Na Europa, indígenas brasileiros pressionam por legislação ambiental que proteja o Cerrado

Na Europa, indígenas brasileiros pressionam por legislação ambiental que proteja o Cerrado

RFI Brasil
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Lideranças indígenas do Brasil realizam um giro pela Europa esta semana para sensibilizar a opinião pública e dirigentes europeus sobre a proteção do Cerrado. Os representantes da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e organizações ambientalistas ressaltam que apesar da regulamentação ambiental rigorosa em vigor na União Europeia, soja oriunda de áreas desmatadas no bioma continuam a desembarcar regularmente nas fronteiras do bloco.

Nos últimos anos, os olhos do mundo e do Brasil se voltaram para o desmatamento na Amazônia e com o governo Lula, os números começaram enfim a cair. Mas enquanto isso, a devastação segue a pleno vapor no Cerrado. Dinamam Tuxá, da coordenação-executiva da APIB, integra a comitiva que foi a Amsterdã, Paris e Bruxelas para alertar sobre o problema e cobrar mais proteção dos europeus.

“O desmatamento da Amazônia está migrando para outros biomas do Brasil, devido à moratória da Amazônia sobre a soja, a madeira. Infelizmente, não temos visto, tanto os governos estaduais quanto o governo federal, políticas incisivas para conter o desmatamento no Cerrado, nem programas ou financiamento para que haja algo parecido como o Fundo Amazônia”, disse, à RFI. “Não vemos isso com a mesma força para nenhum outro bioma brasileiro.”

Nesta quinta a ONG internacional Mighty Earth promove em Paris uma conferência sobre o Cerrado, “bioma esquecido”, como definiu Boris Patentreger, o diretor da entidade. Ele lembra que a legislação europeia sobre desmatamento importado – quando os produtos que chegam ao continente são resultados de desmatamento em outros países externos ao bloco – se restringe à proteção de florestas cujas árvores são maiores do que 5 metros. Assim, apenas um quarto do Cerrado foi beneficiado pela medida, adotada em dezembro de 2022.

“O nosso prisma europeu não considera o Cerrado uma floresta, embora todo o seu ecossistema lá seja igual ao de uma floresta – em termos de emissões de carbono, biodiversidade e presença de populações locais. Ele, então, ele é menos protegido, e hoje é impossível garantir que as suas florestas são mesmo protegidas”, alegou.  “Nós queremos que todos os outros ecossistemas florestais sejam incluídos na regulamentação europeia, de modo a abranger todo o Cerrado.”

Sônia Guajajara cobra 'responsabilidade' de europeus

Por coincidência das agendas, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, também está esta semana na Europa, onde cumpre agendas na Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura), em Paris, no Vaticano e na FAO (agência da ONU para Alimentação e Agricultura), em Roma.

Na capital francesa, em entrevista à RFI Brasil, ela lembrou que, como ativista, pressionou por anos o bloco europeu e as empresas a adotarem regras rígidas de controle ambiental dos produtos que importam do Brasil.

“Agora, na condição de ministra, a gente continua entendendo que é importante que a Europa assuma também essa responsabilidade sobre a proteção ambiental, que possa garantir essa lei de rastreabilidade dos seus produtos, das empresas desses países, e que possa também fazer cumprir o Acordo de Paris, com a destinação de recursos anuais para proteger as florestas tropicais”, ressaltou a ministra. “A Europa tem essa responsabilidade, esse papel de ajudar a proteger, afinal de contas, temos aí uma região que muito colaborou para esse desmatamento global.”

Dinamam Tuxá ressaltou que, enquanto o Ministério dos Povos Indígenas se estrutura, pouco mais de um ano após ser criado, o governo brasileiro "ainda não dá a devida atenção ao Cerrado". "Mas os desafios são muitos, por isso queremos colocar a comunidade europeia nele, afinal ela é o mercado consumidor da soja que está fomentando a destruição do Cerrado", frisou. 

Relatório sobre a soja 

A Mighty Earth, que costuma acompanhar o impacto da pecuária sobre a Amazônia, agora passa a divulgar relatórios sobre o avanço da soja nos dois biomas, foco do agronegócio brasileiro destinado à exportação. A região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) é a mais ameaçada.

Apoiada por dados oficiais de satélites do sistema Deter e do Mapbiomas, mas também com equipes presenciais, a organização verificou que a usina da Bunge em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, recebe carregamentos de pelo menos uma fazenda que produz soja em áreas recentemente desmatadas. Da unidade, 40% das exportações partem para a França, alega Patentreger. A soja é utilizada principalmente para a alimentação animal, na agricultura.

“Nesta fazenda, a gente pôde verificar casos de desmatamento que não respeitam a regulamentação europeia, porque constatamos novos alertas de devastação de florestas para o plantio. Vimos caminhões levando soja dessa fazenda para a usina da Bunge”, acusou. “No nosso relatório, pudemos provar que a França não está adequada à lei de combate ao desmatamento importado.”

Neste contexto, os indígenas aproveitam a viagem à França, Holanda e Bélgica para se posicionar contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. O tratado é visto como mais uma ameaça para as comunidades locais, pela perspectiva de aumento do fluxo de exportações de commodities pelo Brasil. Atualmente, as negociações do texto encontram-se bloqueadas.

O governo francês já declarou que não aprovará o texto enquanto as regras ambientais de produção agrícola não forem equivalentes nos dois blocos. O tema estará na pauta da viagem oficial que o presidente francês, Emmanuel Macron, fará ao Brasil no fim de março.