
Instituto Pró-Onça ajuda mulheres a reconhecerem-se como líderes no Cerrado brasileiro
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O Instituto Pró-Onça trabalha no Cerrado brasileiro de forma a conservar os jaguares presentes neste que é o segundo maior ecossistema do Brasil, logo a seguir à Amazónia. Esta conservação passa pelo empoderamento das mulheres locais que são a base do núcleos das famílias rurais e também líderes comunitárias.
O Cerrado é o segundo maior ecossistema do Brasil, sendo considerado como o berço das águas, já que aqui nascem rios essenciais para as bacias hidrográficas de todo o país. No entanto, e devido a esta confluência de águas e terras férteis, é do Cerrado que vem 60% da produção agrícola do Brasil o que empurra as espécies autóctones, como o jaguar, ou a onça no português do Brasil, para perigo de extinção.
Há dois anos nasceu o Instituto Pró-Onça que tem como principal missão a conservação das chamadas onças pintadas, no estado de Góias, promovendo sobretudo esta conservação através do empoderamento das mulheres localmente, mas também sessões de informação para escolas e a reflorestação do Cerrado brasileiro.
A bióloga, fundadora e directora deste instituto, Letícia Benavalli, esteve em Paris para participar no Fórum da Paz e em entrevista à RFI falou da importância da conservação dos jaguares para um ecossistema mais saudável.
"A onça pintada é um predador do topo da cadeia alimentar. Então, quando a gente tem a conservação dela, a ocorrência dela no ambiente, a gente consegue ter todo um ecossistema conservado também, justamente porque ela precisa de outros requerimentos ecológicos. Então, quando ela está lá, ela consegue controlar a população de presa. A gente consegue ter uma água mais limpa, um ar mais purificado também, como consequência disso tudo. Então, se a onça pintada está ali, o ambiente é bom. A ideia é realmente esse amor que a gente tem pela espécie, pelo que ela representa, tanto culturalmente quanto historicamente para o nosso país", explicou a bióloga.
De forma a manter este "amor" pelos jaguares ou onças, o Instituto Pró-Onça trabalha o papel das mulheres como líderes comunitárias e como força da conservação da natureza, fazendo delas aliadas na preservação deste animal.
"[O Cerrado] É um ambiente extremamente masculino. Dentro da ciência de maneira geral é assim, mas principalmente no campo, nós temos poucas mulheres. E as mulheres que estão ali muitas vezes elas não são reconhecidas como líderes. E a nossa ideia é justamente mudar isso e fazer com que as pessoas consigam entender que mulheres não só podem andar nesse ambiente, como elas são líderes nisso. Elas são 'experts' no que elas fazem. O nosso trabalho também envolve muito as próprias mulheres reconhecerem o seu direito, o seu direito da terra, o seu direito económico social que ela tem e o seu papel como principal aliada também dentro da conservação, dentro daquilo que a gente vai fazer das nossas actividades. Porque as mulheres elas são a base do núcleo rural. Quando a gente fala de família rural, a comunidade rural, nós temos os homens que saem para fazer o trabalho e nós temos as mulheres que ficam em casa fazendo comida, cuidando da família, que cria essa base da subsistência. E aí é justamente com essas mulheres que a gente pensou em trabalhar e vem trabalhando, porque são essas mulheres que vão falar para os seus filhos, para seus netos, que as coisas devem ser feitas de maneira diferente. E a gente bate muito nessa tecla da mulher conseguir reconhecer o seu direito de fala, de voz activa e da terra", indicou Letícia Benavalli.
O Instituto Pró-Onça já permitiu aumentar em média aumentar para 600 dólares o rendimento das mulheres que seguem as suas formações, tendo trabalhado com mais de 100 pessoas em cinco comunidades diferentes no Cerrado. Este instituto segue 11 jaguares e vigia ainda outras 16 espécies locais, algumas delas também em vias de extinção. No total, esta instituição já restituiu cinco hectares de floresta ao Cerrado.
Quanto à COP 30, cuja reunião de líderes começa hoje em Belém, no Brasil, esta investigadora explica que há motivos para regozijo, mas também para preocupação, nomeadamente no que diz respeito a acordos recém-assinados sobre a exploração de recursos fósseis no rio Amazonas.
"Eu acho que pra gente é uma grande vitória, porque o último evento que a gente teve dessa magnitude para falar de acções climáticas no Brasil foi em 1932. Então, assim, colocar o Brasil nesse espaço de líder global em acções climáticas é mostrar o que a gente vem fazendo e ter o nosso espaço para falar que também trabalhamos com alterações climáticas e somos bons nisso. Eu acho que é fundamental e cada vez mais nós temos que falar, porque nós fazemos muitas coisas. A América Latina, de maneira geral, vem desenvolvendo muito trabalho, vem trazendo muita inovação para cá nesse sentido. E mais, eu acho que também fica um alerta, porque preços superfaturados e aí logo com a COP aqui e agora, em Novembro, temos a liberação para explorar petróleo na foz do rio Amazonas. Então, assim, ao mesmo tempo que estamos nesse local de luta, de mostrar que devemos ser reconhecidos, trazemos uma adenda de que estamos abertos a explorar um dos lugares, um dos locais mais diversos do mundo, em prol de um tipo de energia que a gente já sabe que não funciona. Tudo isso em prol de um capitalismo. Então também fica esse alerta de que a gente está caminhando, mas ao mesmo tempo parece que são dois passos a frente, um para trás", concluiu a biológa.