A Comunidade económica dos Estados da Africa ocidental, CEDEAO, foi criada há precisamente meio século em Lagos, na Nigéria.
Belarmino Silva, embaixador cabo-verdiano junto da CEDEAO, participa em Lagos nas celebrações e conta-nos como estão a decorrer os festejos.
Já o antropólogo guineense Mamadu Jao, que desempenhou as funções de comissário do bloco regional para as áreas da educação, ciência e cultura testemunhou à RFI como foi trabalhar na mecânica deste bloco de integração regional.
A Comunidade económica dos Estados da Africa ocidental, CEDEAO, foi criada há precisamente meio século em Lagos, na Nigéria.
De 15 a zona passou agora para apenas 12 Estados. Os festejos decorrem, precisamente, na cidade nigeriana onde há 50 anos se colocaram os alicerces da comunidade.
Uma área que tem, muitas vezes, tropeçado em obstáculos ligados à instabilidade político-militar: um dos motivos que levou ao afastamento recente de três Estados golpistas, Níger, Burkina Faso e Mali.
Já a Mauritânia tinha deixado a organização no ano 2000, e em 2017 formalizou um acordo de associação com o bloco.
Belarmino Silva, embaixador cabo-verdiano junto da CEDEAO, participa em Lagos nas celebrações e conta-nos como estão a decorrer os festejos.
Hoje é dia de festa. Estamos em Lagos. Vai haver uma primeira fase, que será a reconstituição do acto de assinatura do Protocolo de Lagos de 1975. E, depois, a segunda fase, que será a comemoração propriamente dita, onde todos os representantes dos Estados-Membros e os convidados estarão participando. E a agenda ainda contém um plano de uma palestra, mais tarde, para com os antigos... portanto, o presidente da Comissão da CEDEAO, ministros dos Negócios Estrangeiros e o antigo presidente também da República Federal da Nigéria.
Paira sobre a organização, imagino ainda assim, a partida da Mauritânia, do Níger, do Burkina Faso e do Mali não é ? Não é possível festejar 50 anos sem pensar que houve também países que optaram por bater com a porta, não é?
Isso, é claro. São desafios que ainda persistem em alguns países, como o Burkina Faso, Níger e o Mali: saíram recentemente. A Mauritânia, já faz tempo, mas são marcas que ficam, não é ?
É o momento para pensar, pensar a sério a CEDEAO e ver a forma se consolida a união entre os países. E promover a integração económica, como foi a intenção dos países fundadores.
Qual é que acha que terá sido o ganho principal há 50 anos? Cabo Verde ainda não era independente. Tornou-se independente pouco depois. Agora é mais fácil circular.
Como é que as pessoas da CEDEAO vêem materialmente a concretização desta integração regional? Quais são os ganhos para eles?
Os ganhos são muitos porque existe um mercado comum em que há livre circulação de pessoas e bens, faz-se negócios livremente. Aqui na CEDEAO com taxas alfandegárias reduzidas.
Cabo Verde tem desafios, por ser o único estado insular da região. Tem ainda desafios a superar, mas está-se a trabalhar. O Corredor Marítimo Praia Dacar Abdijan já está em fase final de estudos. Certamente vai trazer mais valias. E também o corredor Abidjan, Acra e Lagos, que vai começar, portanto, a ser construído a partir do ano que vem. Certamente vai trazer muitas vantagens.
Mas desafios persistem, conforme eu disse. Portanto, a questão a democracia, as mudanças institucionais de governos, são vários desafios. Mas a CEDEAO continua a ser a região, a sub-região mais dinâmica do continente e, sem sombra de dúvidas. Mesmo a União Africana reconhece que a CEDEAO é a sub-região mais dinâmica aqui no continente.
No entanto, muitas vezes se ouve falar de problemas, por exemplo, de cidadãos estrangeiros em Cabo Verde, provenientes da CEDEAO. E, portanto, a aplicação da livre circulação nem sempre é factível. Isto é mesmo assim ? Há dificuldades no dia-a-dia em relação à aplicação dos princípios fundadores. Quais são elas?
Não, porque olhe Cabo Verde aplica o protocolo da livre circulação melhor que muitos países da região ! Por isso temos que ver isso e talvez construir um pouco a narrativa da questão da livre circulação em Cabo Verde. Isto porque nós aplicamos. Nós aplicamos, mas temos também que ver a nossa especificidade, a nossa insularidade e tudo o resto.
Belarmino Silva, embaixador cabo verdiano junto da CEDEAO, que nos falava de Lagos, na Nigéria.
O outro membro lusófono do Bloco é a Guiné-Bissau, de onde é natural o antropólogo Mamadu Jao, que desempenhou as funções de comissário do bloco regional a partir de 2021, durante mais de um ano, para as áreas da educação, ciência e cultura. Ele testemunhou à RFI como foi trabalhar na mecânica deste bloco de integração regional.
Como em todas as organizações, os desafios são enormes. Certamente a máquina não está-se a mover como gostaríamos que fosse. Eu acho que foi uma experiência. Eu trabalhei durante um ano e meio, mais ou menos, porque fui só para substitui, para completar o colega que estava lá.
Que tinha falecido, Leopoldo Amado.
...De Covid. Mas foi uma experiência, foi uma integração trabalhar num grupo multicultural de diferentes países e trabalhando sobretudo, com diferentes governos. Portanto, os desafios de integração continuam enormes e, sobretudo, de circulação de pessoas e bens.
Mas eu trabalhei mais ligado na área da educação e ciência e cultura. Tive uma equipa muito dinâmica nas três áreas e durante esse período conseguimos fazer o possível.
Fala-se muitas vezes que há uma grande dicotomia entre francófonos e anglófonos, já que só há dois lusófonos. Portanto, estava na Nigéria, que é um gigante anglófono. Como é que era no dia-a-dia? Isso era mesmo perceptível? Alguma desconfiança?
É perceptível. É perceptível, porque ali há o peso dos anglófonos. Depois vêm os francófonos. Nós, lusófonos, estamos só dois países. Mas pronto, nesse domínio também tentámos, o grupo tentou fazer o máximo, porque muitas das vezes era a questão linguística. Então eu sempre fazia questão de falar em português.
Então, era um desafio também para a própria CEDEAO, porque em todas as reuniões normalmente só consideram o inglês e o francês. E eu dizia sempre que o português tem o mesmo estatuto que as outras duas línguas, portanto, que fizessem um esforço para que os lusófonos também pudessem falar na sua língua. Foi um dos desafios. Pronto, deu, surtiu alguns efeitos. Eu continuo a participar em algumas comissões ainda, mas vejo que a situação mudou pela positiva nesse sentido.
A Nigéria, de facto, acolhe a organização. A Nigéria é um gigante. Acha que também há, de alguma forma, sempre uma certa desconfiança relativamente aos nigerianos da parte dos outros membros da organização ?
O problema talvez não é a desconfiança, mas, como diz, como é Nigéria que acolhe a organização, ela está sediada na Nigéria: em termos de quotas, em termos de representatividade, nota-se claramente que o peso nigeriano é maior. Então aí não há assim muito equilíbrio, como deveria ser. O peso da Nigéria e do inglês é visível.
São 50 anos de integração regional. Há mesmo motivos para comemorar? Há muita gente a fazer um balanço algo negativo. Muitas vezes diz-se que ainda é muito complicado circular quando não deveria ser, quando essa livre circulação deveria ser uma garantia. É mesmo assim, qual é a sua perceção?
Eu acho que a CEDEAO com 50 anos, realmente aos objectivos, ainda há muita coisa para fazer, sobretudo neste domínio, que deveria ser neste momento automático ! Mas as dificuldades, mas também se formos a ver, mesmo dentro dos países há este problema.
O problema de circulação de pessoas e bens não está resolvido, mesmo dentro dos países. E então o desafio da comunidade ainda é maior. Mas é um desafio. Penso que tudo não é negativo. Não sou da opinião que tudo, tudo correu mal, mas penso que poderia neste momento ter melhores resultados e uma máquina de na altura 15 países, hoje 12 Pronto, Gerir 15 países já não é fácil. Então se temos problemas de mobilidade dentro dos países, então em todos os domínios, a infraestrutura, o aspecto legal é o aspecto pragmático. Está mais a nível de discurso do que uma coisa efectiva, de facto. Mas pronto, vai-se caminhando. Esperamos que melhores dias possam vir.
Fez referência ao facto das saídas da Mauritânia e depois os três países mais recentes: Burkina Faso, Níger e Mali. Portanto, estas saídas estão a ensombrar os festejos ?
Sem dúvida. Sem dúvida. Eu acho que, pronto, ... Ainda a Mauritânia saiu mais, depois ficou como observador e acho que havia a intenção já de uma aproximação com os três países. Agora a situação tornou-se mais complicada. Eu acho que a comemoração teria mais peso se os 15 estivessem juntos e comemorassem esta data em comum. Mas pronto, é uma situação. Às vezes são acidentes de percurso. Mas a saída dos três países ultimamente acho que de alguma forma vai ensombrar os festejos.
Era o investigador guineense Mamadu Jao, ex comissário da CEDEAO para a educação, ciência e cultura.