No meio do Atlântico, na ilha de Santa Maria, o Teleporto funciona como um centro estratégico de comunicações espaciais, prestando serviços de rastreio, controlo e recepção de dados de satélites, incluindo o seguimento de lançamentos a partir da Guiana Francesa e a monitorização da constelação europeia Galileo. A infra-estrutura é também uma peça-chave na segurança marítima do Atlântico Norte e no apoio ao satélite português AEROS MH-1. Para além do papel tecnológico, o tem uma forte ligação à comunidade local, reconhece Vera Carvalho, directora do Teleporto, que destaca o impacto do projecto na criação de emprego e na valorização dos recursos humanos da ilha.
Que serviços presta o Teleporto?
O Teleporto serve essencialmente para prestar um serviço chamado "Ground Segment as a Service", ou seja, para empresas que tenham interesse na localização de Santa Maria e que instalem aqui as suas infra-estruturas. E nós, enquanto tal, prestamos-lhes o serviço de "hosting" dessas mesmas infra-estruturas, bem como de manutenção e operação.
Uma das funcionalidades do Teleporto está relacionada com o rastreio e controlo de satélites. De que forma é que se faz esse controlo e rastreio?
Há aqui dois cenários diferentes. Nós fazemos rastreio de lançadores, ou seja, foguetões provenientes da Guiana Francesa. Prestamos este serviço à ESA e é por isso que Santa Maria tem o privilégio de ter aqui esta infra-estrutura. Depois, existe um outro serviço em que fazemos o seguimento de satélites. Fazemos inclusive o downlink de imagens para a Agência Europeia de Segurança Marítima, para detecção de actividades ilegais, com cobertura do Atlântico Norte.
O Teleporto presta também um serviço de vigilância marítima?
Sim, a vigilância do mar é outro serviço. Há o rastreio dos lançamentos da Guiana Francesa no espaço e há também o serviço diário prestado à segurança marítima, em que adquirimos imagens de satélite, mais do que uma vez por dia, para detecção de actividades ilegais, sejam elas descargas de hidrocarbonetos ou embarcações envolvidas em actividades ilícitas. Depende daquilo que nos é encomendado.
É a posição geo-estratégica da ilha de Santa Maria que lhe permite trabalhar com a Guiana Francesa?
Foi exactamente a necessidade de uma estação na localização onde se encontra Santa Maria – ou seja, no meio do Atlântico – que levou à instalação aqui da estação da ESA, para que se pudesse fazer o seguimento dos lançamentos da Guiana Francesa. Foi assim que tudo começou: com essa necessidade de haver uma estação no meio do Atlântico.
O Teleporto também faz a monitorização da constelação Galileo. Para que serve essa monitorização?
Temos uma Galileo Sensor Station, é uma das 13 estações no mundo que serve para monitorizar a integridade do satélite Galileo. E nós, enquanto Thales, também somos responsáveis por garantir esse serviço, através desta estação Galileo que se encontra aqui no Teleporto.
Qual é o papel do Teleporto na gestão do satélite português AEROS MH-1, que foi lançado em 2024?
O Teleporto teve um papel muito importante, porque foi a partir daqui que se recolheram os dados do satélite quando ele foi lançado – com a antena de 15 metros que viram à entrada do Teleporto. A antena segue a passagem do AEROS sobre esta área de visibilidade e recolhe os dados por ele transmitidos.
Fazem a recolha de dados e depois o tratamento dos mesmos?
Do AEROS MH-1 fazemos a recolha e depois enviamos para Lisboa. Dos outros satélites o tratamento de dados é feito aqui por operadores locais.
De que forma é que o Teleporto apoia o desenvolvimento das ciências e das tecnologias do espaço?
O Teleporto tem estado em constante evolução. Temos recebido cada vez mais clientes para trabalhar connosco. Por isso, temos uma equipa fantástica – e a minha equipa é toda composta por pessoas de cá, o que dá também um cunho muito pessoal a este trabalho. Não temos aqui a vertente de desenvolvimento propriamente dita. O desenvolvimento científico é mais efectuado pelos nossos colegas da área de desenvolvimento de software. Nós aqui prestamos sobretudo o tal serviço de Ground Segment. Mas estamos sempre disponíveis para apoiar todas as iniciativas que surjam neste contexto.
E é também uma forma de criar emprego, de potenciar a formação?
Sim, é muito importante. Trabalhamos de forma muito próxima com a única escola secundária da ilha. Recebemos estagiários todos os anos, de várias áreas da informática e de cursos profissionais. Para eles, é muito importante verem este cenário, esta realidade – que, por vezes, ainda é pouco conhecida. E depois, como se ouve falar de muitas coisas a acontecer na ilha, as pessoas nem sempre sabem bem o que é que o Teleporto faz. Por isso, é muito importante este trabalho também junto da comunidade. E, como disse, a equipa é toda mariense – não é um requisito, mas gostamos de trazer os filhos de volta à terra, porque nem sempre é fácil e não há muitas oportunidades. Obviamente que o Teleporto tem impacto na economia local: temos empresas a vir, clientes a vir – por exemplo, durante o Inverno – a alugar carros, a ficar em hotéis, a comer em restaurantes... e tudo isto tem impacto na economia da ilha.
Neste momento, o Teleporto está a funcionar na sua máxima potencialidade?
Não. Ainda temos espaço para expandir e para receber mais clientes.
Esta multiplicação de empresas e projectos espaciais em Santa Maria é benéfica para o Teleporto. Em que medida?
Sim, claro. Nós estamos aqui também para gerar negócio. E com novos contratos, novos projectos e novos clientes, podemos criar mais postos de trabalho. Já se reúnem aqui inúmeras condições para atrair mais clientes. Ou seja, já existem infra-estruturas como energia e comunicações, que tornam esta localização atractiva. E, obviamente, isto é negócio: queremos mais clientes, para podermos continuar a expandir a nossa área de actividade.
O facto de os funcionários serem marienses, como dizia há pouco, também ajuda a desmistificar o próprio trabalho que aqui se faz. As pessoas podem questionar-se sobre as antenas poderem emitir radiações, por exemplo. O facto de serem locais ajuda nessa desmistificação?
Julgo que sim. É verdade que as antenas transmitem. Mas também é verdade que temos técnicos de segurança e que recentemente encomendámos um estudo – e aqui não se fazem manutenções nem actividades que ponham em risco a saúde dos trabalhadores. Portanto, sim. E desmistifica um pouco porque as pessoas falam connosco: "O que é que vocês fazem lá?", "Como é que fazem?". E isto tem um grande contributo para a sociedade, ajudando a aceitar estas questões do espaço, que às vezes ainda são algo confusas.
Então, não há riscos para a população?
Não, não. Para a população, não. Nós trabalhamos aqui diariamente. Temos os perímetros devidamente delimitados. Sabemos exactamente o que podemos fazer. E, como viu, ninguém entra aqui sem autorização, nem se aproxima de antenas que estejam a transmitir sem vigilância.