O leste da República Democrática do Congo está a ser palco de violentos combates entre os rebeldes do M23, apoiados pelo Ruanda, e o exército regular congolês. Há relatos que dão conta de que partes da cidade de Goma, capital da província do Norte Kivu, estão agora nas mãos deste grupo rebelde. Até ao momento, pelo menos 17 pessoas morreram e quase 400 ficaram feridas.
Em entrevista à RFI, Osvaldo Mboco, analista político angolano começa por relatar-nos aquilo que se sabe até ao momento sobre a situação no terreno, defendendo que a comunidade internacional já deveria ter condenado o Ruanda.
RFI: O que se sabe até ao momento sobre a situação no terreno?
Osvaldo Mboco: O que se sabe é que o M23 tomou de assalto Goma, que é uma das cidades importantes no leste da RDC. Também se sabe que muitos soldados ou militares do exército regular foram capturados pelo M23 e há algumas imagens que ainda são um pouco confusas, que têm a ver com alguns soldados da República Democrática do Congo estarem a ser escoltados pela força regular do exército do Ruanda. Mas é uma imagem muito confusa do ponto de vista de análise e também dos factos. Agora, um outro elemento que é importante é que Angola, a República Democrática do Congo, e também a República do Congo, acabaram retirando desta região os militares que estavam no mecanismo de verificação da trégua que existia, também por segurança, penso eu.
Foi decisão de Angola que, segundo notas do país, foi uma acção concertada entre os serviços diplomáticos, quer do Estado angolano, quer com a RDC e quer também com o Ruanda. Está a viver-se um período de muita incerteza ao nível do Leste da República Democrática do Congo. E estas incertezas têm estado a criar um fluxo de refugiados bastante acentuado e também a dificultar a ajuda humanitária. Há uma demonstração clara de força do M23, do ponto de vista de maior capacidade combativa no terreno, comparativamente, ao exército regular, da República Democrática do Congo, e isto remete-nos a algumas reflexões: se o M23 vai simplesmente parar por goma ou se a intenção é também ocupar novas áreas, para além de Goma.
RFI: Concretamente, pergunto-lhe qual é o papel estratégico desta que é a principal cidade do Leste da RDC?
Osvaldo Mboco: Esta é uma das regiões que possui maior número de recursos minerais da República Democrática do Congo. Logo, se o M23 controla Goma, quer dizer que vai dar início ou vai intensificar as suas acções do contrabando de minérios e, por outro lado, isso dará ao M23 maior recurso financeiro para a aquisição de meios, equipamento bélico, etc. E há aqui uma outra perspetiva que não se fala muito, que talvez seja um pouco arriscada também. É mesmo a intenção do M23 querer controlar Goma e fazer de lá surgir um novo estado. Também pode ser aqui uma nova abordagem, que não é muito clara ainda.
RFI: O que é que pode explicar o regresso do M23 a Goma, 12 anos depois de lá ter saído?
Osvaldo Mboco: O que pode explicar é que o M23 nunca viu os seus interesses salvaguardados porque eles pretendem negociar directamente com o governo congolês. Não querem que seja negociado do ponto de vista práctico, por uma terceira pessoa ou então por uma terceira entidade. Mas o grande objectivo do M23 é também ocupar um pedaço de terra e não está muito interessado na paz porque a paz acabaria por obrigar a reintegrar alguns militares no exército. Uns iam para a vida civil, outros seriam desmobilizados, etc. E não é este o cenário porque eles percebem que, pela via da guerra, eles conseguem pilhar recursos e também defender os seus interesses económicos.
Agora, o regresso está no facto de a comunidade internacional, a República Democrática do Congo, a SADC e a CIAC pensaram que depois do desaparecimento do M23, o M23 seria extinto e teria menos capacidade combativa. Penso que um elemento que nós temos que discutir é como é que o M23 se rearmou. Acho que deve ser o ponto de partida também do debate que nós temos que fazer.
O M23 reearmou-se em função de países de trânsito. Ou seja, tem de haver um país de trânsito para chegar o equipamento militar, para ser dado treino, formação, logística, inteligência. E tudo indica que este país de trânsito seja o Ruanda porque o M23, quando se sentiu pressionado pelas forças governamentais, acabou por recuar nas matas do Ruanda. É um sinal mais do que claro que o Ruanda olhou para este cenário porque não me parece que a inteligência do Ruanda não tenha detectado que existia um grupo insurgente nas matas do Ruanda e que este tinha que garantir a integridade territorial.
RFI: Não haverá incómodo por parte da comunidade internacional relativamente ao Ruanda, já que o país foi alvo de genocídio, evitando as críticas a Kigali, não obstante as suas repetidas incursões na RDC e o apoio ao M23? Não haverá incómodo por parte da comunidade internacional em de condenar o Ruanda?
Osvaldo Mboco: Eu penso que a comunidade internacional já deveria ter dado esse passo, por uma razão muito simples: nós não podemos ter um estado ao nível da região, a nível do mundo, onde existem relatórios das Nações Unidas de peritos que deram conta que altas patentes a nível do Ruanda que apoiam o M23.
No ano passado, houve um relatório que dava nota de que 3000 a 4000 soldados do Ruanda estão nas fileiras do M23. É o momento mais do que esperado para que se comece com as sanções a nível do Ruanda. E aqui a comunidade internacional e as grandes potências têm uma responsabilidade acrescida neste momento.
O relatório das Nações Unidas é um relatório que não é completo. Não é verdadeiro porque o Ruanda não aceita. O Ruanda tem estado a desafiar uma organização de carácter mundial, que tem estado a fragilizar ainda mais a posição das Nações Unidas. E eu penso que, em função dos vários interesses instalados na República Democrática do Congo, dos franceses, americanos, russos e chineses, era fundamental perceber se esse cenário favorece muito mais esses países ou se este cenário prejudica os interesses dessas grandes potências.
Se favorece muito mais os interesses dessas grandes potências, então vamos assistir a um olhar impávido e sereno da comunidade internacional porque percebem que, com o cenário de conflitualidade, eles têm muito mais a ganhar do ponto de vista da exploração do minério, a não ser que seja esse o entendimento que esses estados tenham.
RFI: E quem é que poderá ter aqui um papel a desempenhar neste conflito? A SADC, a África de Leste? Na sua opinião, quem é que poderá ter um papel preponderante?
Osvaldo Mboco: Ao nível do continente africano, nós temos que olhar para a Conferência Regional dos Grandes Lagos. É importante por uma razão muito simples porque grande parte dos países vizinhos da RDC estão na Conferência Regional dos Grandes Lagos. Logo, é aqui que se consegue traçar estratégias de segurança coletiva, onde se envolve todos os países vizinhos, os nove, porque uma política de boa vizinhança, uma política de segurança colectiva permitirá, até certo ponto, estratégias conjuntas e até, em alguns casos, algumas manobras militares conjuntas também.
Então, eu penso que o mecanismo da Região dos Grandes Lagos é um mecanismo extremamente importante para se encontrar a estabilidade na República Democrática do Congo. Mas é fundamental, que a SADC, a CIAC, a União Africana, e as Nações Unidas apoiem aquilo que pode ser as políticas, mecanismos e as estratégias engendradas pela Conferência Regional dos Grandes Lagos para poder fazer face ao que está a acontecer a nível da República Democrática do Congo.
RFI: Até que ponto é que a mediação de Angola e também outras mediações, nomeadamente do Quénia, não ficaram comprometidas agora com estes últimos desenvolvimentos no leste da RDC?
Osvaldo Mboco: Bem, os processos de mediação normalmente são processos complexos. E, dada a natureza da complexidade do que se vive na República Democrática do Congo, o que eu penso, enquanto angolano, é que Angola, por partilhar uma fronteira vasta com a República Democrática do Congo, deve continuar a mediar e também trazer instrumentos para se encontrar a estabilidade. Claramente que esses avanços do M23 demonstram que a mediação de Angola e do Quénia não têm estado a conhecer os melhores resultados. Tem estado a falhar, mas é importante que se diga também que muitos aspectos aqui discutidos não dependem da mediação.
A mediação procura encurtar as diferenças, apresentar propostas e os intervenientes são os principais actores. Esses sim, é que fazem a grande diferença. Mas Angola, por partilhar uma fronteira com a República Democrática do Congo dessa extensão, é importante que Angola esteja na mediação, até por uma questão de interesse do estado angolano.
Por uma razão muito simples: porque tudo o que acontece na República Democrática do Congo acaba tendo implicações com o Estado angolano. Daí que eu defenda que a RDC não é uma zona de influência do Estado angolano. Mais do que isso, é o espaço vital.