Moçambique celebrou esta segunda-feira o Dia da Língua Portuguesa com um simpósio na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. O simpósio decorreu numa altura em que Moçambique se preparar para assinalar 50 anos de independência. O escritor moçambicano, Eduardo Quive, acredita que é possível pensar sobre o país e o significado da independência a partir da relação com a língua.
O Dia da Língua Portuguesa foi assinalado esta segunda-feira, 5 de Maio, em Moçambique, marcado pela diversidade linguística. O simpósio “A Língua Portuguesa de Moçambique nos Estudos Linguísticos e Literários”, promovido pelo Centro de Língua Portuguesa Camões/Universidade Eduardo Mondlane, reuniu académicos e escritores para debater o passado, o presente e o futuro da língua portuguesa num país que celebra, este ano, 50 anos de independência.
Entre os convidados da mesa-redonda esteve o escritor Eduardo Quive, que partilhou uma leitura crítica da forma como a língua portuguesa evoluiu no país e como essa transformação se manifesta na literatura moçambicana contemporânea. “Estamos a celebrar 50 anos de independência, e tudo andou à volta desses 50 anos. Como é que olhamos para o país? Para o conceito de independência, que também se pode enquadrar na questão da língua?”, questiona.
O português falado em Moçambique não é apenas uma variação da norma europeia: é uma língua viva, moldada pela convivência com línguas bantu, pelo contexto urbano, pela globalização e pela criatividade dos seus falantes. Para Eduardo Quive, “o português moçambicano ainda é uma descoberta”, particularmente quando aplicado a fenómenos sociais recentes, como a internet ou a urbanização.
A literatura surge assim como um dos espaços privilegiados onde a linguagem em construção ganha forma. “É na literatura onde estão as expressões das pessoas, onde está a humanização do discurso do dia-a-dia”, afirma o escritor moçambicano, destacando autores contemporâneos que continuam o legado de nomes como Mia Couto e Suleiman Cassamo, integrando expressões das línguas nacionais no corpo do português escrito. Observa-se, hoje, uma geração que cresceu a falar português desde cedo, mas que procura traduzir no seu trabalho as complexidades culturais de Moçambique. “Basta vermos o que aconteceu nos últimos cinco anos, com expressões como maning cenas, que passaram a significar muita coisa. Isto já está na literatura moçambicana”, acrescenta Eduardo Quive.
Apesar da vitalidade criativa, Eduardo Quive denuncia um profundo descompasso entre a inovação literária e o sistema de ensino moçambicano. “A educação parece não estar a acompanhar esta evolução, até na exploração linguística que temos”, afirma. A ausência de políticas de leitura obrigatória e a escassez de conteúdos literários nos manuais escolares contribuem para a formação de estudantes que chegam, muitas vezes, à universidade sem nunca terem lido um romance.
“Temos cursos de literatura e linguística em que os estudantes vão ler o seu primeiro livro já dentro da universidade”, lamenta. Esta lacuna educativa resulta numa escassa produção académica nacional sobre literatura moçambicana. “Hoje já temos mais pesquisa de brasileiros ou até de portugueses sobre a nossa literatura do que de moçambicanos”, sublinha.
A convivência do português com as línguas bantu continua a ser uma marca da identidade moçambicana, mas estas também têm sofrido transformações. Eduardo Quive nota que “as línguas bantu sofreram uma grande transformação”, não só pela influência do português e do inglês, línguas dominantes nos países fronteiriços, mas também pelas mudanças culturais nas novas gerações urbanas.
“Hoje encontramos muito pouco da mistura com línguas bantu na literatura. Até os nomes das personagens mudaram; temos Chelseas e Uniques, nomes que não têm nada a ver com as línguas bantu”, descreve. Esta tendência reflecte o impacto do acesso à internet e da mobilidade internacional, mas também uma alienação cultural. “Estamos muito a olhar para fora do que para dentro. Quase que em todas as áreas”, conclui.