"M23 não irá cessar as hostilidades no teatro das operações"

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RFI Português
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O cessar-fogo no Leste da República Democrática do Congo está a ser vivido, no terreno, com cepticismo, uma vez que o M23 tomou uma cidade estratégica na noite de sábado. "O Ruanda tem mostrado vontade política, apesar de saber que o M23 não vai cessar as hostilidades", sublinha o especialista em Relações Internacionais da Universidade Técnica de Angola, Osvaldo Mboco.

O novo cessar-fogo no Leste da República Democrática do Congo entrou em vigor à meia-noite de domingo, 4 de Agosto. O acordo alcançado sob mediação angolana visa silenciar as armas no conflito entre o exército congolês e o grupo rebelde do M23, apoiado pelo Ruanda.

RF: Este não é o primeiro cessar-fogo negociado desde o início do conflito, em 2021, o que muda desta vez?

Osvaldo Mboco: Este acordo cessar-fogo foi assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e houve a concordância por parte dos Chefes de Estado quando o Presidente João Lourenço os contactou, por via telefónica. Ainda assim, penso que o Ruanda pode estar a jogar com algumas peças do xadrez, mostrando que há vontade política por parte do Ruanda, mas quando na verdade sabe que o M23 não irá cessar as hostilidades no teatro das operações.

O grupo rebelde M23 não se sentou na mesa das negociações. Mas o que também acontece é que até agora o Ruanda  nunca assumiu estar por detrás deste conflito. Este é um dado importante?

Claramente que é um dado importante e a importância desse dado é que é de domínio público que o acordo de cessar-fogo não foi assinado pelos beligerantes ou então os contendores e o M23 não está presente. Se existir cumprimento no terreno de acordo de cessar-fogo, vamos chegar à conclusão de forma tácita, que tem sido, de facto, Ruanda que tem patrocinado e tem armado o M23. Se o M23 não faz parte das negociações e o M23 não se vincula a este acordo de cessar-fogo. O Ruanda assina, hipoteticamente, assumindo isto, então fica claro a nível mundial que tem sido Ruanda, que de facto tem estado a movimentar o M23 a desestabilizar o Leste da República Democrática do Congo.

Agora também podemos trazer de cima um outro elemento que o acordo de cessar-fogo, se de facto tiver pernas para andar, vai abrir o caminho para que a diplomacia ao mais alto nível dos chefes de Estado possa acontecer. E o outro passo seria uma cimeira onde o presidente Paul Kagame e o Presidente Félix Tshisekedi estivessem presentes na mesma mesa de negociações, encurtar as diferença e de facto assumirem ou reassumir os compromissos que é do Roteiro de Paz de Luanda, quer do comunicado final de Nairobi. Temos uma estratégia de defesa colectiva ao longo da fronteira. Isso sim seria um passo extremamente importante para aquilo que é o acordo de cessar-fogo ou então para aquilo que a instabilidade no Leste da República Democrática.

Angola foi escolhida pela União Africana para ser mediadora deste conflito. Não cabe às partes escolherem livremente quem é que pode mediar o conflito na RDC?

Não porque o que tem que acontecer é o seguinte: o interlocutor deve ser o interlocutor ou mediador válido para as duas partes e, até agora, pelos contactos mantidos pelas vias diplomáticas é notável que existe uma aceitação política por parte das partes, que é o Ruanda e que é a República Democrática do Congo. Apesar de há algum tempo a esta parte o Presidente Kagame deixou de vir para Luanda sobre esta matéria. Ele esteve cá,  recentemente, depois de um ano e meio, quase dois anos, e voltou a estar em Luanda, mas de forma separada, não no formato da cimeira. Ele tinha manifestado vontade de se sentar à mesa das negociações com o Presidente Félix Tshisekedi, numa data que deveria ser escolhida. Há aqui um elemento que também não podemos descurar, as intervenções feitas pelo presidente Kagame e Tshisekedi, do ponto de vista das acusações, tem estado a minar o processo de paz porque se vão digladiando de forma verbal e com acusações.

Chegou uma altura que nós ficamos com a percepção que Luanda já não era o interlocutor válido para o Ruanda. À medida que o presidente Kagame se fazia representar e algumas pessoas alegavam que Luanda nunca poderia conduzir um processo de acantonamento, mostrava imparcialidade neste processo. Penso que Luanda poderia ter levado esse processo de acantonamento e o que eu percebo é que o presidente Kagame tem estado com algumas aspas a fintar aquilo que têm sido as acções do Estado angolano porque não se faz representar normalmente nas cimeiras, dificilmente consegue um calendário para se sentar à mesma mesa de negociação com o Presidente Tshisekedi e agora esta assinatura, pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, pode ser vista como mais uma estratégia do presidente Kagame em dizer que aceita, quando na verdade sabe que no terreno não vai existir nenhum cessar-fogo por parte do M23.

A ideia que passa é a de que 'nós Ruanda estamos preocupados com isso, aceitamos o cessar-fogo, mas não controlamos o M23, logo não temos capacidade de influenciar as acções do M23'. Penso que o Presidente Kagame tem estado a jogar com algumas peças de xadrez, que vai ganhando, vai dilatando o tempo e as manobras e vai tendo os seus interesses salvaguardados. A não ser que a parte mediadora do conflito não tenha percebido que os interesses e os desejos e as aspirações do Ruanda são diferentes do que estavam previstos ao nível do Roteiro de Paz de Luanda e era fundamental se compreender, na essência, o que é que Ruanda pretende com tudo isso e trazer uma proposta que se ajuste àquilo que é o interesse também do Ruanda quanto a esta matéria.

Qual é que é o interesse do Ruanda?

Bem, essa é uma pergunta de 1 milhão de dólares e fica difícil chegar a esta conclusão: Qual é o interesse do Ruanda? Há várias teorias levantadas, uma delas é a de que o Ruanda, por ser um território pequeno e necessariamente tem uma densidade populacional que vai crescendo de forma muito rápida, quer anexar espaços ao território da República Democrática do Congo. São algumas teorias que vamos discutir e a outra também é muito em função do acesso aos mineiros ao longo da fronteira. Fica muito difícil compreender quais são as reais intenções do Ruanda, quando Ruanda vem se posicionando desta forma, mostra à comunidade internacional que tem vontade política de resolver um determinado problema, mas na prática age de forma contrária e diferente. É de domínio público que o Presidente de Ruanda só veio parar a para Angola este ano porque houve pressões internacionais sobre esta matéria. Estamos perante a um acordo de cessar-fogo bastante frágil porque não integra o M23. O M23 pode não se vincular e se não se vincular a este acordo de cessar-fogo, não vai respeitar o mesmo no interesse das operações.