa olhar para o passado, reconhecer os erros cometidos e assumir sua parcela de responsabilidade na situação dos palestinos”.  

“Não há hoje condições mínimas, estruturais e institucionais para que isso aconteça”, avalia. “A população israelense é quase que unanimemente a favor do fim do Hamas, da destruição do Hamas. Isso não quer dizer matar todos os combatentes do Hamas, mas acabar institucionalmente com o grupo, para que o Hamas não tenha um papel relevante em Gaza, a partir do fim da guerra”, acrescenta. “Então, vão ter que encontrar uma saída, que eu acho que passa necessariamente pela presença de países árabes na região, para ajudar os palestinos a formar um país em Gaza e na Cisjordânia. E também passa pelo desenho do território, a partir do momento que se conseguir negociar uma solução de dois estados”, aponta. “A solução passa pela Arábia Saudita, pelos países do Golfo Pérsico, para que se pacifiquem as relações mas, sobretudo, para que os palestinos tenham dinheiro e possam ter um momento, enfim, de prazer e de satisfação, para que possam viver normalmente”, conclui.  

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FestiFrance 2024 reúne 59 filmes internacionais e celebra identidade com mostra 'Mineiridade'
26 November 2024
FestiFrance 2024 reúne 59 filmes internacionais e celebra identidade com mostra 'Mineiridade'

O FestiFrance chega à sua 10ª edição exibindo 59 filmes de 7 países, sendo 32 curtas-metragens de produção francesa e 15 curtas brasileiros; com curtas de animação de Israel, Palestina, Canadá, França, Estados Unidos e do continente africano. As exibições dos filmes serão gratuitas e se dividirão entre as telas do Cine Theatro Brasil (26 e 27 de novembro) e do Sesc Palladium (28, 29 e 30 de novembro) em Belo Horizonte, Minas Gerais, onde a mostra acontece desde 2015.

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"Foi muito difícil o critério de seleção este ano, porque recebemos 2.885 filmes para escolher apenas 59", conta Roberto de Matos, diretor e fundador do FestiFrance. Ele conta que o caráter social do festival garante o interesse do público brasileiro. "Esse é o nosso diferencial. O festival sempre teve um caráter humanitário muito forte", afirma.

"Dentro da programação, temos várias atividades paralelas, como oficinas para comunidades carentes, incluindo moradores de aglomerados, detentas da prisão feminina Estevão Pinto (um trabalho que realizamos com as custodiadas desde 2018), e também com a comunidade indígena Pataxó", detalha Matos. "Este ano, vamos atuar diretamente na reserva dos Pataxós. Além disso, pelo segundo ano consecutivo, estamos realizando projeções exclusivas para idosos. Acreditamos que os mais velhos fazem parte essencial da nossa sociedade e não devem ser limitados a assistir televisão em casa", defende.

"Organizamos todo um esquema para buscar os idosos nas casas de repouso e levá-los ao cinema, onde têm um acompanhamento tanto da nossa equipe quanto dos cuidadores deles. Fazemos um trabalho semelhante com crianças de comunidades carentes", revela o diretor do festival.

"Mineiridade"

Ao longo da semana em que ocorre o festival, Belo Horizonte se transforma em um verdadeiro palco para diversas atividades ligadas ao mundo da sétima arte. De um lado, há a exibição de filmes e curtas-metragens que competem na seção oficial; de outro, são promovidas atividades paralelas relacionadas ao cinema, como oficinas, ciclos de cinema social, ciclos de curtas-metragens LGBTQIA+, Mostra Africana, Mostra + Mineiridade, além de exibições de filmes convidados. 

Além dessas atividades, ganham destaque as galas de abertura e encerramento do evento, onde são concedidos prêmios honorários a profissionais do cinema, em reconhecimento ao seu trabalho e contribuição para a indústria.

"Este ano, a mostra francesa conta com 31 filmes. Além disso, temos produções de diversos países como Canadá, Israel, Palestina, Estados Unidos e Japão, compondo a nossa Mostra Internacional. Também vale destacar a Mostra + Mineiridade, com produções de diretores de Minas Gerais, um espaço dedicado ao cinema mineiro", conta Matos.

Essa seção específica, criada para edição 2024 do FestiFrance, vai circular por municípios e distritos do entorno de Paracatu, como Unaí e Vazante (distrito de Vazamor). “Esse projeto itinerante visa promover a cultura cinematográfica francesa e a produção audiovisual mineira em cidades do estado de Minas Gerais, democratizando o acesso ao cinema por meio de exibições em locais estratégicos e de grande impacto social, como presídios, APACs, lares de idosos, escolas e bairros periféricos”, ressalta Matos na divulgação do evento.

"Em 2015, iniciamos com uma seleção de curtas, mas o festival rapidamente cresceu. Hoje, inclui longas, animações, ficções, documentários e uma vasta mostra internacional com filmes exclusivamente estrangeiros. Então, a nossa programação é bastante extensa e diversificada", diz o diretor.

Fortalecer "vínculos"

"Esse intercâmbio começou de forma muito modesta há 10 anos, mas cresceu enormemente em termos de aceitação. O público brasileiro tem recebido nossa proposta com muito entusiasmo. Nosso objetivo é fortalecer esses vínculos, não só no aspecto cinematográfico, mas também na gastronomia, literatura e teatro, promovendo uma rica troca cultural entre os dois países.

"Parque de Diversões", filme sobre 'cruising gay', é destaque na programação de festival em Paris
25 November 2024
"Parque de Diversões", filme sobre 'cruising gay', é destaque na programação de festival em Paris

O produtor, cineasta e diretor teatral mineiro Ricardo Alves Jr. exibiu seu quarto longa-metragem, "Parque de Diversões" no Festival Chéries-Chéris, em Paris, voltado para a comunidade LGBTQIA+.  A obra explora o universo do cruising — encontros sexuais entre desconhecidos em espaços públicos — e é ambientada no Parque Municipal de Belo Horizonte, que desempenha um papel simbólico e histórico na narrativa. 

Ricardo explica que o cruising é o ponto de partida do filme, mas que a obra transcende a prática ao explorar questões mais amplas de liberdade e repressão. Ele destaca a conexão histórica com o Parque Municipal, um espaço que, na década de 1950 e 1960, era frequentado pela comunidade LGBTQIA+ à noite, até ser cercado por grades na década de 1970.

"Esses encontros noturnos, que eram vistos como proibidos em uma sociedade conservadora, são uma metáfora para a fluidez dos corpos e a liberdade que existia naquele lugar", comenta Ricardo, reforçando que o filme adota uma abordagem poética sobre esses temas.

Diálogos reduzidos e linguagem corporal intensa

Uma das marcas de Parque de Diversões é o uso mínimo de diálogos, o que confere destaque à expressão corporal e à interação entre os personagens. "São apenas quatro cenas com texto falado", diz Ricardo. "Eu vejo o filme como uma espécie de coreografia pornográfica ou erótica, onde a narrativa se constrói a partir dos corpos, da espacialidade e da luz." Para ele, o espaço é fundamental, e o trabalho com a trilha sonora potencializa a experiência sensorial do espectador.

Ricardo reconhece que a escolha de cenas explícitas é provocadora e deliberada. "O filme fala sobre sexo e explora suas várias camadas, como o voyeurismo, o exibicionismo e os fetiches. Ele coloca o espectador como um voyeur dessa experiência, desafiando-o a refletir sobre sua própria relação com o desejo e a sexualidade", argumenta.

Cinema independente em tempos desafiadores

O filme foi produzido sem recursos públicos e filmado em apenas sete noites, com uma equipe reduzida e dedicada. "A independência permitiu que o filme fosse exatamente como eu desejava, sem concessões. É um filme para maiores de 18 anos, que não se esquiva da nudez e do sexo explícito", explica.

Ricardo Alves Jr. acredita que o tema do filme é ainda mais relevante no contexto atual do Brasil. "Com a onda reacionária que vivemos, obras como essa são importantes para confrontar o conservadorismo e abrir espaço para discussões sobre liberdade e identidade", pontua.

Recepção internacional e a estreia no Brasil

Desde sua estreia mundial, em junho, no Festival Internacional de Cinema de Marselha (FID), "Parque de Diversões" vem percorrendo festivais ao redor do mundo, incluindo o Queer Lisboa, o Pink Screens na Bélgica e agora o Chéries-Chéris, em Paris. Ricardo celebra a recepção positiva da obra, especialmente pela sua abordagem sensorial e experimental. "O filme não segue uma narrativa clássica; ele é uma experiência. O público é desafiado, provocado a se envolver com a obra e suas próprias expectativas."

A estreia brasileira está marcada para 30 de janeiro de 2024, com uma sessão especial em Belo Horizonte, cidade que inspira e conecta o diretor com suas raízes artísticas.

Carreira e transições artísticas

Ricardo também refletiu sobre sua trajetória, que transita entre o cinema e o teatro. Para ele, o teatro oferece uma liberdade criativa imediata que influencia diretamente seu trabalho cinematográfico. "O teatro é uma arte que você pode começar com poucos recursos, enquanto o cinema exige um planejamento mais longo e investimentos consideráveis. Ainda assim, as duas artes se alimentam mutuamente em meu processo criativo."

Entre seus filmes anteriores estão Elon Não Acredita na Morte (2016), Quem Tem Medo? (2022) e Tudo o que Você Podia Ser (2023). Ele considera que essas obras marcaram uma evolução natural em sua carreira, com Tudo o que Você Podia Ser abordando pela primeira vez a temática LGBTQIA+ e servindo de ponte para Parque de Diversões.

O futuro: novos projetos e desafios

O cineasta mineiro revelou que já está trabalhando em seu próximo longa-metragem, A Professora de Francês, previsto para ser filmado em 2024. O filme, que mistura elementos de terror social, é uma coprodução entre Brasil, França e Portugal. "Estamos nesse projeto desde 2017, e finalmente vamos rodá-lo. É um filme que promete explorar novas dimensões em minha filmografia", adianta.

Confira a íntegra da entrevista clicando na foto. 

COP29: gastar mais em energias fósseis do que na transição "é suicídio planetário", diz Carlos Nobre
22 November 2024
COP29: gastar mais em energias fósseis do que na transição "é suicídio planetário", diz Carlos Nobre

A Conferência do Clima da ONU em Baku, no Azerbaijão (COP29), chega ao seu último dia marcada por um impasse já esperado na questão do financiamento climático. Todos os anos, o tema costuma ser o que mais trava as negociações nas COPs – sintetiza as discordâncias sobre o quanto cada país está ou não fazendo para combater o aquecimento do planeta.

Lúcia Müzell, da RFI em Paris

Desta vez, o financiamento é o foco da conferência – os quase 200 países reunidos no evento têm a missão de chegar a um novo valor anual de recursos a serem disponibilizados para os países em desenvolvimento promoverem a economia de baixo carbono.

O Acordo de Paris sobre o Clima determina que cabe aos países desenvolvidos viabilizarem esta soma, mas as nações ricas avaliam que chegou a hora de grandes potências emergentes, a começar pela China, maior emissora de gases de efeito estufa, também contribuírem. 

“Vamos torcer que eu consiga sair de lá um pouquinho mais otimista. A transição está muito lenta”, desabafa o climatologista Carlos Nobre, reconhecido internacionalmente pelos estudos sobre o aquecimento global e, em especial, sobre as consequências do problema na Amazônia.

Nos anos 1990, ele foi um dos primeiros a teorizar sobre o ponto de não retorno da floresta – quando as condições climáticas terão se alterado a tal ponto que a Amazônia não conseguirá mais se regenerar e entrará em um processo de savanização.

Pouco antes de embarcar para Baku, Nobre conversou por telefone com a RFI sobre como as Conferências do Clima poderiam trazer resultados mais efetivos, tema de uma carta enviada pelo Clube de Roma às Nações Unidas, e da qual ele é um dos poucos brasileiros signatários. Carlos Nobre é e ex-membro do IPCC, o Painel de Especialistas da ONU sobre as Mudanças do Clima e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2007.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

RFI: No último fim de semana, o senhor sobrevoou a Amazônia de helicóptero com presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em uma viagem histórica. Ver de perto os impactos do aquecimento global pode mudar o rumo das coisas, e o rumo das COPs? As pessoas e os líderes precisam mais desse contato com a realidade em campo, para começarem a agir de verdade?

Carlos Nobre: Sem dúvida, quando políticos tão importantes quanto o presidente dos Estados Unidos, o primeiro presidente americano exercendo o mandato que vem para conhecer a Amazônia, vem e vê o que ele viu, é muito importante. É diferente de só ouvir falar dos riscos. Ele viu. Nesse voo, ele viu todas as áreas do lado de Manaus superdesmatadas, degradadas, um monte de floresta queimada, algumas queimadas que aconteceram há poucos dias ou meses. Tudo queimado, árvores mortas. As margens do Rio Negro todas secas. Nós estávamos voando ali em cima da floresta e aparecem duas fumaças de incêndio. Alguém tinha posto fogo algumas horas antes, no meio da floresta.

Eu mostrei para ele o que o aquecimento global está fazendo: a maior seca da história da Amazônia. Falei muito dos prejuízos para a biodiversidade, os riscos para o Rio Negro, que tem mais de 1.000 espécies de peixes. Falei do ano passado, quando o lago Tefé teve a maior temperatura da história, atingiu 41°C e morreram mais de 400 botos e dezenas de milhares de peixes.

Eu acho que o presidente, tendo a oportunidade de ver isso com os olhos, é muito mais importante do que simplesmente alguém, cientistas e políticos, comunicarem sobre isso. Ou até o presidente Lula ou outros presidentes dos países amazônicos.

Os alertas já são dados há décadas, mas a reação da humanidade ao que está acontecendo com o clima acontece a passos muito lentos – e muito lentamente também avançam as COPs. O senhor ainda confia que as Conferências do Clima são a melhor solução para encarar essa realidade, que inclusive está se acelerando mais rapidamente do que a própria ciência previa?

A COP não tem sido a melhor solução. Elas têm sido promessas de salvar o planeta. Promessas. Quando a COP26 em 2021, na Irlanda, em Glasgow, fala: “não podemos deixar o aumento da temperatura passar de 1,5°C, nós temos que rapidamente reduzir as emissões líquidas, zerá-las até 2050”, nada disso foi feito.

Os dados iniciais mostram que em 2024 terá mais alta emissão do que em 2023. Mesmo que a gente entendesse que precisa reduzir quase 50% das emissões até 2030, será que a gente vai conseguir reduzir 50% das emissões em seis anos? E depois zerar? Me parece muito, muito difícil.

Os países bateram o martelo no sentido de que as metas são voluntárias, mas pouquíssimos países estão caminhando nessa direção. O Brasil lançou na COP29 a meta de reduzir até 69% as emissões até 2035, em relação a 2005 – que é muito alta, recorde de mais de 3 bilhões de toneladas. O Brasil e outros países têm começado a debater, mas os desafios são muito maiores. Precisamos realmente zerar as emissões muito antes de 2050. Caso contrário, nós podemos chegar a 2,5°C de aquecimento em 2050. Isso é um ecocídio para o planeta.

Os documentos das Conferências do Clima não têm o poder de obrigar ninguém a cumprir o que é acordado. Como conferências menores e mais frequentes, como está sugerindo o clube de Roma, poderiam ajudar? As COPs se tornaram grandes demais?

Sem dúvida. Eu acho que a gente está entrando numa emergência climática tão grande, com a temperatura tendo atingido já por 16 meses 1,5°C, bateu o recorde de todos os eventos extremos. Isso está acontecendo no planeta todo. Então eu diria que agora vamos ter que ter reuniões muito mais rápidas, muito mais decisivas, com países muito voltados para buscar essas soluções.

Uma medida crucial é a checagem entre as promessas e as ações, a responsabilização daqueles que não estão fazendo a sua parte. Mas no nosso contexto atual de tantas guerras e de enfraquecimento das instituições multilaterais, e com a perspectiva da volta do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, a ONU vai ser capaz de cumprir esse papel?  

 

Sem dúvida esse é um desafio imenso. É muito difícil imaginar um sistema para buscar soluções globais que não tenham a ver nada com a ONU. As Nações Unidas têm que ter um papel muito, muito grande. O secretário-geral, António Guterres, tem batido muito forte, muito corretamente. Ele já até falou que o planeta está pegando fogo, que está uma efervescência global, não é mais aquecimento.

Então, é realmente muito importante que a ONU continue. Mas aí, sim, tem o desafio da ONU de conseguir trazer os países que têm maiores compromissos. Mostrar países atingindo metas. Já têm países que estão bem mais próximos de zerar as emissões. Vamos começar a dar um peso muito grande político para esses países.

E o grande desafio é que cerca de 80% das emissões são da queima de combustíveis fósseis para gerar energia. Como convencer o país que mais emite hoje, a China, quase tudo de combustíveis fósseis? Como realmente convencer que esses países acelerem muito a transição energética?

O menor custo é de cerca de US$ 1 trilhão por ano. Um número bem melhor seria US$ 2 tri a 3 trilhões por ano, para fazer uma superaceleração. Daria quase para fazer uma transição energética até 2040, mas o que se gasta nisso não chega nem perto.

Hoje, ainda se gasta muito mais trilhões de dólares por ano para expandir a exploração de combustíveis fósseis. Isso aí é um ecocídio e um suicídio planetário. Se está se gastando mais para manter os combustíveis fósseis do que para fazer a transição energética.

Nesse sentido, o Brasil, país-sede da COP30 no ano que vem, fica numa posição delicada. Será que, até lá, a gente vai ter uma sinalização mais clara sobre os planos do Brasil de continuar abrindo novas frentes de exploração de petróleo?

Nós temos que ter. Senão, o Brasil jamais será o líder da COP 30, como o presidente Lula levou agora no G20, e a ministra Marina Silva tem levado muito corretamente, a ideia de que vamos preservar todos os nossos biomas, salvar a Amazônia do ponto de não retorno.O Brasil não pode ser um país como foram as presidências da COP28 e a COP29, preocupados em aumentar a exploração de petróleo e gás natural.

Quais as suas expectativas para a Conferência de Baku, se é que o senhor tem alguma?

Vamos torcer que eu consiga sair na sexta-feira um pouquinho mais otimista. Eu estive na COP28 e eu não saí otimista, porque os países produtores de combustíveis fósseis só fizeram uma única coisa, que é aparecer a palavra transição energética nos documentos finais.

A primeira vez em 28 COPs, mas só falaram em transição. E a transição está muito lenta. Eles continuam aumentando a exploração de petróleo, carvão, gás natural e aumentando as emissões. Então não adianta, nós temos que ter uma meta de zerar muito rapidamente as emissões.

“Impressiona a ousadia, mas não a intenção”, diz analista sobre plano de golpe e assassinato no Brasil
21 November 2024
“Impressiona a ousadia, mas não a intenção”, diz analista sobre plano de golpe e assassinato no Brasil

O RFI Convida conversou com o professor e cientista político Cláudio Couto, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, sobre as revelações da Polícia Federal acerca de um plano que incluía golpe de Estado, assassinato de ministro do Supremo Tribunal Federal e da chapa vencedora nas eleições de 2022. Detalhes, como o arsenal bélico, até o que teria sido uma tentativa abortada de sequestrar o ministro Alexandre de Moraes, renderam muitas repercussões não só no Brasil, mas também na mídia internacional.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

“Impressionou sim, mas não surpreendeu. É muito impressionante realmente a ousadia que tiveram esses militares ligados ao governo Bolsonaro, especificamente esse grupo de militares que integra uma tropa de elite do Exército Brasileiro, que são chamados Kids Preto. Eles mais do que planejaram, chegaram a iniciar uma ação para sequestrar o ministro do STF que também presidia o TSE. Uma tentativa que foi abortada na hora por uma mudança de agenda. Se a pauta do tribunal não tivesse sido alterada, talvez Alexandre de Moraes tivesse sido sequestrado. Então, o que realmente impressiona é essa ousadia. Mas não chega a surpreender a ideia de fazer alguma coisa desse tipo porque se tratava mesmo de um grupo golpista.”           

Para o analista político, outros episódios já davam mostras de que a manutenção de poder era o principal objetivo: “Nós vimos uma série de outras iniciativas voltadas para esse fim. Por exemplo, no segundo turno da eleição, as ações da Polícia Rodoviária Federal no sentido de tentar impedir que eleitores da região nordeste, onde o candidato Lula tinha mais intenções de voto, pudessem chegar aos locais de votação.

Há muitas dúvidas que ainda precisam ser respondidas pelas investigações, como quem participou e quem sabia do plano que estava sendo traçado e que chegou a ter versões impressas, inclusive se o então presidente Jair Bolsonaro, na época já derrotado na reeleição, tinha ciência do que era tramado por pessoas de sua confiança.

“Eu acho muito improvável que ele não soubesse do que ocorria. Há indícios fortes, com essa última investigação da Polícia Federal, inclusive de que o plano desse magnicídio, para matar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e os candidatos eleitos à presidência da República, que isso foi impresso na sala ao lado da sua no Planalto. Seria muito estranho imaginar que ele não soubesse de nada.”

Muito se debate se a tentativa de sequestro foi mais exibição de amadorismo do que tática militar. Cláudio Couto afirma que o plano de prisão e execução de autoridades e candidatos poderia sim ter resultado em tragédia, mas para ele claramente era amadora a visão das consequências de um golpe como esse para o futuro do país.                    

“Aquele plano até poderia ser eficaz, ele poderia levar à prisão e assassinato dessas autoridades. Agora, me parece que faltou foi pensar no que poderia vir no dia seguinte, quer dizer, existe amadorismo no que se refere ao cálculo do cenário mais amplo. Como é que ficaria o país após um ato dessa natureza? Como é que nós ficaríamos, inclusive, num contexto tanto regional como global? Nesse sentido, a gente está falando claramente de gente muito despreparada.”                                                                                                                                                                      

E para o analista tal avaliação se torna preocupante ao tratar de militares de alta patente. “São pessoas tão obcecadas pelas suas convicções ideológicas, pelo seu autoritarismo que não conseguem fazer esse tipo de cálculo. E quando você tem militares incapazes de perceberem esse cenário mais amplo, a gente tem um motivo de preocupação, tanto porque eles podem continuar conspirando dentro do país, como porque talvez eles não sejam suficientemente confiáveis caso a gente precise se defender de agressões externas. Se isso vier acontecer, será que eles são gente capaz realmente de entender o que está acontecendo? Se for contar com grupos como esse, eu tenho lá minhas dúvidas.”

Forças Armadas

O especialista também comentou a visão que tem das Forças Armadas hoje e como vê o eco democrático dentro da caserna. “Eu não apostaria que a democracia é um valor acolhido pela maioria das Forças Armadas no Brasil, até pelo histórico militar desde o início da República. Eu acho que há sim alguns indivíduos ali que têm essa preocupação e outros que, na realidade, não quiseram embarcar numa aventura golpista por receio do que pudesse vir como consequência. Há uma fala que é atribuída a um desses generais de que ele não queria ter 20 dias de glória para depois ter 20 anos de sofrimento. O que é glorioso quando você destrói a democracia? A preocupação dele não era com a ruptura. Então, sou muito cético quanto a esse apego democrático, mas às vezes se não for por amor que seja por temor. Maquiável já dizia que o príncipe quando não pode ser amado é bom que seja temido. Acho que com a democracia pode ser a mesma coisa. Se não pode ser amado, é bom que pelo menos o Estado de Direito seja temido.”                                                                                             

Diante dessas investigações que vieram à tona, Cláudio Couto avalia que, por enquanto, fica na geladeira a ideia de anistiar quem participou os atos golpistas de oito de janeiro, bem como do ex-presidente Bolsonaro, que está inelegível

“Acho que nesse momento uma anistia fica postergada. Agora, isso não quer dizer que não possa ser retomado mais adiante. E nós temos exemplos, inclusive ao nosso lado aqui na Venezuela, de como perdão a golpistas é perigoso. Hugo Chávez tentou um golpe de Estado em 1992, foi malsucedido, foi preso, mas poucos anos depois foi perdoado pelo presidente Rafael Caldeira. Isso permitiu que Hugo Chávez retornasse à condição de ator político relevante, disputasse a presidência, se elegesse e, a partir dali, começou um processo de erosão da democracia venezuelana, com apoio dos militares que ele lotou em postos importantes em seu governo”.

Defesa da democracia

Para o professor da FGV, punir todos os citados na tentativa de golpe é arma crucial em defesa da democracia. “É fundamental que todos os que são responsáveis por essas tentativas de ruptura institucional, de golpe de Estado, de magnicídio, que todos eles sejam devidamente responsabilizados perante a lei. E se aqueles que foram lá, os bagrinhos, a bucha de canhão que foi lá invadir os prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro pegaram penas de cerca de 17 anos de prisão, quantos anos não devem pegar esses que foram os artífices do processo? Acho que esses têm que ter sentenças muito duras e que sejam exemplares mesmo, porque talvez não haja coisa mais grave do que tentar romper com o estado de direito. Porque afinal de contas, todos os crimes para serem combatidos, precisam ter o estado de direito em pé.”

Cláudio Couto também comentou o retorno de Trump em meio a um cenário político ainda polarizado no Brasil: “Acho que a volta de Trump à presidência nos Estados Unidos é também um fator preocupante para a democracia, porque ele claramente é uma liderança política de vocação autoritária. Se a gente observar as primeiras indicações para compor o seu governo, são todas figuras muito radicais dentro do Partido Republicano. Imaginemos o que teria sido no Brasil o processo eleitoral de 2022 com um governo como o de Trump nos Estados Unidos. Certamente a gente não teria o mesmo apoio que houve a democracia brasileira por parte do governo Biden, que várias vezes mandou emissários ao Brasil, inclusive seu secretário de defesa, para se dirigir diretamente aos militares brasileiros, os dissuadindo de qualquer ação.”

Agora isso não significa que a vitória de Trump tem poder de influenciar os processos judiciais por aqui. “Então, é claro que a presença de uma liderança de vocação autoritária num país com a importância que têm os Estados Unidos, isso é tremendamente preocupante. Mas é um fator que por si, acredito eu, não seja suficiente para derrubar a democracia ou salvar a pele dos nossos golpistas por aqui. Acho que muitos deles estão se fiando nisso, de que Trump volta e eles quase que por automatismo vão ser perdoados daquilo que fizeram. Não acho que é assim que funciona, estamos num país soberano e que pode levar adiante o cumprimento das leis.”

Pesquisadora defende capoeira como instrumento de inclusão para crianças de abrigos na França
20 November 2024
Pesquisadora defende capoeira como instrumento de inclusão para crianças de abrigos na França

Patrícia Pereira dos Santos é formada em Educação Física com especialização em Psicologia Social. Sua tese de doutorado, que ela acaba de defender na Universidade de Rennes, no noroeste francês, se debruça sobre os instrumentos que a capoeira de Angola oferece para ressocializar e interagir com crianças e jovens de abrigos na França. 

"Fiz um mestrado no Brasil e, após concluir, criei minha própria associação, a Capoeira Angola BREIZH Îlienne", conta Patrícia Santos. Desde então, tenho trabalhado com a capoeira de Angola em diversos setores educacionais na França, incluindo escolas, abrigos e até com pessoas com deficiência. "Decidi continuar minha trajetória acadêmica e me inscrevi em um doutorado em um tema relacionado na Universidade de Rennes", conta.

Em paralelo, a educadora iniciou um projeto de parceria entre a universidade e uma instituição de acolhimento para crianças e adolescentes da cidade onde mora, Pornic, município costeiro no noroeste da França. "O objetivo é desenvolver um trabalho com a Capoeira de Angola dentro dessa instituição", afirma Santos.

"Atualmente, concluí uma especialização em psicologia social, que será a base teórica da minha tese. Para isso, pretendo utilizar o modelo de Kurt Lewin, que aborda a dinâmica de grupo e a mudança de comportamento das pessoas. A ideia é explorar como mudanças podem ser facilitadas de forma mais lúdica e positiva quando aplicadas a um grupo, em vez de focar no indivíduo isoladamente", explica a pesquisadora.

"Minha proposta é levar a capoeira de Angola para dentro dessa instituição, validando-a como uma ferramenta educacional e socioemocional", explica. "A intenção é demonstrar como a capoeira pode atuar de forma benéfica no desenvolvimento comportamental das crianças e adolescentes participantes, promovendo um impacto positivo em suas vidas", sublinha Santos. 

Capoeira como inclusão

A capoeira, de forma geral, é uma poderosa ferramenta de inclusão social, segundo a educadora e capoeirista brasileira. "Um breve contexto histórico já revela seu potencial para promover a socialização, seja por meio do movimento corporal, das técnicas morais, ou da musicalidade. Na capoeira, temos diversos instrumentos a serem aprendidos, e quando uma pessoa começa a tocar e ouvir esses instrumentos, ela também precisa desenvolver a habilidade de escutar o outro. Isso implica em aprender a silenciar para ouvir, o que é um grande desafio, especialmente para crianças e adolescentes que vivem em abrigos", afirma.

Essas crianças geralmente apresentam comportamentos antissociais e têm uma intensidade emocional muito elevada. A capoeira Angola, nesse contexto, atua como uma ferramenta educacional que, por meio dos seus movimentos, da sua história, da sua cultura e, principalmente, da sua musicalidade, ajuda a transformar esses comportamentos. Ela promove a escuta, o respeito e o autocontrole, incentivando também a prática de olhar para si mesmo e para o outro com empatia. Com o tempo, isso nos permite trabalhar profundamente o desenvolvimento da empatia e de outras competências socioemocionais essenciais para a convivência social.

Retorno "gratificante" e desafios

"A pesquisa de campo relacionada à minha tese durou oficialmente um ano e meio", conta Santos. "No entanto, continuamos o trabalho com essas crianças, já que sou presidente da associação de capoeira, e seguimos com o projeto por mais dois a três anos. Muitos dos jovens atendidos se inscreveram na associação para continuar praticando capoeira, mesmo após saírem do abrigo. Hoje, muitos deles são adultos, têm suas próprias casas e suas próprias vidas. Ainda mantenho contato com alguns deles, especialmente com aqueles que, na época, tinham entre sete e oito anos, e hoje têm cerca de 15 anos", explica.

"O feedback que recebo é muito gratificante. Mesmo aqueles que não seguiram praticando capoeira afirmam que a experiência mudou suas vidas. Eles mencionam que aprenderam a se expressar melhor, a dialogar com mais alegria e descobriram que há diversas maneiras de enfrentar desafios", destaca Patrícia Pereira dos Santos.

"Por exemplo, se alguém não era tão bom em fazer certos movimentos, podia encontrar sua habilidade em tocar um instrumento como o berimbau. Assim, eles perceberam que não precisam se sentir inferiores por não serem excelentes em uma área, pois sempre há outras formas de se destacar", afirma Santos.

"O objetivo do nosso trabalho nunca foi transformá-los em capoeiristas, mas sim mostrar que, assim como na capoeira, onde há várias saídas e alternativas para o jogo, para aprender instrumentos e canções diferentes, a vida também oferece múltiplos caminhos", detalha. "Se algo não dá certo em um momento, sempre há outra forma ou direção que pode funcionar. Esse ensinamento foi essencial para muitos deles, ajudando-os a encontrar novas perspectivas e soluções na vida cotidiana", conclui a pesquisadora brasileira.

Jornalista brasileira tenta desconstruir clichês sobre franceses no livro “Entrelinhas de Paris”
19 November 2024
Jornalista brasileira tenta desconstruir clichês sobre franceses no livro “Entrelinhas de Paris”

“Entrelinhas de Paris” é o título do livro que a jornalista brasileira Luciana Marques acaba de lançar, em português, pela editora Ases. A obra de minicrônicas é uma mistura de guia de viagem, manual de francês e da cultura francesa, descrição de hábitos parisienses e as impressões de uma brasileira sobre isso tudo.

Luciana Marques morou em Paris durante seis meses para um intercâmbio na Universidade Sorbonne Nouvelle. Na época, começou a anotar no bloco de notas do telefone celular, principalmente durante os trajetos no metrô, suas impressões sobre a cidade e os parisienses. “Depois, eu fui vendo que aquilo realmente tinha um conteúdo que poderia virar um livro futuramente”, conta.

Antes de virar livro, a jornalista apresentou as anotações e informações sobre o que viu e ouviu “de curioso, de choque cultural também” como projeto final do curso de Línguas Estrangeiras Aplicadas ao Multilinguismo e à Sociedade de Informação da Universidade de Brasília. Depois, atualizou e organizou essa visão de “uma brasileira olhando a cidade” no livro “Entrelinhas Paris: microcrônicas desconstruídas e descontraídas da capital francesa”, lançado em outubro.

A obra tem sete capítulos, com títulos bilingues francês-português, que podem ser lidos independentemente e fora da ordem. O título é bem bolado, com múltiplos sentidos. “É entrelinhas porque eu escrevi entre uma linha e outra do metrô e também entre uma linha e outra desse livro que é um formato um pouco diferenciado” diz.

Ela explica que as frases que compõe o texto foram escritas “como se fossem tuítes, mas são encadeadas. Então, você lê o livro corrido, mas cada frase é uma minicrônica”, detalha afirmando que “Entrelinhas” é uma obra “bem debochada, bem irônica”. As ilustrações do livro, assinadas por Jane Carmen Oliveira, reforçam essa ironia.

Paris romântica e franceses mal-humorados

Paris seria a capital do romantismo, do luxo, da culinária, e os e as parisienses seriam chiques, mas mal-humorados. Esses são apenas alguns dos clichês associados à capital da França que Luciana Marques tenta desconstruir no livro para mostrar e “entender essa riqueza da cultura, que realmente vai além do que a gente vê no dia a dia”.

O texto é repleto de anedotas que confirmam estereótipos, mas revelam outras facetas dos parisienses. Ela lembra que uma vez chegou a uma loja que estava fechando e o vendedor se recusou a atendê-la, porque não podia perder tempo para ir ler um livro na pracinha. “Isso no Brasil seria muito difícil de a gente encontrar, uma pessoa que prefere não vender para aproveitar a vida. A gente aprende muito com esse espírito francês, também de bon vivant, do ‘bobô’ (burguês-boêmio) parisiense”, acredita.

O gênero de “Entrelinhas” é difícil de definir. O livro é uma mistura de manual de língua e de cultura, um guia de viagem e um relato de viagem. “Eu defini como minicrônicas exatamente pelo fato de ter essa linguagem do dia a dia, do cotidiano”, indica.

Sonia Rubinsky conquista franceses com novo álbum 'Goldfingers', homenagem à 'era de ouro' do piano
15 November 2024
Sonia Rubinsky conquista franceses com novo álbum 'Goldfingers', homenagem à 'era de ouro' do piano

Ela é conhecida mundialmente como "Madame Villa-Lobos", mas acabou de ganhar na França, com o lançamento do seu novo CD, "Goldfingers", uma epígrafe ainda mais impressionante: "la grande dame du piano", a "grande dama do piano". Um grande elogio quando se trata de uma pianista brasileira radicada na França, Sonia Rubinsky. Ela conversou com a RFI sobre seu novo álbum, "Goldfingers", que acaba de lançar no país, e já disponível em streaming para amantes do piano de todo o mundo.

Para ver a entrevista na íntegra, clique na foto principal da matéria

"Goldfingers", considerado pelo jornal francês Libération como uma "grande aula de piano", remete a uma era de ouro do instrumento. "Eu tive essa inspiração de chamar o CD de "Goldfingers". E confesso que brinquei um pouco com as palavras por causa da referência ao título homônimo do cinema [uma referência a "Goldfinger", série do agente 007 estrelado em 1964 por Sean Connery]. Mas, no fundo, é uma reverência aos grandes nomes da história do piano que tocaram profundamente o meu coração quando eu era uma jovem pianista, fazendo meu coração bater mais forte e que continuam me inspirando até hoje", explica a pianista brasileira Sonia Rubinsky, radicada na França.

"Esses nomes como Horowitz, Rubinstein, que eu tive a honra de ouvir ao vivo, ou por gravações, tinham algo de especial. Eles conseguiam criar uma magia com as notas que ia além da música em si, sempre com muita elegância, estilo e um grande virtuosismo", analisa.

Além de um álbum que celebra grandes intérpretes, "Goldfingers" também convoca grandes compositores. "Exatamente", concorda Rubinsky. "Naquela época, muitos dos grandes pianistas também eram grandes compositores. O maior exemplo, que todos conhecem, é Rachmaninoff, que não só era um compositor genial, mas também um pianista absolutamente magnífico", lembra.

"Magia"

"Hoje em dia, essa tradição de ser um pianista-compositor, ou até mesmo um pianista que improvisa, se perdeu um pouco. Nos tornamos mais compartimentalizados. Mas isso não significa que precisamos perder essa vontade de criar magia quando estamos diante do público", analisa a intérprete.

Sobre sua relação com a França, a pianista afirma que gravou "[Georges] Bizet, incluindo as 'Variações de Carmen', que é uma transcrição de Horowitz sobre os temas da ópera homônima". Ela admite que o repertório francês influenciou seu trabalho e sua relação com a música, no trânsito entre o Brasil e a França. "Sem dúvida. Existem certos compositores que são essenciais para ampliar sua paleta de cores e emoções ao piano. É impossível, por exemplo, não passar por Debussy. Ele trouxe uma estética extremamente rica, sofisticada e que trata a música como uma matéria viva, o que ressoa muito comigo, especialmente quando penso na arte da interpretação", afirma.

Sobre o apreço da pianista brasileira pela música contemporânea para piano, como foco no francês Olivier Messiaen, mas também em compositores brasileiros, como José Antônio Rezende de Almeida Prado, Rubinsky diz que "Almeida Prado, que também estudou aqui na França com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen, conseguiu desenvolver uma linguagem muito pessoal e eclética".

Almeida Prado e o "pianismo brasileiro"

"Quando você ouve uma obra de Almeida Prado, sua autoria é inconfundível. E são poucos os compositores modernos que têm essa qualidade única. Villa-Lobos também tem essa marca registrada, mesmo com a enorme diversidade de estilos que ele abordou. Há um lirismo profundo tanto em Almeida Prado quanto em Villa-Lobos, que é algo que eu valorizo muito.

Sonia Rubinsky concorda que não seria exagero dizer que o Brasil tem uma tradição de excelentes pianistas e intérpretes. "Podemos afirmar isso com certeza. Houve um período, há uns 30, 40 ou 50 anos, em que se falava muito em 'pianismo brasileiro'. Isso começou com a formação de uma escola de piano que teve como alunas figuras notáveis como Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro. Essa tradição de pianismo brasileiro é muito rica e tem influenciado gerações de pianistas até hoje", conclui Rubinsky.