Foi lançado neste domingo 8 de Dezembro de 2024 em Paris, o livro "Saudade cité", um livro sobre a imigração portuguesa em França escrito por Álvaro Morna, escritor e jornalista que os ouvintes mais antigos da RFI em português para África decerto recordam. Quando faleceu em Maio de 2005, o autor estava a trabalhar nesta obra que é uma colectânea de contos.
Militante anti-salazarista, o jornalista exilou-se em França por se opor às guerras coloniais que considerava injustas. Nos arredores de Paris, Álvaro Morna continuou a sua militância junto dos numerosos portugueses que tinham também deixado o país então amordaçado pela ditadura.
Depois de ter evocado em 1999 em "Timor uma lágrima de sangue", a luta dos timorenses rumo à independência, e após ter evocado a sua própria viagem clandestina para a França no "Caminho para a liberdade", o seu último livro "Saudade Cité" fala precisamente dos portugueses que fugindo à miséria e à guerra se aglomeraram naquilo que nos anos 60 era um enorme bairro da lata, em Champigny, perto da capital francesa.
Este livro era a obra na qual ele estava a trabalhar quando faleceu.
Ele recordou a primeira greve em que entraram trabalhadores portugueses que nunca tinham participado em nenhum bloqueio, ele contou-nos a odisseia de um português que não sabia nem ler nem escrever e fez duas vezes a viagem a "salto" até França sem nunca cruzar a polícia e também apresentou-nos Alfredo, um homem feio que, como os colegas, vai tentar sair da sua solidão no final de semana.
O amigo e editor, João Heitor, recordou as circunstâncias em que nasceu essa colectânea de quatro contos que acaba de publicar em português e em francês.
"O Álvaro já estava muito doente. Ele de vez em quando convidava-me a mim e à minha esposa para irmos jantar a casa dele e líamos contos. Ele dizia-me 'olha, acabei de escrever tal livro'. Quando o Álvaro foi para o hospital, eu dizia-lhe 'temos que editar o livro'. Ele respondia 'Sim, sim, sim, sim, sim'. Morreu. Eu achei que sobre a questão da emigração, do 'Salto' dos anos 80, as coisas não estão ainda bem esclarecidas a nível dos jovens que hoje se encontram com 40, 45 anos. Porque não era um tabu, mas os pais queriam que os filhos se integrassem através da escola, através do trabalho, através de tudo isso", lembra o editor para quem as histórias -reais- que Álvaro Morna nos dá a conhecer "são documentos escritos por alguém que viveu essa realidade. Não há mais nada. Há o realizador José Vieira que fez algo, há Gerald Bloncourt ao nível da fotografia. Depois há uns pequenos extractos aqui e acolá. E sobretudo, os jovens não conhecem essa história. Conhecem vagamente, porque também os pais não queriam que conhecessem. Portanto, este é o próximo combate".
"Teatro de desgostos escondidos, de saudades marejadas nos olhos tristes, de revoltas obscuras, de interrogações sem resposta, o Bidonville de Champigny era um palco onde se reflectia, como numa poça de água, a alma torturada dos portugueses. Era o depositário das suas penas, dos seus gritos silenciosos e das suas esperanças sem rumo", descreve a dada altura o escritor.
Esta história pouco conhecida, uma história provavelmente partilhada por todas as diásporas, uma história de separação, de saudade e de incertezas, foi contada por Álvaro Morna, como um testemunho para as gerações vindouras. Um dos filhos, Jean-Paul, presente no lançamento do livro, deu conta da sua emoção."Acho que ele nos contou essas histórias quando éramos crianças, como um pai conta histórias para os filhos que olham para ele com muita admiração, maravilhados", disse.
Também presentes estiveram muitas das pessoas com quem se cruzou nas suas andanças e se tornou amigo.
"Tino" Costa, antigo dirigente de uma rádio associativa, conheceu o jornalista nos anos 80. "Conheci-o quando houve o movimento associativo relativo às rádios livres. Era uma pessoa muito dedicada à comunidade e aos problemas sócio-culturais e políticos também. Era uma pessoa que, com muita dignidade, sabia dominar os seus impulsos, mas também sabia o que queria na vida, para ele e para e para os que o rodeavam", recordou.
Gracinda Maranhão, militante e advogada em Paris, também conheceu Álvaro Morna há mais de quarenta anos. "Ele era um homem que tinha um sentido profundo da família. Tinha um sentido profundo da justiça e tinha uma paixão profunda pela humanidade. Lembro-me do encorajamento e da força que ele me inculcava. Ele tinha uma palavra que era comum às palavras que o meu próprio pai que me dizia para nunca renunciar ao seu próprio sonho", lembra a advogada portuguesa.
Fernando Marques, cantor naquela época e agora professor universitário em Atenas, também fez questão de estar presente na homenagem. "Primeiro de tudo, era uma pessoa culta e, sobretudo, tinha uma abertura de espírito muito grande, capaz de vir ter com o jovem que eu era na altura e perguntar-me coisas como se eu fosse já uma celebridade, por assim dizer. Tinha uma abertura de espírito muito grande. Guardo dele também o espírito de 'bon vivant' que ele tinha. Há pessoas que passam sobre nós, que a gente esquece. Há outras pessoas que nós encontramos na vida que nunca mais esquecemos e que estão sempre presentes. É o caso do Álvaro Morna", conclui o universitário ao lembrar a pessoa que para uns foi uma voz que acompanhou as tardes e que, para outros, foi um amigo.
Para ter mais informações sobre o livro "Saudade cité", eis o contacto:
https://www.conviviumlusophone.com/contact/