Como pode de tão inofensivo ser tão cruel, o cafézinho com duas colheradas de açúcar? O pastélzinho de Belém, que coisa esplêndida. E o chá inglês, sem o ouro branco? Seria só mais uma bebida amarga. Mas, como pode? Tão doce, que te faz sorrir, que te faz feliz, que te vicia como droga (aliás, é droga), produzir um mundo tão amargo? Tão violento! Tão hierarquizado! O açúcar invadiu mercados europeus, adoçou a boca da nobreza e encheu os bolsos da burguesia. E simplesmente destruiu as Américas. Um café adoçado era um braço de escravizado que ficava preso na moenda. Um confeito europeu valia o genocídio dos povos originários do sul ao norte da América. O Brasil não era açucareiro porque não existia Brasil. Mas a violência da açucarocracia, do alto escalão dos senhores de engenho que fizeram do Brasil sua casa grande forjou as bases da nossa sociedade. Violentada e violenta. Doce para pouquíssimos, amarga para milhões. É preciso experimentar um Brasil que tenha outro paladar. É preciso se indignar com o passado, não para um futuro, mas para um presente melhor. Solta o play