Milhares de pessoas participaram esta quarta-feira, 23 de Outubro, no funeral de Elvino Dias, advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane. O director executivo do Centro para a Democracia e Direitos Humanos de Moçambique, Adriano Nuvunga, esteve presente nas exéquias, e diz ter visto uma população enlutada mas, simultaneamente, com vontade de lutar pela justiça e pelos direitos humanos. O activista lembra, ainda, que a repressão policial intensificou o medo entre os moçambicanos.
RFI: Em que estado de espírito se encontra e em que estado de espírito se encontram os moçambicanos relativamente a estes dois assassínios, às duas mortes que resultaram da repressão das autoridades. Na segunda-feira, a polícia recorreu à força com disparos de tiros, usou de gás lacrimogéneo contra Venâncio Mondlane, jornalistas e manifestantes?
Adriano Nuvunga: Hoje, no velório e nas exéquias fúnebres, vi o misto de sentimento das pessoas presentes. Por um lado, as pessoas continuam a chorar este assassínio bárbaro e barulho macabro de Elvino Dias e de Paulo Guambe. O estado de choque nas pessoas ainda está presente. Lembra-se que há cinco anos atrás se matou da mesma forma Anastácio Matável. As pessoas estão ainda em estado de choque, mas ao mesmo tempo as pessoas estão a dizer: já choramos este lutador que tombou nas mãos das forças do mal. É preciso honrá-lo, continuar a sua obra e legado, juntando-se para lutar por justiça. Na verdade, fazendo da luta do Elvino a sua luta. A luta pela defesa do povo, a luta pela justiça no geral e justiça eleitoral em particular, que é o meio através do qual a vontade do povo se expressa. Foi este o sentimento e o estado de espírito que eu vi hoje nas exéquias fúnebres.
RFI: Venâncio Mondlane encontra-se em parte incerta. Recaem sobre ele e sobre membros do partido Podemos ordens para o abaterem. Num clima tão tenso, todos temem pela segurança. Há receio e um medo generalizado em Moçambique?
Há medo generalizado em Moçambique: de quem será a próxima vítima? Quem será o próximo sangue a ser derramado, particularmente num contexto em que o sentimento é o de que este é um crime do Estado contra cidadãos. É um crime do Estado contra activistas, contra defensores da democracia e dos direitos humanos. São armas de guerra que estão a matar activistas, estão a matar advogados.
O regime da Frelimo perdeu a face com críticas internas e externas relativamente a irregularidades que teriam sido cometidas aquando das eleições gerais de 9 de Outubro.
Não creio que sejam mais irregularidades. Esse tema não se aplica mais para a situação em Moçambique. Essas eleições são uma charada. São eleições sem credibilidade, eleições que não são o meio através do qual o povo pode falar e as instituições de Moçambique não permitem o respeito pela vontade popular. Por isso não se pode falar em irregularidades. Mas, claro, este regime, que já está ao que se vê a passar para o uso da força, há suspeitas de serem esquadrões de morte ligado ao regime, mas sobretudo na segunda-feira viu-se um regime que saiu a atacar cidadãos indefesos, inclusivamente atacar jornalistas quando estavam a entrevistar o Venâncio Mondlane. Este é um regime que já está a denunciar que não tem mais nada a dar ao povo, que é um regime que já está se a manter pelos meios autoritários e repressivos. Portanto, é um regime que, democraticamente falando, pode-se dizer não ter mais rosto para sair em público.
Chegam-nos imagens e informações de que a capital, Maputo, vive nos últimos dias sob um forte dispositivo policial nas ruas. A Comissão Nacional Eleitoral disse, ontem, que vai declarar os resultados oficiais amanhã, quinta-feira, no dia em que o candidato do Podemos apelou a uma paralisação total no país para amanhã e sexta-feira. Venâncio Mondlane apela a um roteiro revolucionário. A seu ver, existe um receio quanto a um escalar de violência em Moçambique?
As condições todas estão lá para isso. A repressão a que já me referi, as armas que são para defender o povo, estão a ser usadas para atacar o povo. Quando isso acontece, num quadro onde a juventude, que é cada vez mais o maior segmento populacional, está num quadro de falta de esperança pelo seu futuro. Por causa da corrupção, por causa do crime organizado e por causa da acção dos esquadrões da morte, e particularmente, quando a sua vontade, que devia ser expressa pelas urnas, é desrespeitada. As condições estão criadas para que isso aconteça.
A Igreja Católica diz que caucionar uma mentira é sinónimo de fraude. Como é que comenta esta postura por parte da Igreja Católica moçambicana?
Penso que é um pronunciamento sábio porque o que a Comissão está a querer dizer. É preciso lembrar que a Comissão Episcopal observou as às eleições através da Igreja Católica, então tem informação bastante substantiva para dizer que se está a negar a verdade eleitoral e negar a verdade eleitoral e cometer injustiça contra o povo. Creio que neste momento, e como em todos os outros contextos de instabilidade, a verdade é que mais sofre. É isto que está a querer dizer à Igreja Católica.
Filipe Nyusi está a ter uma saída atrapalhada e manchada por este processo eleitoral, com mortos a lamentar, sabendo que se receia que não haja no futuro avanços na Justiça para apurar quem foram os autores destes assassínios?
Esse é um déjà vu, não é? Foi sempre assim. São muitos assassínios, alguns deles que marcaram a entrada de Nyusi no poder, que até hoje não foram esclarecidos, foram arquivados. A luta popular é no sentido de haver um esclarecimento muito rápido, célere, antes até de saírem do poder. Porque, como sempre, quanto mais demora depois aparece uma crise atrás da outra e não se esclarece. A luta é isso, mas não surpreenderia se não houvesse um esclarecimento porque esse é o instrumento através do qual esse tipo de crimes se acobertam e que são parte da manutenção do regime da Frelimo no poder.
O que é que se espera para amanhã, Adriano Nuvunga?
O que se espera para amanhã é que a Comissão Nacional de Eleições, que é uma vergonha nacional. A CNE é uma vergonha nacional, vai chancelar esta vitória fraudulenta que desrespeita a vontade popular. Mas espera-se um ambiente de um Estado polícia que vai estar presente nos bairros a ameaçar as pessoas para não saírem à rua. Portanto, as pessoas vão ser contidas pela força policial, mas nunca vimos isso durar para sempre em nenhuma parte do mundo.
Portanto, os moçambicanos vão ser amanhã persuadidos a ficarem calados e em casa e não reagir à proclamação destes resultados oficiais. É o que está a dizer?
Não vão ser persuadidos, vão ser ameaçadas. É isso que a polícia vai fazer: ameaçar as pessoas para não saírem. Quando a polícia sai para a rua com cães, com armas de guerra e usa até meios que nunca vimos. Usou na segunda-feira, helicóptero - Eu nunca tinha visto um helicóptero da polícia. Temos aqui em Moçambique e raptos, temos o conflito em Cabo Delgado e nunca vi a polícia exibir um helicóptero. Vi também snipers em cima dos prédios. Não sabia que Moçambique havia snipers. Estes são instrumentos de repressão, de ameaça à população e não de persuasão.