
O Congresso de Reconciliação Nacional, organizado pela Igreja Católica angolana realiza-se na primeira semana de Novembro, antecedendo as celebrações dos 50 anos de independência. O Presidente da República João Lourenço confirmou a sua presença, a convite dos bispos da Conferência. Os mesmos que, recentemente, teceram duras críticas contra "a corrupção, a fome e a pobreza". Que temas serão debatidos neste Congresso e a que consensos pode chegar a sociedade angolana?
Inicialmente previsto para 29 e 30 de Outubro, o Congresso de Reconciliação Nacional foi adiado para a primeira semana de Novembro, após concertação com o chefe de Estado. O Presidente João Lourenço, que confirmou a sua presença no evento, não se encontrava disponível nas primeiras datas devido a uma cimeira da União Africana, segundo informou à imprensa local o Padre Celestino Epalanga.
Questionámos o mestre angolano em Ciência Política Almeida Henriques sobre este Congresso aberto a todos os cidadãos angolanos e não só aos fiéis católicos. O que revela a presença, simbólica ou política, do Presidente da República neste evento que se quer reconciliador e que advém num contexto social tenso de recentes manifestações, tentativas de greve e denúncias de detenções arbitrárias.
RFI: Como define o contexto em que se vai realizar este Congresso?
Professor Almeida Henriques: Temos que olhar para a paz de uma forma extensiva. A paz não é só o calar das armas e se calhar temos de adicionar um outro elemento, a justiça social. Justiça social gera paz. Agora, é verdade que o contexto geopolítico não respira a saúde que se precisava. Numa perspectiva económica, a balança que se coloca, normalmente, é a da cesta básica. Quando a cesta básica está desenquadrada, normalmente a tensão começa-se a fazer sentir, do ponto de vista de insatisfação social.
O Estado deve garantir a segurança, a justiça e a paz social. Portanto, quem não garantir esses elementos é melhor não existir. É assim que se pensa em ciência política. Ora bem, para o caso angolano, esses elementos existem. Mas na dimensão que se pretende? Obviamente não. Agora, o que é que se precisa fazer? Ler os sinais dos tempos, compreender os fenómenos e encontrar soluções para que de facto se busque o desejável.
É este também o propósito do Congresso de Reconciliação Nacional. O que pensa da presença do Presidente da República neste evento?
O Chefe de Estado, para além de ser Presidente da República, é um cidadão e ele é parte do processo da justiça social e da reconciliação nacional. A sua presença é simbólica e dá uma outra dimensão, dá uma outra aceitação de que as entidades políticas e religiosas estão unidas em torno de um propósito. Logo, não é estranho que o Presidente João Lourenço marque presença.
Estarão também os líderes de outros partidos políticos, por exemplo, os partidos políticos da oposição?
Em princípio, sim. E devem estar. Porque se não estiverem, estariam desvinculados do processo de paz e justiça social. A Igreja sempre está na linha de frente naquilo que é a pacificação dos espíritos. O cidadão angolano ainda assim, vive alguns efeitos, sobretudo os mais adultos, de um passado recente e às vezes a presença duma palavra divina reconforta o cidadão, e reconcilia o cidadão com o seu irmão. Portanto, a Igreja é um parceiro incondicional do Estado.
Há poucos dias, no fim da II Assembleia Plenária Anual, a Igreja Católica teceu duras críticas às autoridades políticas, denunciando, entre outros, a corrupção como sendo "a pior desgraça dos últimos 50 anos", a fome e a pobreza. Estas realidades vão ser abordadas neste Congresso de Reconciliação Nacional? Em que medida é que podem ser alcançados consensos?
Precisamos de perceber um detalhe. Este Congresso não será para acabar com a fome nem com a pobreza, mas é para apresentar indicadores daquilo que se vive e perspectivar mudanças. Buscar caminhos sólidos que possam alavancar a economia. Buscarmos a estabilidade social, buscarmos a proteção social, buscarmos a assistência social, tudo isto olhando pelos mecanismos de combate à corrupção. Existem esses mecanismos, sim, mas precisamos de encontrar novas ferramentas. Porque não vamos dizer que a corrupção terminou. Ninguém pode dizer.
Concretamente que temas serão debatidos neste Congresso?
Vou buscar um elemento muito importante. Nós recentemente tivemos uma situação insólita. Vimos a vandalização dos bens públicos e eu lhe confesso, até 1991, isto era quase que impossível. Porquê? Porque era altura da construção da personalidade do cidadão angolano naquilo que era o amor à pátria, o espírito de pertença... Mas isso ficou desvalorizado porque a liberdade começou a ser confundida com a libertinagem. Estes valores têm que ser resgatados. E no discurso político, tem que se saber abordar elementos como estes. Como da questão da corrupção. Porque mais do que falar da paz, vai se falar desses elementos.
Não tem como não se falar disto. Os discursos políticos não vão falar apenas "olhem, temos 50 anos de independência e hoje vamos preparar a Festa da Independência". Não. Política não é isto. E também a Igreja Católica não vai aparecer ali com discursos de preparar champanhe para o dia dos festejos dos 50 anos. Não vai ser isto.
Há ainda outro tema recente. Várias organizações da sociedade civil angolana apelaram à comunidade internacional e à Igreja para não ficarem em silêncio diante das detenções arbitrárias e das mortes durante as manifestações, nomeadamente as de Julho. Acredita que o tema vai ser debatido e, se não o for, que reconciliação nacional é possível obter neste contexto?
Cada área tem a sua responsabilização. É garantida a liberdade do cidadão angolano poder manifestar a sua vontade. E é normal que aconteça um cidadão reclamar, buscar justiça internacional, segurança internacional. Poderá ter havido excessos, mas na verdade, os excessos foram precipitados pelo próprio cidadão. Efectivamente, pode ter havido excesso de zelo. O excesso de zelo pode-se traduzir num crime, porque ninguém tem direito de tirar a vida. Nisto estamos todos de acordo. Se a sociedade civil tiver um momento de intervenção no Congresso, obviamente fará menção a isto. Mas se for tratado neste fórum, pode não ser um tema pacificador.
Enquanto analista da vida política e social angolana, que mensagem gostaria que fosse passada ao povo angolano neste Congresso de Reconciliação Nacional?
Que o povo angolano, digamos, sinta que o que nos une é mais importante e supremo do que aquilo que nos desune. Tenhamos o mesmo sentimento de partilha, tenhamos o mesmo sentimento de construção de uma sociedade equilibrada. E para que nós também, enquanto cidadãos, tenhamos orgulho da nossa cidadania, para que não tenhamos uma conduta que põe em causa a segurança nacional, porque somos nós que temos que proteger a nossa liberdade. Somos nós que temos que proteger a segurança nacional. E é verdade. Somos nós que temos que exigir os direitos que nos são, digamos, reservados por lei. Portanto, tudo tem que gerar equilíbrio, mas sempre esse equilíbrio dentro dos princípios de paz e justiça social, senão mesmo de reconciliação nacional.
Em Setembro deste ano, cinco organizações da sociedade civil instaram as Nações Unidas (ONU) a liderar uma investigação internacional independente sobre a morte de centenas de angolanos durante a greve dos taxistas, entre os dias 28 e 30 de Julho. As ONGs disponibilizam-se para fornecer todas as provas e documentação necessárias para apoiar a busca por justiça.
Pouco tempo antes, no início do mês de Setembro, a justiça suspendeu a tentativa de outro movimento grevista. Os jornalistas da imprensa pública apelaram à greve, pela primeira vez desde a independência em 1975, para reivindicar melhores condições laborais. A greve foi suspensa pelo Tribunal de Luanda, que invocou uma "violação ao direito fundamental dos cidadãos se informarem".
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos afirmou continuar determinado na reivindicação dos seus direitos, sem todavia avançar com o movimento de greve.