A cada Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas, as COPs do Clima, os bloqueios nas negociações se eternizam e os resultados parecem nunca estar à altura do desafio. Enquanto a COP29 acontece em Baku, no Azerbaijão, um respeitado grupo de cientistas e pensadores entregou às Nações Unidas sugestões para melhorar a eficiência do evento.
Lúcia Müzell, da RFI em Paris
Já faz mais de três décadas que os representantes dos países reúnem-se para debater os impactos do problema e buscar soluções conjuntas para enfrentá-lo. Ao longo dos anos, na medida em que as alterações do clima se tornaram mais claras, o evento virou parada obrigatória de dezenas de milhares de participantes – muitos deles apenas interessados em afundar o acordo em discussão.
"Em 2024, a tarefa é inequívoca: as emissões globais de gases de efeito estufa devem ser reduzidas em 4 bilhões de toneladas. 28 COPs nos entregaram a estrutura de política para atingir isso. No entanto, sua estrutura atual simplesmente não pode entregar a mudança em velocidade e escala exponenciais, o que é essencial para garantir um pouso climático seguro para a humanidade”, alega o Clube de Roma, centro internacional de reflexões que lançou o primeiro alerta sobre os limites do planeta, em 1972.
"Precisamos mudar da negociação para a implementação", frisa o documento, ao mencionar a “urgência” de os acordos das COPs serem cumpridos para garantir a transição energética e a eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
O climatologista Carlos Nobre, reconhecido internacionalmente pelos estudos sobre o aquecimento global e em especial sobre as consequências para a Amazônia, é um dos brasileiros signatários da carta. “As conferências têm sido promessas de salvar o planeta. Promessas. Quando a COP26, em 2021, em Glasgow, na Irlanda, fala que não podemos deixar o aumento da temperatura passar de 1,5C, que temos que reduzir rapidamente as emissões líquidas e zerá-las até 2050, nada disso foi feito”, ressaltou.
“Os dados iniciais mostram que, em 2024, as emissões serão mais altas que em 2023. Então me parece que está muito difícil de conseguirmos. Nas COPs, os países bateram o martelo de que as metas são voluntárias, mas pouquíssimos estão caminhando nessa direção”, lamentou.
Fim das COPs em países petroleirosA conferência reúne chefes de Estado, reis, ministros, parlamentares e sobretudo diplomatas e especialistas nas causas e consequências do aquecimento do planeta. Acadêmicos, movimentos sociais, comunidades locais e até artistas engajados participam dos debates – mas também um número expressivo de lobistas de setores causadores do problema circulam à vontade pelos corredores das COPs.
Só do setor petroleiro, são quase 1,8 mil representantes registrados na Conferência de Baku. O presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, sequer dissimulou o apreço que mantém pelo petróleo, chamado por ele de um “presente de Deus”.
Excluir da presidência das COPs os países que não apoiam a transição para o fim das energias fósseis e restringir o acesso daqueles que comparecem apenas para atrapalhar os avanços são duas das sete propostas do Clube de Roma para reformar as conferências.
“Na COP do ano passado, o principal lobista era o presidente da COP. Aqui é a mesma coisa esse ano, e o ministro do país petroleiro está usando a COP para fazer negócios de petróleo e gás, como aconteceu no ano passado”, salienta Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima (OC) e veterano do evento. “Evidentemente, os lobistas têm uma influência deletéria nas negociações”, constata.
Conflitos internacionais e reforma de instituições financeirasPara serem mais efetivas, portanto, as conferências deveriam ser menores, mais frequentes e focadas na avaliação dos progressos realizados, além da busca por soluções em temas-chave, como o financiamento climático. Desta vez, a COP e a cúpula do G20 aconteceram simultaneamente e tiveram uma sinergia inédita sobre os temas cruciais debatidos na Conferência do Clima. O grupo reúne os países responsáveis por 80% das emissões mundiais.
Num contexto de guerras e enfraquecimento das instituições multilaterais, as Nações Unidas têm dificuldade para promover os avanços – mas ainda são a única instância capaz de capitanear este processo, avalia Angelo.
“O problema é o seguinte: ruim com a COP, pior sem ela, porque hoje a única coisa que nos separa de um aquecimento global de 3C ou mais é esse processo aqui. É o único processo onde cada país tem voz e voto, onde as principais vítimas da mudança climática têm tanto poder de decisão quanto os principais causadores dela. Se não for a ONU, quem mais vai ser?”, indica.
“Tem uma série de ideias e propostas para a reforma das instituições financeiras multilaterais, algo em que o G20 também trabalhou. Tudo isso é importante e tem que acontecer. A solução precisa ser global e multilateral – mas que não está funcionando na velocidade que deveria, não está”, observa o coordenador do OC.
Carlos Nobre sobrevoou a Amazônia com BidenNo último domingo (17), o cientista Carlos Nobre sobrevoou a Amazônia ao lado do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden – o primeiro mandatário americano a pisar na floresta durante o exercício do poder. Na medida em que o impacto devastador das mudanças climáticas sobre territórios e populações fica mais evidente – com consequências econômicas e sociais, mas também políticas para os governantes –, o climatologista espera que os líderes mundiais acelerem as ações para combater o problema.
“Ele viu todas as áreas do lado de Manaus superdesmatadas, degradadas, um monte de floresta queimada. Eu mostrei para ele como o aquecimento global está fazendo a maior seca da história da Amazônia. Eu acho que o presidente, tendo a oportunidade de ver isso com os próprios olhos, é muito mais importante do que simplesmente alguém, cientistas e políticos, como o presidente Lula, comunicarem sobre isso”, relata. “Hoje ainda se gasta muito mais, muitos trilhões de dólares por ano para expandir a exploração de combustíveis fósseis. Isso é um ecocídio e um suicídio planetário.”