"Uma surpresa da medalha seria uma alegria para São Tomé e Príncipe"

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RFI Português
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São Tomé e Príncipe participa pela primeira vez nos Jogos Olímpicos, com três atletas em três modalidades. Para o chefe de missão da delegação de São Tomé e Príncipe nos Jogos Olímpicos de Paris, Filipe Neto, se "houver uma surpresa da medalha será uma alegria para São Tomé e Príncipe".

RFI: Como correram as provas olímpicas dos atletas são-tomenses até ao momento?

Filipe Neto: Nós trouxemos três atletas, uma em atletismo, um atleta em canoagem e um atleta no judo. Todos eles, pela primeira vez, nunca estiveram numa Olimpíada. Já competimos em judo e o nosso atleta de judo não conseguiu passar porque ele encontrou um adversário bastante forte em relação a ele. Em termos de ranking, o outro estava em 25.ª posição e ele na 324.ª - é uma diferença muito grande em relação à experiência técnica e ele não não conseguia ganhar. Depois, no dia 2 de Agosto tivemos a participação da Gorete Semedo nas provas de 100 metros, que para foi bastante gratificante porque ela passou a fase preliminar e ganhou. Talvez tenha feito muito esforço, o que não devia ser, mas isso é uma questão de mesmo da experiência.

E competiu logo a seguir, numa segunda prova, com um espaço de tempo muito reduzido.

Muito reduzido. Nós até pensávamos que ela iria ter pelo menos ou duas horas de descanso, mas só teve 30 minutos de descanso e não estava preparada para isso. A segunda prova, que era eliminatória, teve adversárias mais fortes e também um pouco de azar porque foi única a correr contra o vento. A Gorete tinha vento não a favor e as outras tiveram menos a favor. Mas ela teve uma boa prestação, deu tudo que tinha e nós agradecemos muito a ela, o treinador, o João Abrantes. A nível do Comité Olímpico, nós vamos continuar o projecto. Nós temos o próximo jogo de Los Angeles. Se ela estiver disposta para que nos próximos jogos ela tem a melhor prestação.

Falámos com a Gorete depois da prova. Ela já disse naquele dia, portanto, na sexta-feira, no dia 2 de Agosto, que já estava a pensar em Los Angeles.

Sim, nós também pensámos porque nós entendemos que ter bons resultados a nível do das Olimpíadas e dos Campeonatos do Mundo não são coisa que se faz num ou dois anos porque são projectos de quatro ou oito anos, até mesmo 12 anos, dependendo da idade do atleta. O que ela fez nos mostra que podemos confiar nela e basta ela aplicar-se um pouco mais e ela vai, vai melhorando e pensamos que com ela vamos continuar o projecto e também com os outros. Temos a canoagem que também é uma modalidade bastante plural a nível de São Tomé e Príncipe. Temos um projecto também a canoagem bastante boa e pensamos que com o mesmo, com a canoagem, o judo e as outras modalidades que são individuais para nós, pode entrar no projecto dos próximos jogos.

São Tomé e Príncipe compete na sexta-feira, dia 8 de Agosto, na prova de canoagem. O que é que se espera?

Como disse a Hermínia é uma atleta a este nível, também experiente, mas ela vai fazer o que estiver ao seu alcance. Vai dar tudo por tudo. Já está a adaptar ao rio e ao clima e vai tentar fazer o melhor que pode para que haja uma boa prestação. O importante é que nós conhecemos o nosso nível e sabemos que estar nos Jogos Olímpicos, dizer que viemos aqui para ganhar medalhas e às vezes é um sonho de loucos. Mas o desporto às vezes traz surpresas e a gente pode ver que durante essas Olimpíadas vimos campeãs do mundo a caírem logo na primeira, campeão olímpico a caírem e outros que não tinham experiência a ganhar. Portanto, há surpresas no desporto e se houver surpresa desses para nós, olha uma alegria bastante grande para São Tomé e Príncipe.

Como é que se formam atletas olímpicos? Como é que se preparam atletas para estarem pela primeira vez, como é o caso de São Tomé e Príncipe, a participar aqui nos Jogos Olímpicos de Paris?

Primeiramente nós conversamos com as federações, entregamos as federações os programas olímpicos e elas concorrem. Quando concorrem, nós enviamos os resultados para as federações internacionais e as federações internacionais analisam os resultados e atribuem uma bolsa olímpica. É a partir desta bolsa olímpica, nós enviamos os nossos atletas para diversos países para que eles possam ser preparados para esta estas competições.

Sem essas bolsas olímpicas seria difícil para São Tomé ter atletas aqui presentes em Paris?

Muito, mas muito difícil mesmo. Muito difícil, porque nós entendemos que preparar atletas para alta competição é algo que requer muito investimento. A preparação e o cuidado das federações, o investimento do comité e também o investimento do próprio Estado são-tomense. Todos nós devemos estar envolvidos numa só causa, porque a representação é única e de São Tomé e Príncipe. Nós viemos para aqui representar São Tomé e Príncipe e por isso é sempre que se o Estado, o Comité e as Federações e também alguns empresários estejam de mãos dadas para que essa representação seja a melhor possível.

Como professor de Educação Física é possível reconhecer nas crianças, nos jovens, um futuro campeão olímpico, um futuro atleta promissor?

Sim, é fácil conhecer. Nós, enquanto professor de Educação Física atentos, rapidamente detectamos o talento do do aluno. Mas só que realmente direccionamos esses alunos quando a federação também está bem organizada porque se a federação não estiver organizada, o aluno vai para ir dois ou três dias, volta a sair e perde-se. Por isso é que nós devemos fazer um trabalho também logo na escola, a nível de educação física, através do desporto escolar, nós detectamos os alunos, enviamos as federações e as federações trabalham com os alunos para que realmente o governo, o Comité Olímpico possa apostar nesses atletas. Uma das coisas que nós não não fazemos, em que nós pecamos é essa tenra idade que nós não trabalhamos muitas vezes com o aluno, porque é ali onde eles aprendem a técnica e a técnica tem muita influência no resultado desportivo.

Essa falta de investimento acontece por falta de meios?

Eu diria que o pouco que existe deveria ser aplicado. São Tomé e Príncipe é um país pequeno não tem grandes recursos financeiros, mas do pouco que existe, se nós o direccionarmos também para a parte social, sobretudo para o desporto, que de forma indirecta, tem muito a ver com o crescimento mental da população. Olha, nós conseguiríamos ter um melhor desporto e melhor resultado a nível nacional e internacional porque nós preferiríamos atletas e também preferiríamos homens para o futuro e a nossa sociedade seria um pouco melhor. Por isso é que o desporto, de uma forma ou de outra, é como se fosse um catalisador bastante bom para o desenvolvimento de qualquer sociedade.

Essa energia desportiva sente-se ao longo desta semana que passou dos Jogos Olímpicos aqui na Aldeia Olímpica, na própria cidade de Paris, durante as provas, nos complexos desportivos. Existe uma energia de união, de igualdade?

Sim, existe porque o desporto é mesmo para isso. Se nós encontramos a essência mesmo do desporto, eu até diria um pouco com orgulho - é a única parte social que une as pessoas, independentemente de haver embates de defesas contraditórias. Cada um defende o seu país no momento da actividade desportiva, Mas estão todos unidos. Ele envolve toda a gente. Depois de terminadas as competições, somos amigos, independentemente daquilo que tenha acontecido. Nós conhecemos pessoas de diferentes países e há outra coisa que nós sentimos aqui em Paris, é que o povo parisiense está todo em volta da sua selecção e isso é muito bonito. É muito bonito quando, quando toda a gente vibra pela sua cor, a sua bandeira, a sua selecção e mostrar também a sua terra aos outros que vêem a sua cidade, fazer com que as pessoas se sintam bem.

Imagino que em São Tomé e Príncipe, durante as competições e as provas dos atletas são-tomenses também houve esta união e imagino que tenham recebido inúmeras mensagens depois das prestações dos atletas são-tomenses?

Sim, sim, nós recebemos sobretudo na primeira actuação de Judo, enviamos os resultados para São Tomé e recebemos essa mensagem de apoio a dizer para que continue tudo bem para nós. Vamos continuar, vamos apoiar. Quando da Gorete correu, melhorou um pouco e sentimos também que eles lá em São Tomé também estão a pensar em nós e querem que nós tenhamos um bom resultado. É isso que estamos aqui a fazer e queremos dar alegrias.

Falava há pouco da questão das fugas de atletas. De que forma é que olha para estas fugas às vezes de atletas de são-tomenses para Portugal, como é o caso, por exemplo, de Agate de Sousa?

Bem, essa é uma situação em que, honestamente, sinto-me muito revoltado, não porque ela tenha ido, mas pela forma como é que ela foi e a forma como a entidade portuguesa desportiva lidou com isto. Para mim foi um acto de, eu até diria, traição. Honestamente, sinto-me muito magoado, inclusive com pessoas que estiveram envolvidos neste processo. Eu atrevo a dizer do presidente da Federação de Atletismo, que foi meu professor e para mim foi uma mágoa bastante grande, ela estava no nosso projecto de representação São Tomé e Príncipe nestes Jogos Olímpicos. Ela estava com uma bolsa olímpica. Às vezes este tipo de coisas mina a boa relação que a gente tem com determinadas pessoas.

Portanto, há toda uma organização que está por detrás, entre países, uma organização geopolítica para tentar conquistar mais medalhas?

Sim, isso é verdade. Não quero dizer que isto seja só a nível do desporto porque é mesmo a todos os níveis. A gente sente que, se nós que somos africanos, se não nos sentirmos verdadeiramente africanos, é que devemos representar o nosso continente, o nosso país, dar orgulho ao nosso país. A Europa não quer o desenvolvimento de África. Eu digo isso com toda a certeza, apesar de um ou outro levar alguns apoios, mas no fundo eles não querem desenvolvimento porque se quisessem o desenvolvimento, porque o próprio presidente da Federação, em momento em que estive em Portugal na formação de atletismo, ele disse-me 'olha, se eu tivesse a hipótese, eu iria buscar muitos, muitos atletas a São Tomé', e eu disse: 'claro, lá existem bastante, mas se vocês quisessem ir buscar vocês punham lá algumas condições para nós. Trabalharíamos atleta, vocês ficariam com uma parte, nós ficaríamos como contraparte'. Mas eles não dão nada, não fazem nada. Não falamos com o Comité Olímpico Internacional, falamos com solidariedade olímpica, mas notamos que mesma federação internacional são lobbys, são coisas que existem. Quando puder desaparecer com o outro para ser mais fraco, eles conseguem fazer isso.