O maior e mais antigo salão aeronáutico e espacial do mundo, o Paris Air Show, acontece até domingo (22) no aeroporto de Le Bourget, nos arredores da capital francesa. Ponto de encontro para fabricantes de aviões e armamentos, o evento é a ocasião para apresentar tecnologias de ponta e anunciar novos contratos. Este ano, porém, a programação sofre o impacto da guerra comercial e da escalada de tensões entre Israel e o Irã.
Maria Paula Carvalho, de Paris
Quase metade dos 2.400 expositores são franceses, de grandes corporações a pequenas e médias empresas.
O Brasil é representado por dez fabricantes que oferecem soluções avançadas para os setores aeroespacial e de defesa, com destaque para a Embraer, presente no salão há mais de 40 anos, e que exibe o jato E195-E2 e o cargueiro militar KC-390 Millennium, já adquirido por países como Holanda, Áustria e Suécia, além do A-29 Super Tucano, aeronave leve de ataque e treinamento.
Entre os destaques comerciais, a europeia Airbus anunciou importantes encomendas: a AviLease adquiriu 10 cargueiros A350F e 30 modelos A320neo, com opção de ampliar para 22 e 55 unidades, respectivamente. Já a Riyadh Air encomendou 25 Airbus A350-1000, com direito de compra de mais 25 aeronaves.
A fabricante americana Boeing, por sua vez, reduziu sua participação este ano, após a queda de uma de suas aeronaves operadas pela Air India, na semana passada. A tragédia, de causas ainda desconhecidas, deixou 279 mortos entre ocupantes do avião e pessoas atingidas em terra. O diretor-geral da empresa, Kelly Ortberg, que era aguardado no salão para falar dos planos de recuperação da companhia, cancelou a sua vinda a Paris.
Foco na defesaCerca de 47% dos expositores têm atuação militar, refletindo o foco crescente em defesa.
Em meio ao conflito na Faixa de Gaza e a recente ofensiva de Israel contra o Irã, o governo francês ordenou o bloqueio do acesso aos estandes de cinco fabricantes israelenses de material bélico que exibiam "armas ofensivas", segundo autoridades francesas.
Os estandes da Israel Aerospace Industries (IAI), Rafael, Uvision, Elbit e Aeronautics foram cobertos por lonas pretas. Uma decisão "escandalosa" e "sem precedentes" segundo Shlomo Toaff, vice-presidente da Rafael, fabricante de mísseis israelenses. “Um dos nossos funcionários ligou para os organizadores. Eles disseram que se tratava de uma ordem do governo francês. Isso é estranho, pois na semana passada, um tribunal francês, que havia sido acionado, decidiu que poderíamos participar do evento. Apesar dessa decisão, o governo não permite mostrar o nosso estande: é escandaloso!”, lamentou.
Se a edição de 2023 viu as encomendas aumentarem após a pandemia de Covid-19, a edição deste ano acontece num contexto de guerra comercial e da desaceleração da economia mundial, com as empresas enfrentando custos em alta e cadeias de suprimentos afetadas.
“O maior desafio atual dos industriais, seja civis ou ligados à defesa, é a capacidade de aumentar a produção", explica Louis Catala, consultor aeronáutico.
Em entrevista à RFI, Catala afirma sobre o futuro do setor: "Hoje, vemos que as carteiras de encomendas estão completas pelos próximos anos e a questão é saber com que velocidade é possível aumentar as entregas. Outro ponto importante é saber em que momento poderíamos passar a uma economia de guerra, a questão não é se, mas quando isso aconteceria, para que os fabricantes possam organizar a sua capacidade material e planificar os pedidos".
Corrida ao espaçoEnquanto muitos países se lançam na corrida espacial, franceses e europeus mostram sinais de declínio nessa área. Menos lançamentos, menos financiamento e uma dependência crescente de tecnologias estrangeiras.
De acordo com um relatório do Instituto Montaigne, a Europa responde atualmente por apenas 5% da massa orbital global lançada a cada ano. O bloco também investe seis vezes menos do que os Estados Unidos nessa área estratégica, em que almejava a liderança global.
A Europa sofre o impacto da dominação americana, em particular da empresa SpaceX, de Elon Musk, que realizou 138 dos 145 lançamentos americanos em 2024, graças aos seus foguetes reutilizáveis. Os europeus, por sua vez, registraram apenas três lançamentos, devido à aposentadoria do Ariane 5, ao atraso do Ariane 6 e do Vega-C, e à perda de acesso aos foguetes russos Soyuz.
É no espaço, no entanto, que surge um novo mercado. Satélites fora de uso ou resíduos perigosos em órbita representam sérios riscos. Esses destroços voadores podem causar danos significativos a satélites ou estações espaciais, explica Quentin Verspieren, coordenador do programa de segurança espacial da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês). “Estimamos que um destroço de um centímetro que entre em contato com um satélite libere a mesma energia da explosão de uma granada militar. E existem aproximadamente 1 milhão deles no espaço”, aponta.
Hoje em dia, deixar detritos no espaço não é sancionado por nenhuma legislação internacional. Porém, a Agência Espacial Europeia investe centenas de milhões de euros em um novo mercado que está se desenvolvendo.
Philippe Blatt, CEO da Astroscale na França, uma empresa que tem a matriz no Japão e cuida de liberar as rotas espaciais, aposta em um mercado estratégico. “Nós fabricamos pequenos satélites para consertar, abastecer de combustível, observar, inspecionar e proteger satélites que estão em órbita. Nossos clientes hoje são as grandes agências espaciais e o Ministério da Defesa, assim como a Força Aérea americana”, diz.
A indústria espacial francesa gerou € 70 bilhões em receita em 2023. O governo visa apoiar a indústria, estimular a inovação e fortalecer a autonomia estratégica do país. Porém, embora a França possua importantes ativos – uma base industrial sólida, excelência científica e experiência reconhecida – o seu futuro no espaço dependerá da capacidade da Europa de recuperar o impulso coletivo, apesar da turbulência que atravessa.