O poder formador da imagem.

O poder formador da imagem.

Adelmo Marcos Rossi
00:16:28
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About this episode

Agora proponho abandonar o tema obscuro e sombrio da neurose traumática e estudar o modo de trabalho do aparelho psíquico em uma de suas mais precoces atividades normais. Refiro-me à brincadeira infantil.

As diferentes teorias sobre a brincadeira infantil foram reunidas e apreciadas analiticamente apenas há pouco por S. Pfeifer na revista Imago(V/4); posso indicar aqui esse trabalho. Essas teorias se empenham em descobrir os motivos da brincadeira das crianças sem colocar em primeiro plano o ponto de vista econômico, a consideração pelo ganho de prazer. Aproveitei, sem querer abranger o todo desses fenômenos, uma oportunidade que me foi oferecida para esclarecer a primeira brincadeira de um menino de um ano e meio de idade, uma brincadeira que ele mesmo inventou. Foi mais do que uma observação fugaz, pois passei algumas semanas vivendo sob o mesmo teto que a criança e seus pais, e levou relativamente bastante tempo até que a ação enigmática e constantemente repetida me revelasse seu sentido.

Essa criança não estava de maneira alguma adiantada em seu desenvolvimento intelectual; com um ano e meio, falava apenas umas poucas palavras inteligíveis, dispondo além disso de vários sons significativos que eram compreendidos pelo entorno. Mas ela tinha boas relações com os pais e a única empregada, sendo elogiada por causa de seucaráter “comportado”. Não perturbava os pais durante a noite, obedecia conscienciosamente às proibições de tocar vários objetos e entrar em certos cômodos, e, sobretudo, nunca chorava quando a mãe a deixava por horas, embora estivesse ternamente ligada a essa mãe, que não só a alimentou por conta própria, mas também cuidou e tomou conta dela sem qualquer ajuda alheia. Só que essa criança bem-comportada tinha o hábito, às vezes incômodo, de jogar para bem longe de si – num canto, debaixo de uma cama etc. – todos os pequenos objetos que pegava, de modo que encontrar seus brinquedos muitas vezes não era um trabalho fácil. Ao fazê-lo, emitia, com expressão de interesse e satisfação, um alto e longo ó-ó-ó-ó, que, segundo o juízo unânime da mãe e deste observador, não era uma interjeição, mas significava “fort” [foi embora]. Finalmente percebi que aquilo era uma brincadeira e que a criança usava todos os seus brinquedos apenas para brincar de “foi embora” com eles. Um dia, então, fiz a observação que confirmou minha concepção. A criança tinha um carretel de madeira com um fio enrolado nele. Jamais lhe ocorria, por exemplo, arrastá-lo atrás de si pelo chão, ou seja, brincar de carrinho com ele, mas jogava o carretel com grande habilidade, segurando-o pelo fio, sobre a borda de sua caminha com dossel, de maneira que ele desaparecia dentro dela; enquanto isso, pronunciava o seu significativo ó-ó-ó-ó e então puxava o carretel pelo fio para fora da cama, agora saudando seu aparecimento com um alegre “da” [aí está]. Essa era, portanto, a brincadeira completa, desaparecimento e retorno, da qual na maioria das vezes víamos apenas o primeiro ato, e este foi repetido incansavelmente como brincadeira isolada, embora o prazer maior sem dúvida estivesse ligado ao segundo ato.

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