Mudanças climáticas ameaçam qualidade dos queijos franceses
08 May 2025

Mudanças climáticas ameaçam qualidade dos queijos franceses

Planeta Verde

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O aumento da temperatura global desafia os produtores rurais dos quatro cantos do planeta a se adaptarem a novas condições climáticas e conseguirem manter as suas especificidades – e não é diferente com os produtores de queijos franceses. Camembert, comté, brie, roquefort: o país se orgulha de fabricar mais de mil variedades de queijos, dos quais 46 se beneficiam da proteção de Denominação de Origem Controlada (DOC ou AOP, em francês). Mas este patrimônio cultural está ameaçado pelas mudanças do clima.

Como evitar que a repetição das secas leve os queijos específicos dessas regiões a perderem o gosto, o odor e até a cor? Pesquisadores da região centro-sul da França se debruçaram sobre a questão.

Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas sobre Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente (INRAE) e a escola superior VetAgro Sup demonstrou os efeitos de um tempo mais quente e seco sobre o queijo cantal, fabricado há 2 mil anos nas montanhas do Maciço Central. Resultado: quanto menos acesso às vacas têm ao pasto natural da região, rico em diversidade de flora, mais empobrecido será o queijo produzido a partir do seu leite.

As conclusões servem de alerta para todo o setor no país, indica o pesquisador Matthieu Bouchon, que coordenou o estudo. "No sul da França, os impactos são muito mais fortes que no norte, onde chove mais. Mas o impacto também pode ser muito diferente em função da flora de cada lugar: temos espécies diferentes até em áreas territoriais pequenas", observa. "No centro da França, por exemplo, encontramos dezenas e dezenas de tipo de floras, e cada uma é afetada de uma forma diferente", explica o pesquisador.

Aumento de secas reduz o pasto nas montanhas

A partir dos anos 1980, o país viu o número das ondas de calor triplicar, além de se tornarem mais longas. Ao mesmo tempo, as chuvas durante o verão caíram de 10% a 20%, segundo levantamento do instituto Météo France.

No Maciço Central, algumas áreas tiveram uma queda de até 40% das precipitações anuais, como foi o caso de 2022, ano de uma seca recorde. Estas alterações afetam diretamente a vegetação da montanha: algumas espécies migram para áreas mais altas e os pastos chegam a reduzir pela metade, com impacto direto na criação de gado e ovinos.

Matthieu Bouchon explica de que modo essas mudanças na alimentação dos animais afetam, por sua vez, os queijos: "É diretamente ligado às moléculas presentes nos campos e flores. As do tipo terpeno são ingeridas pela vaca e transmitidas ao leite e, depois, aos queijos. São moléculas aromáticas, que dão o odor às flores e atraem os polinizadores, e que dão também gosto e odor aos queijos", detalha o pesquisador. "Outras moléculas, os carotenoides, estão presentes na grama fresca e fornecem a cor amarela ao queijo", complementa.

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Quanto mais milho na alimentação, mais o queijo é 'pobre'

Para contornar a menor abundância de pasto, alguns agricultores passaram a misturar ou aumentar as quantidades de milho e feno na alimentação do gado. O problema, mostrou a pesquisa, é que quanto menos pasto variado as vacas consomem, mais insosso será o queijo, tanto do ponto de vista gustativo quanto nutritivo. O cantal feito com o leite de vacas que só se alimentaram de milho tinha menos sabor, odor e cor, além de menos ômega 3.

"Eu espero que isso não nos leve a ter menos diversidade gastronômica. Sabemos que os produtores estão se adaptando, mas com estratégias diferentes", diz Bouchon.

"Por enquanto, o desenvolvimento do milho ainda é marginal nas montanhas e está ocorrendo mais entre os produtores de leite, e não de queijo, que tem características mais complexas. Mas não podemos excluir que em dez ou 20 anos, essas práticas não se disseminarão – e é por isso que é importante fazer esse tipo de pesquisa hoje", argumenta.

O estudo, feito com a participação de representantes do setor, foi publicado na revista científica Journal of Dairy Science. Uma segunda parte da pesquisa, ainda em fase de análises, deverá esclarecer de que forma as mudanças na alimentação das vacas afeta a microbiologia intestinal dos consumidores.