A Transfiguração de Jesus
Todo segundo domingo da Quaresma, refletimos sobre o Evangelho que narra a Transfiguração de Jesus.
Na narrativa de Lucas, a Transfiguração revela detalhes fascinantes. Primeiramente, Jesus estava em oração quando o evento ocorreu, destacando a importância da oração no Evangelho de Lucas. Em momentos centrais da vida de Jesus, Ele sempre se encontrava em oração, algo que não é tão enfatizado nos outros Evangelhos. Em segundo lugar, Moisés e Elias aparecem, radiantes, conversando com Jesus sobre a morte que Ele enfrentaria em Jerusalém. O termo grego utilizado é "êxodo", aludindo à passagem de Jesus de Jerusalém em direção à ressurreição e à vida eterna.
No Antigo Testamento, as montanhas sempre foram locais de revelação divina. Pedro, Tiago e João representam as lideranças iniciais da Igreja, enquanto Moisés e Elias simbolizam o Antigo Testamento: Moisés representa a Lei e Elias representa os Profetas. Essa conexão ensina que todo o Antigo Testamento aponta para Jesus, especialmente em relação à Sua morte e ressurreição.
Outro ponto teológico relevante é que, nos Evangelhos de Lucas e Mateus, o rosto de Jesus é transformado. No Êxodo, Moisés desejava ver o rosto de Deus, mas isso lhe foi negado. Elias, ao estar na montanha, escondeu o rosto quando Deus se aproximou. Agora, ambos veem o rosto de Deus em Cristo, que é a manifestação visível de Deus na Terra.
No versículo 35, uma nuvem, símbolo da presença divina, envolve os apóstolos, e uma voz declara: "Este é o meu Filho, o escolhido. Escutai o que Ele diz." No Batismo de Jesus, a voz afirmou: "Este é o meu Filho amado". Agora, a instrução é clara: devemos ouvir Jesus. Com isso, Moisés e Elias desaparecem, evidenciando que a Lei e os Profetas se cumprem em Cristo, a Palavra final de Deus.
A primeira leitura nos apresenta a Aliança de Deus com Abraão, onde Ele promete uma grande descendência e firma um pacto. O ritual descrito era típico da época: animais eram sacrificados e suas partes divididas, com as partes envolvidas passando entre elas como um sinal de comprometimento. No entanto, apenas Deus, representado pelo fogo, atravessa os animais, ressaltando que a Aliança é unilateral: mesmo que Abraão não seja fiel, Deus permanecerá fiel.
A segunda leitura, da Carta aos Filipenses, revela que nosso corpo humilhado será transfigurado para se tornar semelhante ao corpo glorioso de Cristo. Paulo adverte sobre aqueles que se comportam como "inimigos da cruz de Cristo". Alguns estudiosos acreditam que Paulo se refere aos judaizantes, que exigiam estrita observância da Lei mosaica para a salvação, ou aos cristãos helenistas, que desconsideravam o corpo e centravam-se apenas na salvação da alma. Ambas as visões são problemáticas: os judaizantes viam a salvação como dependente do cumprimento da Lei, enquanto os helenistas negligenciavam a importância do corpo na redenção.
No catolicismo contemporâneo, essas posturas ainda se fazem presentes: existem aqueles que defendem um moralismo rigoroso, pensando que a salvação advém unicamente do cumprimento da Lei, e outros que ignoram a justiça social e as necessidades físicas, focando apenas na salvação da alma. Ambas as extremidades são equivocadas, pois Cristo morreu para salvar o ser humano como um todo: corpo e alma.
Neste dia, roguemos a Deus que nos alivie com Sua Palavra, para que, purificados pela fé, possamos nos alegrar ao contemplar Sua Glória. Peçamos também que nossa oferta purifique nossos pecados e nos prepare para a Páscoa. Mesmo estando ainda no mundo, nossa esperança é, um dia, participar da Glória Celestial.
Inácio Martins, teólogo e biblista