"Israel emerge como um parceiro privilegiado na administração Trump"
04 February 2025

"Israel emerge como um parceiro privilegiado na administração Trump"

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O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reúnem-se esta terça-feira, 4 de Fevereiro, em Washington. Em causa está a segunda fase do acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza e a sobrevivência do actual executivo de Israel. Sónia Sénica, investigadora integrada do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, fala da importância desta visita, sublinhando que Israel emerge como um parceiro privilegiado na administração de Donald Trump.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, é o primeiro líder estrangeiro a ser recebido na Casa Branca desde a tomada de posse de Donald Trump. Que mensagem se pretende enviar com este encontro?

Demonstra uma mensagem muito clara, em termos de política externa, com Israel a emergir como um parceiro muito relevante e privilegiado para a administração de Donald Trump. Estão em curso dinâmicas de conflitualidade, quer na Europa, quer no Médio Oriente, e Trump já deixou muito claro que em qualquer uma das duas, terá de haver uma resolução — nomeadamente no Médio Oriente — reiterando o apoio a Israel.

Obviamente, isso passará por criar uma nova arquitectura de segurança regional, mantendo o reforço da posição de Israel, tentando, com isso, dissuadir e conter aquilo que é a influência, sobretudo, de Teerão. E, nesse sentido, fica aqui muito vincada nesta primeira deslocação de um líder estrangeiro a Washington para se encontrar com Trump. No fundo, essa linha permanente de política externa norte-americana que- comTrump- privilegia muito mais a dimensão bilateral do que propriamente o multilateralismo.

Esta cimeira Trump-Netanyahu marca o arranque das conversações com vista à concretização da segunda fase da trégua entre Israel e o Hamas. Esta segunda fase começa bem? Quando se sabe que Israel continua com a operação militar na Cisjordânia…

Começar por dizer que este é um cessar-fogo que foi alcançado ao longo de muitos meses de intensas negociações sob mediação internacional, também norte-americana, e com muita dificuldade de se conseguir concertar a posição das duas partes. Ainda assim, foi importante que o efeito Trump conseguisse, no fundo, pressionar [as partes]. Eu creio que, sobretudo para Israel, aceitar as condições do Hamas - relativamente àquilo que são os objectivos e a dificuldade de se avançar com a implementação deste acordo - mostra claramente essa fragilidade.

Por outro lado, também mostra, do meu ponto de vista, que é Washington quem está a ditar a cadência dos eventos da parte de Israel. Eu relembro que este acordo — proposta de acordo — foi avançada pelo então Presidente Joe Biden e, obviamente, foi dada a entender que seria um acordo de proposta da liderança de Netanyahu. Rapidamente se percebeu que havia aqui uma estreita articulação entre Israel e Washington para, no fundo, se conseguir esta paragem das hostilidades militares, sobretudo por causa de uma crítica muito grande em termos internacionais.

Neste momento, claramente, Netanyahu desloca-se, do meu ponto de vista, a Washington para mostrar que é um país que conta com o apoio dos Estados Unidos. É absolutamente vital para alavancar a credibilidade e o prestígio internacional de Israel - quer na região, quer em termos internacionais - que estava a ser minimizada.

Depois, de alguma forma, não há credibilidade da parte de Israel face ao Hamas, no cumprimento do acordo, nem dos seus procedimentos, e por isso é preciso articular novamente com o parceiro norte-americano. Acrescenta-se a contínua pressão, sobretudo interna - das famílias dos reféns - para se alcançar a libertação dos mesmos ou a restituição, entendamos, dos presídios às suas famílias, para encerrar aqui, digamos, um ciclo de trauma colectivo da sociedade israelita.

Esta segunda fase prevê a libertação dos restantes reféns, a declaração de uma calma sustentável no território e a retirada total das tropas israelitas da Faixa de Gaza do corredor de Filadélfia, na fronteira com o Egipto. Esta questão do corredor de Filadélfia é uma questão muito sensível para Israel, que já veio dizer que não vai querer abrir mão dela…

É sensível e muito ambiciosa. Naturalmente, é exigível pelo Hamas, mas não vai ao encontro daquilo que são as garantias de segurança exigidas por Israel. E, portanto, a dificuldade de conseguir cumprir com as exigências de parte a parte remete, desde logo, para a falta de confiança mútua que várias vezes tem posto em causa a implementação deste acordo. Remete, igualmente, para a necessidade de que os mediadores internacionais, sobretudo os Estados Unidos, se empenhem para que os restantes parceiros - mediadores -consigam obrigar as partes a cumprirem com o estipulado.

Todavia, não é garantido, do meu ponto de vista, que se consiga essa segurança de parte a parte para alavancar o cumprimento total deste cessar-fogo. São várias fases, indiciando claramente uma grande fragilidade, sendo que a fase seguinte remete para a necessária implementação da fase anterior. Tudo isto exige aqui um grande traquejo, na dimensão das diligências político-diplomáticas, mas creio que Netanyahu, com esta visita a Washington, quer mostrar força, algo que nesta fase não estava a conseguir projectar. Nomeadamente, para o próprio Hamas. 

Benjamin Netanyahu, que tinha prometido erradicar o Hamas, mas não o conseguiu fazer, está também muito fragilizado, mesmo no seio da própria coligação. Quais são os interesses de Netanyahu com esta visita?

Temos aqui várias questões com esta conflitualidade que têm minado aquilo que é a legitimidade política da liderança de Netanyahu, com dificuldades na própria gestão. Mas há uma coisa que me parece vincada: Netanyahu, ao ceder às exigências de Trump com este cessar-fogo, acabou por, em certa medida, colocar em causa ou perigar a própria preservação na governação de Israel. E, aliás, notou-se pelas diversas fragilidades dentro da coligação governamental e por aquilo que foram algumas saídas de ministros importantes que apoiavam Netanyahu. Obviamente que, nesta fase, só poderá tentar alavancar a dimensão externa para se reforçar também internamente, porque a maneira de afastar as críticas e a falta de legitimidade internamente é, no fundo, projectar essa ideia de força enquanto liderança, conseguindo gerir um difícil dossier, que é, por exemplo, a restituição e a libertação dos reféns que ainda estão nas mãos do Hamas.

Relativamente às ambições de Netanyahu, desde o princípio, eu creio que, de alguma forma, a preservação da sua liderança. A desresponsabilização pelo ataque perpetrado pelo Hamas no dia 7 de Outubro, o não conseguir que Israel seja um Estado que garante segurança aos seus cidadãos, é, obviamente, o que está a ser julgado ao longo destes vários meses de conflitualidade e de liderança política de Netanyahu.

O que é que procura Donald Trump? No plano diplomático, a normalização das relações, por exemplo, de Israel com a Arábia Saudita?

Sim, em certa medida, será também essa normalização que, aliás, já estava em curso. Donald Trump quer muito emergir, foi dito pelo próprio na tomada de posse, com uma liderança pacificadora em termos internacionais. Um Estado com grande poder em termos internacionais, sob a sua liderança, que consegue, por um lado, a protecção do interesse nacional norte-americano, mas, por outro, projectar essa imagem de pacificador em termos internacionais. Ou seja, terminando com as dinâmicas de conflitualidade que põem em causa os próprios interesses norte-americanos e as exigências, em termos do fornecimento de equipamento militar ou o financiamento, de alguns países aliados, até agora, que têm necessitado desse mesmo apoio.

Há também uma ambição de Donald Trump querer ser nomeado, por exemplo, para o Prémio Nobel da Paz, com este alcançar da pacificação, quer no Médio Oriente, quer até na própria Ucrânia.

Donald Trump, que, de resto, cometeu uma gafe quando falou na transferência de palestinianos de Gaza para o Egipto e para a Jordânia. Na semana passada, o Egipto, Jordânia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e o Qatar divulgaram uma posição conjunta, rejeitando quaisquer planos para transferir populações palestinianas.

Eu creio que terá sido uma comunicação pouco cautelosa da parte do Presidente norte-americano que podia pôr em causa a continuidade do cessar-fogo, a eventual retoma de negociações para a criação de dois Estados e o reconhecimento do próprio Estado palestiniano por Israel e em termos internacionais. Este tipo de declaração mina, obviamente, o chamado processo de pacificação - a estabilidade do Médio Oriente - e não é abonatório para a posição de Israel. Porém, também não é abonatório para a posição de Washington, que quer emergir como um pacificador.

Obviamente, foi completamente descartada essa possibilidade, sobretudo pelos países de acolhimento - a Jordânia e o Egipto - que não querem continuar a ser países receptores de fluxos migratórios. E, neste caso, até seria uma deslocação forçada por parte dos palestinianos. Esta declaração não vai ao encontro da necessidade da causa palestiniana, nem daquilo que são os países da região que, de alguma forma, acalentam uma nova arquitetura de segurança no Médio Oriente. Uma arquitectura que seja estável e abonatória para qualquer um dos lados.